A situação das barragens de mineração no Brasil segue preocupando mesmo quase 10 anos depois do rompimento de Mariana e mais de seis anos após Brumadinho.
Embora novas leis e normas tenham sido aprovadas no período, aumentando o nível de exigência e melhorando os direitos de populações atingidas, o estado geral das barragens gera dúvidas sobre a segurança das estruturas, a fiscalização é falha e diversos outros episódios ocorridos em Minas Gerais, que resultaram na expulsão de milhares de pessoas de suas casas , exigem um acompanhamento atento.
Em maio de 2025, das 911 barragens que constam no Sistema de Gestão de Segurança de Barragem de Mineração Público (SIGBM) da Agência Nacional de Mineração (ANM), 103 estão em Nível de Alerta (NA) ou de Emergência (NE) acionados. Deste total, são 22 em NA e 81 em NE, com aumento considerável sobre os dados disponíveis ainda em janeiro deste ano.
Os dados fazem parte dos dois últimos boletins elaborados pelo Observatório de Barragens de Mineração (OBaM) e o Grupo de Pesquisa e Extensão Educação Mineração e Território (EduMiTe) . Os pesquisadores têm acompanhado a variação em alta na maioria destes níveis de alerta e de emergência, não só em 2025, mas também em 2024.
Segundo Daniela Campolina, uma das coordenadoras do OBaM/EduMiTe, esse aumento poderia ser atribuído a uma maior fiscalização depois dos rompimentos de barragens, mas isso seria questionável porque o número de fiscalização, pelo menos da ANN, não é elevado.

“Isso repercute também em falhas na própria ANM devido a precarização e poucos funcionários com uma área enorme para fiscalização. Chama atenção o número de barragens em nível de emergência especialmente em Minas Gerais”, alerta Campolina.
Segundo a Resolução ANM nº 95/2022, a situação de alerta ocorre “quando é detectada uma anomalia ou qualquer outra situação com potencial comprometimento de segurança da estrutura, que não implique em risco imediato à segurança, mas que deve ser controlada e monitorada”.
Já a situação de nível de emergência é acionada quando há riscos imediatos à segurança. Nível de Emergência é a convenção utilizada pela ANM para “graduar as situações de emergência em potencial que possam comprometer a segurança da barragem”.
São três os níveis de emergência, sendo o Nível 3 (NE3) o mais grave, quando “a ruptura é inevitável ou está ocorrendo”. O Nível 2 (NE2) é acionado quando o resultado das ações adotadas na anomalia identificada é classificado como “não controlado” pela legislação.
O Nível 1 (NE1) é acionado quando são identificadas anomalias ou qualquer outra situação com potencial comprometimento de segurança da estrutura que foram classificadas como controladas, desde que uma série de ações no intuito de controlar esses riscos sejam realizadas pela mineradora.

Duas barragens ainda registram chance elevada de ruptura
No Brasil, segundo os dados do boletim, dentre as 77 barragens em Nível de Emergência acionado, 2 estão em NE3, o mais grave de todos, quando a chance de ruptura é elevada. São as barragens Serra Azul, da ArcelorMittal em Itatiaiuçu (MG) e Forquilha III, da Vale, em Ouro Preto (MG).
A ArcelorMittal acionou em fevereiro de 2019 um plano de emergência para a barragem que, segundo informações da empresa , está desativada desde 2012 e passa por processo de descaracterização, com o rejeito sendo retirado do seu interior. Como ocorreu em outras cidades, um muro de contenção está sendo construído para prevenir eventual rompimento.
Um acordo de quase meio bilhão de reais em reparação para as pessoas que foram expulsas de suas casas em 2019 acaba de ser assinado entre a ArcelorMittal e o Ministério Público de Minas Gerais.
Já a barragem Forquilha III em Ouro Preto é parte do Programa de Descaracterização de Barragens a Montante da Vale e teve protocolo de emergência em nível 3 ativado em 2019. “Desde 2021, a Vale mantém uma Estrutura de Contenção a Jusante da barragem, capaz de conter seus rejeitos. A Zona de Autossalvamento da estrutura permanece evacuada, sem a presença de comunidades. A Companhia continuará empreendendo todos os esforços visando a redução do nível de emergência da estrutura, até que sua descaracterização seja finalizada. A Vale prioriza a segurança de seus empregados e comunidades com atuação transparente”, afirma a mineradora .
De acordo com o MPMG , a previsão de descaracterização total da barragem é apenas para 2035 e, no momento, 23% do processo foi concluído.
“Quando se aciona um nível de emergência significa que há alguma falha estrutural que foi identificada nessa barragem, que pode ser uma trinca, um recalque. Então isso demanda uma atenção maior da mineradora, mas também dos órgãos de fiscalização e da sociedade, porque essa barragem está acima, provavelmente, de cidades, de outros empreendimentos, de áreas de conservação, de rios. Todo o caminho da lama é o caminho de um rio”, avalia Daniela Campolina.
A pesquisadora relembra que no rompimento de Mariana, em 2015, a lama da barragem de Fundão percorreu 600 quilômetros. E, no caso do rompimento de 2019, em Brumadinho, a lama percorreu mais de 300 quilômetros do Rio Paraopeba.
“Qualquer nível de alerta que seja demanda uma atenção da população, do poder público e dos comitês de bacia, que são órgãos envolvidos nessa gestão das águas, e também dos municípios por onde essa lama passaria”, diz.
“E aí tem um impasse. Será que todos os municípios estão sabendo do risco que correm? Será que os municípios onde essa lama passaria, no caso de um rompimento ou de um vazamento, eles estão cientes dessas barragens que estão em nível de alerta e emergência?”, questiona a pesquisadora.
Para pesquisadores, a fiscalização é deficiente, sem transparência e não contempla casos mais graves
Com relação à fiscalização, um dos problemas, segundo Daniela Campolina, é que não é obrigatório, quando uma barragem muda de status para emergência, que ocorra uma fiscalização.
Nos casos dos rompimentos da barragem de B1 do Paraopeba – Brumadinho – e de Fundão, em Mariana, a mineradora declarou para a ANM que essas barragens não estavam em nível de emergência.
“Infelizmente no sistema brasileiro o registro de informações funciona a partir do que a mineradora declara”, lamenta. “Ou seja, se a mineradora não declara, não coloca no sistema que existem falhas nessa barragem, nem a agência nacional vai ficar sabendo”, completa.
O número de vistorias realizadas pela ANM é publicado em relatórios mensais que indicam as vistorias realizadas no mês anterior. Segundo o relatório da ANM, no ano de 2025 foram realizadas 29 vistorias em barragens de mineração no Brasil entre os meses de janeiro a março.

Na conclusão dos pesquisadores, trata-se de um número reduzido de vistorias considerando que o país possui o total de 911 barragens, sendo que entre estas, 103 estão em NA/NE acionados.
“Outro fato preocupante é que os meses de janeiro a março estão entre os com maior pluviosidade em parte do Brasil, especialmente MG, onde se localiza o maior número de barragens no país – o que deveria demandar um maior número de vistorias”, destaca o boletim.
Outro ponto relevante, segundo os pesquisadores, é que das 29 vistorias realizadas pela ANM em 2025, estão apenas 5 dentre os 16 estados brasileiros com barragens e foram distribuídas da seguinte forma: 14 em Minas Gerais; 8 no Mato Grosso; 8 no Pará; 3 na Bahia; e 3 em Goiás.
Estados como São Paulo, que está em 5º lugar no ranking de estados com maior número de barragens e no 3º lugar em maior número de barragens em NA/NE acionados, não foram contemplados. O relatório mensal da ANM, diz o boletim, não indica quais foram as barragens vistoriadas, o motivo e nem o resultado das vistorias, o que “intensifica a lacuna de desinformação quanto à situação das barragens de mineração no país”.
“A ANM não divulga dados sobre quais estruturas foram vistoriadas, o porquê e nem o resultado das vistorias. De qualquer forma o número está muito aquém do universo grave de risco que as barragens apresentam. Há casos em que essas barragens estão sequenciais – como na Mina Fábrica da Vale em Ouro Preto. Portanto, se uma estrutura colapsar pode levar a uma reação em cadeia colapsando outras estruturas a jusante ou alguns metros ao lado acima da captação de água do Rio das Velhas, ameaçando o abastecimento de água de 2,5 milhões de pessoas”, afirma a pesquisadora.
Em relação às bacias hidrográficas mais ameaçadas, há uma concentração no Alto São Francisco (sub-bacias do Rio das Velhas e Rio Paraopeba) e na bacia do Rio Doce em Minas Gerais, conforme mapa.

Ranking dos municípios destaca perigos em Minas Gerais
O levantamento também reúne desde março deste ano o ranking de municípios no Brasil com maior número de barragens, especialmente em Minas Gerais e no Quadrilátero Ferrífero-Aquífero (QFA) do mesmo estado, pois é o local do país com maior concentração total de barragens em Nível de Alerta e Emergência.
O ranking mostra que entre os municípios mineiros com maior número de barragens estão Mariana e Brumadinho, cidades onde já aconteceram rompimentos.
Dentre os 853 municípios de Minas Gerais, 60 possuem barragens de mineração, distribuídos em 6 bacias hidrográficas: São Francisco, Rio Doce, Rio Parnaíba, Parnaíba do Sul, Jequitinhonha e Rio Grande. Dentre estes 60 municípios, 26 localizam-se no QFA.
A partir de dados de 16 de abril da ANM, o EduMiTe elaborou um ranking dos 10 municípios no Brasil e em MG com o maior número total de barragens, conforme gráficos abaixo.


Dentre as 911 barragens registradas no país em abril de 2025, 331 se localizam em Minas Gerais, ou seja, 36,33% do total nacional. Quanto às barragens em NA ou NE acionados, MG também se destaca, pois conta com 37 das 103 barragens em NA ou NE no Brasil, registradas na ANM em abril de 2025.
No estado estão 35,92% das barragens do país em NA ou NE acionados. “Importante destacar que todas as 2 barragens em NE3, ou seja, nível máximo de emergência, encontram-se em MG, assim como 4 das 6 barragens em NE2”, afirma o boletim.
O volume total das barragens em NE acionados em MG é de 463 milhões de metros cúbicos, sendo que 24,5 milhões de metros cúbicos correspondem ao total de barragens em NE3, o risco mais elevado.
“Na ausência de ações eficazes de segurança e monitoramento das barragens, especialmente as em NA e NE acionados, poderão ocorrer rompimentos e vazamentos, afetando um número considerável de bacias hidrográficas e, consequentemente, de ecossistemas, pessoas e territórios, causando danos em serviços ecossistêmicos e cadeias de valor, além de impactar negativamente a segurança hídrica e alimentar, assim como os modos de vida nos territórios. Diante das mudanças climáticas e eventos extremos, a atenção quanto a barragens, especialmente em NA e NE acionados e com DPA alto e médio, deve ser intensificada”, alerta o boletim.
ANM defende procedimentos de fiscalização e atuação da agência
Ao entrarmos em contato com a ANM para verificar as questões levantadas pelos pesquisadores no boletim do Edumite, recebemos a extensa resposta abaixo, que publicamos na íntegra:
“A ANM possui procedimentos definidos para fiscalização em barragens que entram em nível de emergência, conforme estabelecido no seu Manual de Fiscalização. Essas vistorias são realizadas em caráter excepcional, fora do planejamento anual ordinário, com foco em aspectos prioritários como: a verificação do fato motivador da emergência, a adequação do nível de emergência atribuído, a atuação do coordenador do PAEBM, o funcionamento do sistema de alerta, e a articulação com a Defesa Civil, entre outros pontos técnicos relevantes.
Adicionalmente, é importante destacar que a atividade de fiscalização na ANM não se limita às vistorias em campo. Segundo o Regimento Interno da ANM (Resolução ANM nº 181/2024), a fiscalização é uma atividade contínua, que inclui o monitoramento remoto por meio do SIGBM e o acompanhamento processual individualizado das estruturas. Portanto, o número de vistorias in loco divulgadas nos relatórios da ANM não reflete a totalidade da atuação fiscalizatória da Agência.
Vale ressaltar, que o planejamento anual das vistorias in loco é elaborado de forma técnica, com base em uma metodologia estruturada por análise multicritério (AHP), que gera um ranking de prioridade por risco, e é pactuado no início de cada ano. As metas de fiscalização têm sido historicamente cumpridas e, inclusive, superadas, demonstrando o compromisso da ANM com a segurança das barragens.
Quando comparada a outros países, a atuação da ANM se destaca: a maioria dos outros países mineradores considera nas estatísticas as inspeções realizadas pelos próprios operadores, enquanto no Brasil esse número — superior a 11 mil inspeções por ano (473 barragens na PNSB, obrigadas a enviar informações das inspeções regulares quinzenais realizadas: 473x2x12 =11.352 inspeções) — é complementar à atuação da ANM. Além disso, a Resolução ANM nº 95/2022 exige que os empreendedores realizem duas avaliações de estabilidade, na Revisão de Inspeção de Segurança Regular (RISR) por ano e uma Revisão Periódica de Segurança de Barragem (RPSB) a cada 3, 5 ou 7 anos, dependendo do Dano Potencial Associado (DPA). Somente com as inspeções regulares, são gerados mais de 900 relatórios técnicos por ano.
Por fim, cabe destacar que a ANM conta com um Dashboard dinâmico de acompanhamento do Nível de Emergência, desenvolvido em ArcGIS, que permite o monitoramento em tempo real das alterações de status nas estruturas, gerando comunicações imediatas com os empreendedores sempre que há alterações no nível de emergência das estruturas. Esse sistema reforça a capacidade reativa e preventiva da Agência.
Dessa forma, os resultados positivos observados nos últimos anos, com a ausência de acidentes envolvendo barragens, demonstram que a estratégia atual de fiscalização tem sido eficaz, e não há, neste momento, necessidade de ampliação das ações, mas sim de manutenção da qualidade técnica das fiscalizações, que combinam análise documental criteriosa, sessões técnicas e vistorias presenciais em campo, sempre que necessário.
As informações coletadas durante as vistorias realizadas pela ANM são consolidadas em relatórios técnicos, que muitas vezes contêm dados sensíveis, informações estratégicas e elementos protegidos por sigilo industrial. Por esse motivo, a divulgação integral desses documentos está sujeita às restrições da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011).
Com o objetivo de equilibrar o direito à informação com a proteção de dados estratégicos, a ANM disponibiliza no Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração (SIGBM) todas as informações públicas e legalmente divulgáveis sobre as barragens de mineração. O SIGBM foi concebido especificamente para reunir os principais dados necessários à gestão da segurança das estruturas, sendo atualizado continuamente com base em relatórios e declarações dos empreendedores, bem como nos resultados das fiscalizações da Agência.
Vale destacar que, em comparação com outros 10 bancos de dados públicos sobre barragens de rejeitos mantidos em 36 países mineradores, o SIGBM foi avaliado como o sistema com a maior quantidade de informações disponíveis publicamente, segundo o artigo “Public databases of tailings storage facilities fall short of full risk disclosure”. Isso demonstra o compromisso da ANM com a transparência e a inovação, mantendo um dos sistemas mais avançados do mundo em termos de acesso público a dados de segurança de barragens.
Além disso, a ANM disponibiliza à sociedade um Dashboard Público, totalmente integrado ao SIGBM, que oferece visualizações georreferenciadas e em tempo real de todas as barragens de mineração sob sua fiscalização.
Essa plataforma inovadora permite ao usuário localizar facilmente as barragens em um mapa interativo e acessar mapas de inundação, ilustrando as zonas potencialmente afetadas em caso de rompimento. Essa ferramenta contribui diretamente para a conscientização e preparação de municípios e cidadãos localizados na Zona de Autossalvamento (ZAS).
A ANM permanece aberta a discussões sobre aperfeiçoamento da transparência, mas entende que o modelo atual já garante amplo acesso à sociedade às informações essenciais, respeitando os limites legais vigentes e as melhores práticas internacionais. O foco é assegurar a segurança das comunidades com base em dados confiáveis, auditáveis e devidamente contextualizados, sem expor informações que possam gerar interpretações equivocadas ou riscos adicionais.
Entre 2022 e 2025, a Agência Nacional de Mineração (ANM) aplicou mais de 500 multas relacionadas à segurança de barragens de mineração. É importante destacar que o processo de aplicação de multas segue uma série de etapas legais e garantias processuais, o que significa que algumas penalidades podem ser revistas ou anuladas ao longo do trâmite administrativo, conforme previsto na legislação brasileira.
Além das sanções pecuniárias, a ANM também impôs outras medidas coercitivas, como interdições e embargos de estruturas que apresentaram risco à segurança. Entre 2022 e 2025, foram aplicados 245 embargos ou interdições em barragens de mineração por meio de autos lavrados pelas equipes de fiscalização, com base em irregularidades técnicas, ausência de documentação obrigatória ou anomalias estruturais.
É importante observar que uma mesma barragem pode ter recebido mais de um auto de interdição ou embargo durante o período. Isso porque cada auto corresponde a uma condicionante específica que precisa ser atendida para que a estrutura possa retomar a operação. Assim, o número de autos não reflete o número de estruturas embargadas, mas sim o nível de rigor adotado pela ANM na exigência do cumprimento das medidas de segurança”.
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O post “Uma década depois de Mariana, barragens de rejeitos de mineração no Brasil seguem em risco e fiscalização preocupa” foi publicado em 04/06/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração