Não tive tempo de falar sobre o absurdo que foi a conclusão do inquérito referente ao assassinato de Marcelo Arruda na sua festa de aniversário em Foz do Iguaçu, Paraná.
Como todos sabem, no final da noite do sábado retrasado, dia 9 de julho, o agente penal e apoiador ferrenho de Bolsonaro Jorge Guaranho invadiu a festa temática (com homenagens a Lula e ao PT) de Marcelo, guarda municipal e tesoureiro do PT na cidade, que celebrava seus 50 anos de vida com a família e amigos. Na primeira vez que Guaranho apareceu, ele estava de carro com a esposa e o filho bebê. Com música alta de propaganda bolsonarista, gritou provocações. Marcelo saiu e jogou terra no carro. Guaranho mostrou sua arma e prometeu voltar para matar todo mundo.
Quando Guaranho voltou, sozinho, menos de vinte minutos depois, Marcelo tinha pegado a arma dele no carro. Pâmela, esposa de Marcelo e também policial, mostrou seu distintivo. Guaranho atirou duas vezes em Marcelo. Chegou perto para executá-lo, mas Pâmela, heroicamente, desarmada, conseguiu desequilibrá-lo. Marcelo pôde atirar em autodefesa em Guaranho e salvar a vida de muitos na festa, já que o bolsonarista ainda tinha onze balas na arma.
Marcelo morreu no hospital. A polícia do Paraná vergonhosamente noticiou que Guaranho também havia morrido. Só desmentiu muitas horas depois. Em seguida vimos que a delegada responsável pela investigação era outra bolsonarista de carteirinha. Após várias reclamações, ela foi trocada.
E na sexta-feira veio mais um escândalo da polícia, um festival de cinismo. Demorou apenas cinco dias para a polícia civil concluir o inquérito, sem analisar o que estava no celular do bolsonarista ou seu envolvimento com outras pessoas. E a conclusão foi patética: a delegada Camila Cecconello não encontrou evidências de que foi um crime de ódio.
“Não há provas de que [Guaranho] voltou para cometer crime político”, disse ela na coletiva. “É difícil falar que ele matou pelo fato de a vítima ser petista. Ele voltou porque se mostrou ofendido pelo acirramento da discussão”.
Quer dizer, não teve nada a ver a vítima ser petista e o assassino, bolsonarista. Se fosse uma festa temática do Mickey ou da Galinha Pintadinha, o resultado teria sido o mesmo. É a versão oficial dos bolsonaristas sobre o caso, reforçada pelo vice-milico Mourão e pelo excrementíssimo da república, o próprio capetão. Foi uma briguinha como outra qualquer, de dois caras que beberam demais e se desentenderam e atiraram um no outro (armas de fogo à disposição nem foram mencionadas pelos dois armamentistas).
Essa narrativa combina com a linha de defesa de Guaranho. Como uma de suas advogadas adiantou: “A motivação dele efetivamente foi retornar em razão da primeira e injusta agressão que feriu a honra dele”. Olha que honra minúscula tem um bolsonarista — um desconhecido jogar terra no seu carro porque você foi provocá-lo (e ameaçá-lo com uma arma) é uma agressão que fere tanto a honra que o sujeito precisa voltar pra matar.
A delegada também disse que não foi crime político porque Guaranho não privou Marcelo de seus direitos políticos. Não, né? Ele só matou Marcelo. É uma palhaçada. Mais do que isso: é uma licença livre para matar petistas.
Uma vigia que estava no local, uma entre tantas testemunhas, confirmou ter ouvido Guaranho gritar “Aqui é Bolsonaro, p*rra!” Dois minutos depois, ele começou a atirar. Tomara que esta vigia se cuide. Ontem, numa reportagem do Fantástico , ela aparecia com a cara borrada. Mas seu vídeo circulou nas redes sociais sem o cuidado de ocultar sua identidade.
(Aliás, a única novidade revelada pela reportagem foi um dos irmãos bolsonaristas de Marcelo afirmar que um dos caras que chutou a cabeça de Guaranho depois d’ele ter sido atingido também era bolsonarista).
E hoje ficamos sabendo de outra notícia assustadora : o vigilante Claudinei Coco Esquarcini, responsável pelas senhas das câmeras de segurança na Aresf (onde ocorria a festa de Marcelo), se jogou de um viaduto ontem no Paraná. Provavelmente foi ele quem mostrou as imagens do aniversário a seu amigo Guaranho. Dizem que ele estava se sentindo culpado. Mas nos trending topics do Twitter os internautas mostraram o seu descrédito através da tag “Suicidaram”.
Ontem houve atos em Porto Alegre, em São Paulo e em Foz do Iguaçu em homenagem a Marcelo. Nunca esteve tão claro quem é a favor da paz, e quem é a favor do ódio.
O post “UM INQUÉRITO TÃO POLÍTICO QUANTO O CRIME DE ÓDIO” foi publicado em 26th julho 2022 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva