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“Em relação à manutenção da prisão, [voto] sim. Eu entendo que nós temos, sim, que dar uma resposta à independência desta Casa, mas não usando como escudo o mandante de uma morte de uma vereadora. Isso é suicídio.”
A fala do deputado Fausto Pinato (PP-SP) durante a votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antecipou o resultado que se veria depois no plenário da Câmara. Ao que tudo indica, o medo da reação da sociedade que finalmente vê a luz da Justiça no fim do túnel, falou mais forte em ano eleitoral do que a luta permanente por sobrepujar os outros poderes, travada pelo Congresso liderado por Arthur Lira (PP-AL).
O fato é que, depois de ter obtido o aval da CCJ (por 39 a 25), a votação apressada no plenário (com 30 minutos de duração, sem exposição de argumentos nem discursos anteriores), 277 dos 434 deputados presentes mantiveram a prisão, ordenada pelo STF, do colega Chiquinho Brazão, o mandante do assassinato de Marielle Franco de acordo com as investigações da Polícia Federal.
Uma derrota do presidente da Câmara (que, pelo regimento, não vota a não ser em caso de empate), já que seus aliados, como o deputado Elmar Nascimento (União-BA), apontado por ele como o favorito à sua sucessão, defenderam publicamente a soltura de Brazão.
Também fracassou a estratégia de se ausentar, defendida por outra parcela do centrão, para impedir o quórum mínimo de 257 parlamentares a favor da prisão. Quem faltou acabou com a mesma pecha dos que votaram pela soltura do acusado de mandar matar Marielle. E, com 20 votos a mais do que o necessário, Brazão continua na cadeia.
Até no partido de Lira, que desde o início trabalhou para retardar a decisão – o próprio Pinato foi responsável por um pedido de vista na CCJ que segurou a votação por mais de duas semanas –, houve mais votos favoráveis à prisão (18) do que contra (10), embora o PP tenha sido o campeão de abstenções (12 votos).
Só o PL de Jair Bolsonaro, apoiado na defesa da tese esdrúxula de avanço do STF sobre a imunidade parlamentar (abraçada também pelos aliados de Lira), alegou suposta falta de provas contra Brazão, votando em bloco para soltar o deputado fluminense. Mas para os bolsonaristas não há perda política, já que estão falando com o seu eleitorado mais fiel, que desde o início agiu para achincalhar a vítima, em estranha cumplicidade com os assassinos.
“Os deputados estão dizendo: ‘amanhã pode ser um de nós’. Só poderá ser uma de Vossas Excelências se estiver envolvido com crime, se estiver envolvido com a milícia, se estiver envolvido com homicídio, aí com certeza pode ser uma de Vossas Excelências. E talvez seja essa a preocupação dos deputados que não querem que esse processo siga adiante”, disse com todas as letras a deputada Erika Hilton (PSOL-SP).
Desde o início, Brazão e os outros acusados do crime, como revela claramente a delação de Ronnie Lessa, foram surpreendidos com a repercussão gigantesca dos assassinatos de Marielle e Anderson. Não imaginavam que a execução de uma vereadora, entre tantos políticos assassinados no país, uma mulher negra e LGBT, cria da Maré, como tantas outras vítimas do Estado, pudesse abalar muita gente no mundo todo. Grande equívoco.
Seis anos depois, a maioria dos deputados conhece o risco de proteger, pelo menos publicamente, o acusado de mando de um crime político contra uma mulher potente que se tornou símbolo do clamor da sociedade por justiça.
Sobre isso, aliás, aproveito para recomendar o episódio mais recente do podcast “Rádio Novelo Apresenta”, em que a assessora de imprensa de Marielle, Fernanda Chaves, vítima de tentativa de assassinato no mesmo crime, conta o impacto da tragédia em sua vida, desde o momento em que ouviu as rajadas que mataram sua amiga e companheira de política.
Reproduzo aqui o trecho final do segundo ato, “Todo dia é 14 de março”:
“Quando assassinaram ela, veio essa coisa, ‘Marielle Presente’, ‘Marielle vive’, ‘não vão calar’, eu me incomodava muito com isso. ‘Marielle não está presente, Marielle não vive, a minha amiga, a comadre, a madrinha da minha filha não está aqui, eu não estou comendo com ela, rindo com ela, sentindo o cheiro dela, ela não está aqui’”, conta Fernanda.
“E até isso foi ressignificando agora, e está mais ressignificado do que nunca. Porque quiseram calar a Marielle. Acabar com ela. Eles fizeram um cálculo muito errado de que esse seria mais um crime, ia se falar ali por uns dias, Marielle era uma pessoa pequena – nessa leitura, nessa análise muito errada deles – uma mulher da favela, ‘isso aí daqui a pouco tá baixo’”, diz.
“E esse foi um cálculo tão errado e a Marielle é tão grandona, que esses caras vão passar a vida ouvindo falar de Marielle. A Marielle vai atazanar essas pessoas até o último dia de suas vidas infelizes (…). E mais do que nunca o que eu mais amo é falar ‘Marielle presente’ na cara dessa gente. Porque não é só quem desejou, organizou, quem planejou esse assassinato. Tem figuras que se regozijam desse assassinato. Eles insistem em dizer que a Marielle acabou. Mas Marielle está na boca deles. Eles tentaram calar uma coisa que eles vão ter que ouvir pro resto da vida. Eu acho esse revide muito Marielle”, rebate Fernanda.
Mais uma vez foi o nome de Marielle, ao lado da palavra Justiça, que se tornou coro quando o final da votação foi anunciado na Câmara dos Deputados. Marielle presente!
Fonte
O post “O dia em que Marielle derrotou Arthur Lira” foi publicado em 13/04/2024 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública