Foi a ativista Valarie Kaur quem disse “através da escuridão dançamos… e a felicidade tornou-se nossa resistência moral”. A frase, embora se refira a um momento complicado vivido por minorias nos EUA, logo após a eleição do então presidente Trump, exemplifica o que algumas centenas de unidades de conservação (UCs) viveram no último final de semana, na IV edição do Um Dia No Parque, evento realizado pela Coalizão Pro UCs, em parceria com unidades de conservação, ONGs, coletivos e empresas de todo o Brasil.
Estamos atravessando um dos períodos mais escuros da história ambiental. História essa que nunca foi fácil, é verdade. Vivemos num país que, infelizmente, ainda está a anos luz de valorizar seu (riquíssimo) patrimônio natural e continuamos repetindo a história já contada por Warren Dean, em A Ferro e Fogo. No livro, Dean retrata a trajetória da destruição da Mata Atlântica, queimada e massacrada, sem sequer ter seus recursos aproveitados, em nome dos diversos ciclos de desenvolvimento do nosso país. Ao ler o livro, o leitor provavelmente ficará chocado em como literalmente torramos a flora da Mata Atlântica, depenamos suas aves e comemos seus mamíferos. Só que isso aconteceu entre os séculos XVI e XIX.
Saindo das páginas de Dean, atônitos, vemos o mesmo padrão se repetir no Cerrado durante a segunda metade do Século XX e nas últimas décadas na Amazônia. A diferença é que agora o poder do ferro e do fogo passou de facões, cordas e fogueiras, para motosserras, tratores e queimadas que podem ser vistas do espaço.
Tudo isso com a benção do Poder Executivo e o galope da boiada do Poder Legislativo.
No final, o que (ainda) sobra, são as Unidades de Conservação da Natureza. Claro… cada vez mais ameaçadas pelas “baciadas” de Projetos de Lei que visam diminuir, desafetar ou recategorizar essas áreas. A despeito da catástrofe anunciada, no entanto, as UCs resistem. No livro “Quanto Vale o Verde”, compilado por Cadu Young e Rodrigo Medeiros, é demonstrado claramente o quanto as UCs, embora recebendo cada vez menos aportes, têm dado cada vez mais retorno para a sociedade. Também é conhecido o estudo de Thiago Beraldo, que fala que para cada R$1,00 investido nas áreas, pelo menos R$7,00 retornam para a sociedade. A despeito de todo sucateamento infringido, mais do que nunca, cuidar das nossas unidades de conservação é um bom negócio.
Por outro lado, sobra desconhecimento por parte da maioria absoluta dos brasileiros, que ainda estão distantes do reconhecimento sobre a importância dessas áreas e do papel singular que elas representam na vida de cada um de nós, independente de viver em grandes centros ou na zona rural.
É nesse ambiente que nasceu a ação Um Dia No Parque, um movimento criado para convidar nossa população a conhecer cada vez mais nossas unidades de conservação e assim, em longo prazo, valorizá-las e defendê-las.
A ideia é simples: criar uma data no calendário para celebrar nossas UCs. O dia escolhido foi o terceiro domingo de julho, o mais próximo ao dia 18 deste mês, quando se comemora o aniversário da Lei 9985, que rege o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (o SNUC).
Sabemos que uma andorinha só não faz verão e um dia apenas não faz milagre, mas se trata de um dia em que de norte a sul do Brasil UCs abrem suas portas, pensam em formas de engajar suas comunidades de entorno, de se aproximar de suas comunidades e em que o tema das UCs é tratado amplamente na imprensa.
Frequentemente nos deparamos com historias belíssimas, como a da Dona Rosa, que aos 76 anos, para fugir da solidão após a viuvez, abriu um airbnb em São Roque de Minas e no Um Dia No Parque 2019, pela primeira vez foi conhecer aquele lugar em que os turistas que ficavam hospedados na sua casa vinham para visitar: o Parque Nacional da Serra da Canastra. Ou o momento eternizado pelo Ednaldo Nunes no Parque Nacional do Jaú que pela primeira vez visitou a UC e, inspirado pelo lugar, escreveu um poema para o Parque.
Crianças pela primeira vez visitam uma UC nesse dia; a realização de trilhas para a melhor idade, no Parque Nacional de Ubajara, no Ceará; de trilhas com cadeira-juliete para cadeirantes no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás; a oportunidade de ver o nascer do sol no Parque Estadual de Ibitipoca, em Minas Gerais, depoimentos emocionantes de vigias, motoristas e visitantes do Parque Estadual do Cocó, no Ceará; gratuidade para as UCs de São Paulo; o plantio de mudas e manejo de trilhas em UCs de todo o Brasil pela Rede Brasileira de Trilhas; a construção de espaços comuns (como banheiros!) em um parque em Minas Gerais; trilhas guiadas no Parque Nacional da Serra da Bodoquena, no Mato Grosso do Sul; o envolvimento e apoio dos comércios de Urubici em apoio a realização de atividades no Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina; ioga na praia em Noronha; observação de aves em RPPNs de São Paulo pelo AVISTAR; a participação de escoteiros, meditação e atividades espirituais; live com artistas, desafio nas redes sociais, concurso de fotografia e atividades culturais; projeção das UCs no Cristo Redentor, que fica dentro do Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro… Tudo isso e mais um pouco já aconteceu ao longo dos anos Um Dia No Parque. Sempre foi um desafio traduzir para o público pelo menos uma parte do que acontece em todo o evento, que é realmente emocionante e engaja todos os tipos de pessoas e de setores da sociedade.
A ação que teve início em 2018 com 63 UCs participantes, teve sua quarta edição no último domingo com cerca 350 UCs (e contando!). Em tempos de pandemia, o Um Dia No Parque, teve que se reinventar. Ações online, rodas de conversa pelo zoom, aula de alongamento pela internet, vídeos de quem trabalha nas UCs, trilhas digitais, lives pelas redes sociais, observação de aves pelo zoom… novamente as UCs e seus parceiros deram um show de criatividade, engajando milhares de pessoas.
Para esse ano, a grande novidade, no entanto, foi a plataforma umdianoparque.org.br , um espaço digital para incluir todas as UCs participantes e ações realizadas, além de informações sobre cada uma das áreas. Lançada durante o evento, a plataforma tem o objetivo de ser um grande portal de promoção da visitação de unidades de conservação. Iniciamos com cerca de 250 UCs cadastradas, mas queremos nos próximos anos ter as mais de 2.500 UCs do Brasil cadastradas – e, portanto, participando do Um Dia No Parque.
Para deixar tudo mais interessante e também como forma de valorizar quem se dedica às UCs, esse ano convidamos profissionais e parceiros a enviarem depoimentos sobre seu principal vínculo com a UC em que atuam. De gestores a barqueiros, de vigilantes a responsáveis pela limpeza, de pesquisadores a visitantes, a plataforma promove uma grande viagem às nossas unidades de conservação, contando boas histórias e levando o usuário a mergulhar no universo do Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Além disso, no melhor estilo “find your park”, o usuário poderá, a partir de agora e para o próximo ano, encontrar as UCs que participam da ação, o que irá acontecer em cada local e visitar galerias de fotos e vídeos dos que estão também sendo publicados nas redes sociais. Parece simples, mas na verdade até hoje uma plataforma como essa, com esse objetivo, nunca existiu e queremos com ela promover não apenas a ação, mas principalmente as UCs e a visitação.
Em longo prazo, o objetivo do Um Dia No Parque é ajudar a criar uma cultura de visitação nas nossas UCs. Nasceu inspirado na própria National Parks Week, estadunidense, e no Dia dos Parques Europeus, que celebra os parques no continente europeu. Sempre falo que o sucesso do Um Dia No Parque será quando não tivermos mais que promover o Um Dia No Parque. Que esteja tão arraigado na cabeça do brasileiro que o terceiro final de semana de julho é tempo de celebrar a nossa biodiversidade, que a data simplesmente aconteça independente da nossa presença. Talvez levemos ainda 10 ou 20 anos para isso… não importa. Importa o hoje, o semear o hoje para um futuro melhor. É disso que se trata o Um Dia No Parque, uma ideia simples e que já foi chamada de fora de contexto. Afinal, onde já se viu gastar tempo e energia promovendo uma ação alegrinha com tantos ataques, índices de desmatamento nas alturas e toda sorte de ameaças?
Bem… voltando a frase de Valarie Kaur, se tivéssemos começado a dançar no escuro há 20 anos, quem sabe hoje a música seria outra?
Assista a live realizada pela Rede Brasileira de Trilhas em parceria com ((o))eco sobre o Um Dia no Parque:
*Angela Kuczach é bióloga, diretora da Rede Pro UC, Conselheira da Liga das Mulheres pelo Oceano e idealizadora do Um Dia No Parque. O Um Dia No Parque é uma ação realizada pela Coalizão Pro UC, um coletivo de organizações que desde 2014 atua em defesa e pelo fortalecimento das UCs do país, #UnidosCuidamos
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O post “Um Dia No Parque 2021: a felicidade como um ato de resistência” foi publicado em 22nd July 2021 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco