Nesse 8 de março, o ITTC gostaria de reforçar a importância da luta pela garantia de direitos de todas as mulheres, com enfoque nos desafios enfrentados pelas mulheres migrantes em conflito com a lei. A história Um dia de (quase) todas as mulheres ilustra o relato de Lena*, mulher migrante atendida pelo ITTC atravessada pelo cárcere durante a pandemia.
Originalmente publicado no Museu da Imigração , o texto foi escrito por Heloísa Freitas, integrante do Projeto Mulheres Migrantes do ITTC. No ITTC, nossa missão é promover o acesso à justiça, garantir os direitos das pessoas presas e produzir conhecimento através de atendimentos diretos, diálogos públicos e educação para a cidadania. O Projeto Mulheres Migrantes, que acumula uma experiência de cerca de 20 anos no atendimento direto e acompanhamento integral de mulheres não-brasileiras presas e egressas na cidade de São Paulo.
Confira o texto que serviu de base para a história Um dia de (quase) todas as mulheres:
Mobilidade Humana e Coronavírus: “A gente já pagou pelo nosso crime. Então, dá-nos condições de vida ali fora para não cometermos o mesmo crime, entendeu?”
A escrita é um processo criativo, portanto passa por diversas transformações antes de chegar no seu formato final. Este texto, por exemplo, nasceu artigo acadêmico, cresceu entrevista e, por fim, se consolidou como uma sincera conversa entre mulheres a fim de tornar pública parte dos desafios que enfrentam as mulheres não-brasileiras com antecedentes penais em São Paulo, a partir da narração da experiência de vida de uma delas.
Ao conhecer, retratar a realidade migrante e refletir sobre ela, tenho como inspiração o sociólogo argelino Abdelmalek Sayad que, ao longo de sua obra “A imigração, ou os paradoxos da alteridade”[1], se mostra um escrivão público no esforço de encontrar palavras para contar uma experiência sem jamais instituir-se como único porta-voz. Para tal missão, o autor indica que é necessário que o sociólogo esteja presente, escute, anote, grave e transcreva sempre com discrição e dignidade. É essa postura que assumo nesta construção para (re)contar a história de uma mulher migrante em conflito com a lei no Brasil antes e durante a pandemia do novo Coronavírus.
Abordar temas tão delicados requer muito cuidado, preparo e sensibilidade, pois, ao longo dessa conversa, rememoramos dores profundas, situações de violência e de violações de direitos humanos, além de detalhes da vida íntima e familiar da pessoa. Portanto, não foi por acaso que ela se sentiu à vontade para dialogar sobre assuntos tão complexos. Nós já estávamos no processo de criação de uma relação de respeito e confiança desde que ela progrediu para o cumprimento de pena em regime aberto e retomou o contato com o Projeto Mulheres Migrantes do ITTC. Esses foram fatores fundamentais para que ela seja mais do que uma simples informante e ocupe o lugar de participante ativa na construção deste relato de parte de sua própria história.
O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC é uma organização de Direitos Humanos fundada em 1997 cuja missão é promover o acesso à justiça, garantir os direitos das pessoas presas e produzir conhecimento através de atendimentos diretos, diálogos públicos e educação para a cidadania. Uma das principais frentes de atuação do instituto é o Projeto Mulheres Migrantes, que acumula uma experiência de cerca de 20 anos no atendimento direto e acompanhamento integral de mulheres não-brasileiras presas e egressas na cidade de São Paulo.
A protagonista deste relato é Lena*, uma caboverdiana de 52 anos que sempre foi vendedora ambulante e principal responsável por seu lar. Ao longo de sua vida, aprendeu algumas línguas, como crioulo e português (línguas oficiais de Cabo Verde), bem como francês e inglês. Estas duas últimas teve contato em sua trajetória profissional, transitando em alguns países vizinhos, como Senegal, em busca de mercadorias e clientes. Portanto, quando chegou ao Brasil, a mobilidade não era uma novidade, pois já vivenciava o movimento de migração dentro do seu próprio continente.
A protagonista deste relato nasceu, cresceu, casou e criou sua família na mesma cidade. No momento em que o divórcio se apresentou como única alternativa para uma vida plenamente digna, os problemas financeiros se aprofundaram e se sentiu insuficiente e vulnerável. Na época da separação, Lena era uma mulher de 44 anos, mãe de seis filhos e avó de alguns netos, todos vivendo sob o mesmo teto. Como pilar dessa família, precisava buscar alternativas para sobreviver e manter a vida dos seus.
Eu tava precisando porque eu tinha uma coisa de divórcio. Quando você divorcia com o marido, você fica vulnerável, sem nada, né? Então, tudo desanda, você fica caída, insuficiente e sem nada. Ah, a gente separou e separação nunca é uma coisa fácil, né? Tem muito estresse, muito gasto, muita gente sofre, os filhos sofrem, você sofre.
Muitas vezes, os empréstimos se apresentam como uma saída para tais emergências. Porém, existem pessoas que se aproveitam desses momentos de vulnerabilidade para oferecer ajuda sem revelar a moeda de troca. Mas a cobrança sempre chega. No desespero em manter sua família viva, Lena aceitou um suposto auxílio sem medir quais seriam as possíveis consequências. Mais tarde, aqueles que, de início, se mostraram caridosos cobraram seu preço e Lena se viu obrigada a aceitar vir para o Brasil buscar uma mercadoria desconhecida.
Na primeira vez, eles me ajudaram e me deram um auxílio para comprar coisas para os meus filhos, para comprar coisas para casa. Depois de tantos anos que me deram, depois que passou um tempo, eles queriam me cobrar e fizeram essa proposta. (…) Primeiro, eles dá (sic) para você um tipo de uma ajuda, né? Tá ajudando sem nada, sem interesse, sem nada. Depois eles chegam de mansinho e falam “Olha, eu tenho isso, você vai e ganha muito dinheiro, não tem problema porque já tem pessoas lá que vai (sic) te ajudar no caminho”. E você aceita porque você sabe que mãe faz qualquer coisa pelos filhos.
Apesar de ser habituada com viagens internacionais, a vinda para o Brasil foi diferente uma vez que Lena não teve autonomia alguma no lugar de destino. Ao chegar em São Paulo, seus aliciadores a levaram para uma casa onde mantiveram-na em cárcere por alguns dias.
Não, eu não sei se era hotel, mas eles colocam você em um lugar. Você não vê ninguém, nem eles mesmos você vê. Você vê só na hora de viajar. (…) Uma pessoa vai encontrar com você e eles levam você. Você encontra tudo, coisas lá de comer que dá (sic) para, pelo menos, dois ou três dias. Pronto, você não vê ninguém mais, só na hora de ir embora que foi um carro com a mala. Eles mandam a mala com um condutor (táxi) para você ir diretamente para o aeroporto, você não vê nem eles não.
No dia em que deveria deixar o Brasil, tais pessoas enviaram um motorista para levá-la ao aeroporto com uma mala lacrada. Ao chegar no espaço de check-in, aparentemente, a Polícia Federal já estava à sua espera: assim que entregou o passaporte para a atendente, Lena foi interceptada e levada para o interrogatório em uma sala à parte. Diante da prontidão da PF ao avistá-la, acredita que foi premeditadamente denunciada.
Sua trajetória é abruptamente desviada a partir dessa abordagem. Em março de 2015, sem muitas explicações, Lena foi presa em flagrante por tráfico internacional de drogas pela Polícia Federal dentro do Aeroporto Internacional de Guarulhos. Depois de passar quatro dias sob a tutela da PF, foi transferida para uma penitenciária feminina na cidade de São Paulo.
Ah, eu reagi normal porque eu já tava presa mesmo, não tenho filho, não tenho parentes, não tinha advogado, não tinha nada. Fazer o quê? Eu fazia o que eles falaram para mim. (…) Quando eu cheguei tava a Defensoria Pública lá, mas a Defensoria Pública nem falou comigo, não é nada, só falou “Oi, seu nome é Lena?” e eu falei “Sim”. Ele me acompanhou, entrou na sala, não falou nada também e pronto.
Lena relata que, ao chegar na penitenciária, foi encaminhada para o pavilhão das brasileiras onde constantemente ocorriam brigas, rondas policiais, abordagens violentas ou “giros”, como se refere às revistas em que policiais entravam brutalmente na cela com cães farejadores em busca de drogas, armas ou qualquer item proibido. Lembra que havia seis mulheres dividindo o espaço apertado da cela, que não dispunha de camas para todas. O tempo de Lena no pavilhão das brasileiras foi breve graças ao apoio que teve de suas conterrâneas que, ao saberem que uma companheira caboverdiana estava assustada e isolada entre as brasileiras, solicitaram sua transferência para o pavilhão das estrangeiras. Lena denunciou também as péssimas condições da penitenciária e o absurdo de ter esperado seis meses, a partir do momento da sua prisão, para ser ouvida por um juiz.
Tendo em mente que o cárcere é um ambiente inóspito e violador de direitos, é possível identificar múltiplas vulnerabilidades que atravessam a vida das mulheres presas, como a solidão, a falta dos filhos e da família, a alimentação de baixo valor nutricional, os problemas de saúde preexistentes ao cárcere ou não, a violência e o racismo institucional. Estes são fatores que atingem as mulheres de modo interseccional, pois todas essas opressões se ligam ao fato de que são mulheres, migrantes, muitas vezes, mães e o principal pilar de sustentação de suas famílias e, nesse momento de cárcere, encontram-se privadas da liberdade e em conflito com a lei em um país “desconhecido”.
Eu deitava no chão, com um colchão no chão. (…) Tinha comida, alimento. Ah, se a comida na sua casa não tá boa, imagina na cadeia. Assim, a comida era ruim, mas eu ia fazer o que? Nos primeiros dias, eu nem comi porque estava assustada com tudo, não comi. Lá eles jogam pão e comida no lixo. Se você pede um pão, você vai pro castigo. Eles mandam você para o castigo se você pede. (…) Lá a gente passa, passa, passa muita, muita, muita fome. Depois lá é muito sujo. É muito, muito sujo. Tem muito bicho, tem rato, tem barata e tem percevejo que não deixa ninguém dormir. Você fica acordada a noite toda, noites e noites por causa dos bichos te picando. Então, lá quando chove você tem que, comida, toda água suja cai na comida, toda a água da chuva, muita, muita, muita, muita, muita. E lá não tem medicamento, os guardas não dão, todos agressivos, não dá nenhum entendimento. (…) Tem um outro funcionário que é violento, bate. Eles agridem, eles agridem, já bateram em muita presa lá. (…) Eu não fui agredida, graças a Deus, porque eu não, eu ficava na minha, eu não dava nem “bom dia” nem “boa tarde”, eu falo somente o que é necessário. (…) A diretora de lá é pior ainda, ela chama as pessoas de bicho. (…) de bicho e de macaco. Ela é racista e preconceituosa. (…) Aham, só a gente que é estrangeira, que a gente é bicho, que a gente é macaco, aham. E se você para ela para dar uma informação, por exemplo, pedir uma ajuda de medicamento, ela nem para nem dois minutos para falar com você. Ela dá as costas e vai embora. Você fica lá parada sozinha feito parva. (…) Tinha assistente social, mas a assistente social lá não chama não. Eles falam que elas chamam só as brasileiras. (…) A prisão é um inferno, é só Deus na causa. Na prisão, se você não é pegado em Deus, você não sobrevive, não. (…) Depois que lá não tem advogado. O advogado não chama você para ver o seu processo. Nada, nada, nada, nenhum entendimento, nada!
Quando a OMS decretou o estado de pandemia do novo Coronavírus, Lena estava cumprindo pena em regime semiaberto em um centro de progressão penitenciária feminino da cidade de São Paulo. Ela diz que a notícia foi um susto, pois o anúncio foi feito um dia antes dela e de algumas companheiras conseguirem a “saidinha”, um direito de saída temporária que presas – em situações específicas – conquistam ao cumprirem pena em regime semiaberto.
Ao comentar sobre o acesso aos produtos de higiene, Lena revela que não havia álcool em gel e nenhum outro equipamento de higiene, limpeza ou proteção individual além de sabonete, papel higiênico e creme dental disponibilizados mensalmente pela penitenciária em um kit.
Não tinha álcool em gel, sabonete eles davam, depois mesmo é que dois sabonetes que deram no kit, mais nada. Vinham dois sabonetes que não prestam, não ensaboa e fede (sic) para caramba, quatro papéis higiênicos que também não presta (sic) e uma pasta, só. Não tinha escova de dentes.
Caso a mulher queira ter acesso a escova de dentes, absorvente ou qualquer outro produto de higiene pessoal não disponibilizado pela penitenciária, é necessário comprar da própria instituição ou recorrer à família e aos amigos, o que é um problema para as migrantes, que dificilmente possuem uma rede de apoio no Brasil. É importante enfatizar que a condição de migrantes internacionais aprofunda as violências, opressões e dificuldades que essas mulheres enfrentam para sobreviver aqui. Um bom exemplo dessa diferença em relação às presas brasileiras é a ausência ou escassez das visitas e dos jumbos, que são os kits de suprimentos levados pela família ou amigos para a pessoa presa com o objetivo de suprir a falta do fornecimento de itens básicos de higiene e de alimentação pelo estado.
Nesse sentido, o trabalho durante o cumprimento de pena acaba sendo indispensável para que essas mulheres tenham acesso a produtos básicos para sua sobrevivência dentro do cárcere, pois, nas palavras de Lena, “quem trabalha é que compra, quem não trabalha não tem nada”. A caboverdiana trabalhou desde o início do seu tempo de prisão, tendo passado pelas funções de copeira e auxiliar de serviços gerais nas guaritas. Ela conta que enfrentava uma longa e pesada jornada de trabalho para obter uma remuneração muito baixa. Uma das estratégias da penitenciária para o controle da disseminação do novo Coronavírus foi suspender o trabalho e as visitas para todas as presas. Diante disso, é possível imaginar o quanto essas proibições aprofundaram as mazelas que circundam as condições de vida das mulheres encarceradas.
Você vai trabalhar e é xingada de toda maneira. Você tem que aguentar porque precisa de trabalho. Se eles mangar com a sua cara porque você é estrangeira, se, por exemplo, eu falo uma língua e você fala uma outra, né? E é difícil para você entender rápido o que eu tô falando e que você tá falando para mim, né? Depois que você entende errado, se você for perguntar de novo para ele te explicar, no outro dia, já te mandam embora.
Lena vivenciou a pandemia dentro do cárcere até o mês de maio, quando progrediu para o cumprimento de pena em regime aberto. Ao ser questionada acerca das suas impressões sobre o impacto do novo Coronavírus na vida das pessoas presas, ela denuncia que, como esperado, o adoecimento e a morte das companheiras por conta da negligência dentro da penitenciária eram anteriores ao cenário atual.
Doente sim, até já morreu lá. Só que não de Coronavírus. Tinha estrangeira que ficou lá doente e não teve nenhuma assistência, depois morreu. Eles lá não dão assistência e não tem medicamentos. Eles falam que é para você parar com o medicamento. Eles falam: “fala para o seu consulado tirar você daqui. Você veio presa no nosso país e ainda está exigindo medicamentos?”. Você vai lá e eles falam que não tem, você volta de novo com dor. (…) A nossa defesa mesmo que é o consulado não vai. O consulado não vai lá, não procura ninguém e ninguém é atendida lá por consulado. Eu mesma fiquei lá um ano e tanto e nunca vi meu consulado. Nenhum bilhete que eles escreveram para perguntar, por exemplo, como que eu estou e como eu estou me sentindo. Nenhum consulado. Tudo estrangeira passa sofrimento lá dentro. Nenhum consulado vai lá. O consulado que mais vai lá é o consulado da Holanda e da França. Só os dois consulados que eu vi lá. (…) Eu falo por mim, o meu nunca foi. Sendo presa estrangeira, a gente fala “eu vou falar com o consulado” para ver se vai ter um bocadinho de assistência, né? Mas eles já sabem que o consulado não vai lá porque quando o consulado vai, eles sabem que o consulado entra e o consulado sai. Então, eles falam “por que vocês não falam pro seu consulado te tirar daqui? Quem mandou vir fazer isso no nosso país? Aqui é nosso país”. Se você fala outra língua, eles falam “você está no nosso país, tem que aprender português. Se não sabe falar português, sai da minha frente e vai pra sua cela”. Tinha muito racismo e muito preconceito, não para todas, mas para algumas era assim.
É relevante apontar que, geralmente, como é o caso da Lena, o cumprimento de pena se estende para além do tempo que essas mulheres passam em regime fechado ou semiaberto. Algumas delas obtém progressão para o regime aberto, conquistam a liberdade condicional ou outras penas alternativas ao regime fechado. Então, ao invés de um local de passagem, a estadia no Brasil perde o aspecto provisório e torna-se mais duradoura. Quando vão para a rua, diversos são os desafios de estar em país desconhecido. No contexto de pandemia, as vulnerabilidades que atravessam a vida dessas mulheres são aprofundadas e a ineficácia ou precariedade das políticas públicas de assistência social explicitadas. Nesse sentido, o trabalho do Projeto Mulheres Migrantes se estende para além dos muros das penitenciárias, auxiliando essas mulheres em questões de regularização migratória, moradia, saúde, orientação processual e outros encaminhamentos sociais para que tenham autonomia na reconstrução de suas vidas depois do cárcere.
Dificuldade é muita porque, imagina, você está em um país em que você não conhece as pessoas. Você não sabe onde entra, você não sabe onde sai e você… Depois ainda tem o documento, mas o documento não é nada. Eles, por exemplo, se eles arranjarem, se eles falam “a gente foi presa porque a gente cometeu um crime”, você está entendendo? É justo. Você comete um crime e tem que pagar. Tudo bem, a gente já pagou pelo nosso crime, não devemos nada. Então, dá-nos condições de vida para nós que estamos ali fora para não cometermos o mesmo crime, entendeu? Porque se você, mesmo para gente que é mulher, precisa de um sabonete, precisa de uma pasta, precisa de uma cueca. Você está ali fora e não tem nada. Não tem nem de comer. Então, aqui tem abrigo, mas abrigo você não fica assim. Não tem aquelas condições de ficar. É como você estar presa na mesma. É a mesma coisa ou pior. Tem horário de entrar, tem horário de sair, tem xingamento, tem roubo e tem muita coisa no abrigo. Entendeu? E você, se é mulher, fica vulnerável. Por exemplo, sai na rua e encontra um homem. Você vai fazer o que? Você vai se prostituir para sobreviver. (…) Precisa comer, precisa morar, precisa sobreviver. (…) Então, por que, então, eu acho que quem está aqui e quer ir para o seu país? Manda! Nem que seja para você pagar a sua passagem. O governo não precisa pagar a passagem. Fala “ó, você quer ir para o seu país e já pagou metade da sua pena”. Não tem necessidade de ficar em um país sem comida, sem nada, só para ficar na rua deitado, só para assinar um ano ou dois anos. (…) Correndo o risco de ser morta. Se você morre aqui, você é enterrada como indigente porque não tem família. A família não pode vir, não é nada. É muito ruim, Heloísa, é muito ruim. (…) É por isso, Heloísa, que eu estou lutando. Eu já cometi um crime. O primeiro crime que eu cometi na minha vida. Já fui presa e eu agradeço a Deus todos os dias porque eu poderia ter caído em outro lugar, não sei o que ia acontecer. Deus, eu aprendi muita coisa na cadeia. (…) Então, é por isso que o meu objetivo, eu estou lutando, eu creio que Jesus vai me tirar desse país. Eu vou para a minha casa, em nome de Jesus. (…) No meu país é totalmente diferente. É tipo você sai daqui da Terra e vai para a Lua.
Heloísa Freitas, 22 anos, é brasileira, estudante de Ciências Sociais pela Unifesp e integrante do Projeto Mulheres Migrantes do ITTC.
*Lena é um nome fictício utilizado para proteger a identidade da mulher que contou sua história neste relato.
Referências bibliográficas
[1] SAYAD, Abdelmalek. Imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: EDUSP, 1998.
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Fonte
O post “Um dia de (quase) todas as mulheres” foi publicado em 8th March 2023 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC