A UN News (serviço de informação da ONU) entrevistou a diretora interina da Divisão de Programa de Saúde do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Luwei Pearson, sobre a resposta rápida da agência ao surto do coronavírus e outros assuntos relacionados ao que agora se tornou uma pandemia global, incluindo seu impacto em milhões de crianças diante do fechamento das escolas.
UN News: A COVID-19 ainda está galopante em todo o mundo, com exceção da China. Como o UNICEF conseguiu responder tão prontamente à epidemia na China?
Luwei Pearson: A China não é mais um recebedor convencional da ajuda do UNICEF. Entretanto, ainda é um parceiro estratégico. Por isso, sempre prestamos atenção ao que acontece na China… À luz das lições aprendidas com o surto do ebola na África ocidental, estamos preparados no que diz respeito a programas, planejamento, suprimentos, armazenagem de produtos essenciais para lidar com doenças e ameaças comuns. Essa preparação é realmente crucial para permitir ação imediata e pontual.
UN News: O que o UNICEF tem feito para apoiar a China durante a epidemia da COVID-19?
Luwei Pearson: Tem sido um desafio. Nossas reservas iniciais se esgotaram muito rápido. De repente, as necessidades assumiram uma escala global. Não fomos capazes de conseguir materiais básicos ou continuar a produção na China. Houve um período de falta de produtos essenciais e escassez de luvas, Profilaxia após a Exposição (PEPs) e máscaras. Está melhorando. Agora com os fabricantes chineses retomando o trabalho, contatamos empresas públicas e do setor privado na China e estabelecemos acordos especiais para conseguir que um grande volume de materiais essenciais estejam disponíveis para outros países que estão enfrentando a epidemia, incluindo os Estados Unidos e a Europa. Então, trata-se de um esforço contínuo para manter a cadeia de suprimento de prontidão, para manter nosso apoio técnico de prontidão.
UN News: Muitas escolas em todo o mundo fecharam em meio à epidemia. Como o UNICEF ajuda a aliviar, para ambos – pais e crianças -, um pouco do stress associado a essa situação?
Luwei Pearson: Devo admitir que tem sido uma curva de aprendizado para o UNICEF, assim como para os governantes em diferentes países e para organizações internacionais, incluindo as Nações Unidas. No início, pensamos que se tratava de um surto de gripe. Ninguém previu que escolas, fábricas e fronteiras seriam fechadas. Embora a taxa de mortalidade entre crianças seja relativamente baixa, o efeito secundário nas crianças, conforme você mencionou, devido ao fechamento das escolas, se dá no seu bem-estar mental e físico. Antecipadamente em janeiro, o UNICEF – tanto na China quanto em Nova Iorque – trabalhou em conjunto para apoiar o aprendizado saudável em casa, de forma que as crianças pudessem continuar a interagir com outras, ter um espaço saudável e estar atentas e conscientes.
E nós interagimos com as crianças nas redes sociais e as orientamos a lidar com o estresse. Então é uma curva de aprendizado muito importante. Em um artigo recente, a diretora de Educação do UNICEF mencionou que embora as crianças não estejam morrendo da doença em si, elas estão absorvendo uma enorme carga social e que devemos ter o cuidado de monitorar o que está acontecendo às crianças em função do fechamento das escolas. O que aprendemos durante a crise do ebola foi que o fechamento de escolas nem sempre é saudável para as crianças. Para muitas crianças pobres, não ir à escola, não ter acesso a um espaço seguro em meio a um conflito, não ter acesso a única refeição disponível do dia, que recebem na escola – tudo isso corresponde a um desafio gigantesco.
UN News: Mulheres são um outro grupo que o UNICEF está apoiando. Que tipo de assistência vocês estão oferecendo a mulheres grávidas e àquelas que estão amamentando?
Luwei Pearson: Essa é uma pergunta muito importante. Estamos atentos a ambos os efeitos da doença, tanto os diretos, quanto os indiretos. Estamos buscando coletar informações sobre o que ocorre a esses bebês nascidos de mulheres que testaram positivo para a COVID-19. Como elas podem amamentar com segurança? Qual é a melhor maneira de prevenir a transmissão da mãe para o filho, se é que isso existe? É cedo para saber isso e as evidências ainda não são claras. Muitos dos primeiros dados vêm da China porque foi lá onde ocorreu o primeiro surto da doença e a China começou a coletar informações mais cedo.
Estamos também analisando a situação das mulheres que estão com suas crianças em casa devido ao fechamento das escolas. Muitas mães podem ser trabalhadoras diurnas, que precisam receber salários. Então, estamos conscientes do que significa para elas ter seus filhos em casa. Estamos pedindo ao marido, ao pai, a outros membros da família e a todos para darem um apoio extra a essas mulheres porque a carga não deve recair apenas nos seus ombros. Ela deve ser compartilhada por todos nós.
UN News: A epidemia está testando os sistemas de saúde em todo o mundo. Se os países com sistemas bem estruturados, como China, Estados Unidos e países da Europa, estão tendo dificuldades de enfrentar este desafio, como podemos esperar que as nações menos desenvolvidas, incluindo os países subdesenvolvidos, respondam à epidemia? O que o UNICEF tem feito para apoiar os países vulneráveis no enfrentamento à epidemia?
Luwei Pearson: O que nos preocupa é a inexistência de uma estrutura básica. O que eu quero dizer com “básica”? Eletricidade, água para lavar as mãos, água para realizar cirurgias, água para limpar as salas de parto. Quando passo por vários países na África, verifico que a existência de água nas instalações de saúde não é uma questão resolvida. Não existe água disponível em areas remotas. O UNICEF tem concentrado sua atenção na questão da lavagem nas instalações de saúde e nas escolas. Estamos também apoiando o sistema básico de saúde a fim de que enfermeiras e parteiras treinem técnicos da área de saúde que atuam nas instalações principais do serviço de saúde. Isso é realmente muito importante, não apenas para o atendimento prestado pelo serviço de saúde diariamente, como também para os surtos de doenças.
Sempre que há uma epidemia, voltamos a falar sobre a importância do atendimento básico de saúde. Mas, quando um surto de doença acaba, não empreendemos esforços e recursos suficientes para desenvolver um sistema básico de saúde, seja pelo governo ou pelas instituições que se tornaram parceiras. Nós podemos fazer muito mais e melhor nessa área para estruturar a base corretamente.
UN News: Entendemos que existem muitos obstáculos ao trabalho do UNICEF, como proibição de viagens e fechamento de fronteiras. Como essas medidas impactam o seu trabalho?
Luwei Pearson: Crianças se deslocando… é um assunto premente, mesmo antes da COVID-19. Existem crianças se deslocando entre países, cruzando fronteiras em busca de segurança. O fechamento de fronteira certamente afetará famílias, crianças em deslocamento, refugiados e migrantes. O UNICEF tem um grupo especial estruturado como parte da resposta à COVID-19 para garantir que crianças vulneráveis não sejam esquecidas; não sejam estigmatizadas e que sejam protegidas pelos sistemas locais em bases humanitárias.
UN News: O UNICEF tem muito material em estoque, mas pode ter dificuldade em distribuí-lo devido às proibições de viagens e ao fechamento de fronteiras. Como você irá vencer esse desafio?
Luwei Pearson: Nossa reserva de material está melhor nesta semana do que na semana passada. Isto se deve muito à retomada da produção pelos fabricantes chineses. Entretanto, para despachar esses produtos, sejam luvas, PEPS ou mesmo concentrados de oxigênio e medicamentos essenciais, nós precisamos nos certificar de que aviões de carga estão disponíveis e que o espaço aéreo está aberto para permitir que o material chegue ao local onde queremos que ele vá. Por isso, o fechamento de fronteiras e os cancelamentos das companhias aéreas certamente têm um impacto na disponibilidade dos produtos básicos e dos medicamentos. Temos que continuar trabalhando com os governos e autoridades e também com os setores públicos e privados a fim de garantir que a produção esteja disponível, bem como o transporte e a distribuição.
UN News: Eu fiquei inspirado pela mensagem da diretora executiva do UNICEF, Henrietta Fore, na qual ela expressa a determinação da agência em prestar assistência às pessoas em todo o mundo, apesar dos obstáculos atuais. O que você teria a acrescentar?
Luwei Pearson: Nossa Diretora é realmente apaixonada pelo nosso mandato de servir a cada mulher e a cada criança no mundo, 24/7 (24 horas por dia, 7 dias da semana). Ela viajou muito ano passado, e hoje ela realmente transmitiu uma mensagem. Ela disse: “Eu estou trabalhando de casa em lugar de estar viajando para onde eu deveria estar”. Para o UNICEF, não se trata apenas da resposta a COVID-19. Existem crianças em guerra; crianças afetadas por doenças como o sarampo; crianças que estão malnutridas; que não estão imunizadas. Nós temos muito a fazer. Cada um de nós está olhando para o nosso plano de trabalho de 2020 e perguntando: O que a COVID-19 significa para nós? Porque temos muita assistência a prestar e nossos doadores e nossos parceiros esperam que nós consigamos. Então, estamos olhando o vazio enquanto priorizamos a resposta a COVID-19. Nós estamos também conscientes de todas as nossas responsabilidades na área da educação, da saúde, da nutrição e da proteção infantil e em muitas outras áreas para as quais temos um programa.
UN News: Mais alguma coisa a acrescentar antes que encerremos?
Luwei Pearson: Muito obrigada. O UNICEF está pronto para trabalhar com as agências das Nações Unidas, com doadores, parceiros e com cada indivíduo para tornar o mundo um lugar mais seguro e melhor para cada criança.
Fonte
O post “UNICEF: Ainda é cedo para avaliar o impacto da COVID-19 em mulheres e crianças” foi publicado em 20th March 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ONU Brasil