A proposta da Comissão Europeia de adiar em um ano a entrada em vigor de sua lei antidesmatamento (EUDR) é um recuo vergonhoso. Poucos dias depois de ter dito à Organização Mundial do Comércio que não atrasaria a implementação da lei, a comissão cedeu ao lobby do setor mais atrasado da agropecuária. Na melhor hipótese, o movimento desmoraliza a UE; na pior, a comissão assume o risco de jogar fora três anos de trabalho na construção da lei, já que agora tanto o Parlamento Europeu quanto o Conselho da Europa, de maioria conservadora, têm a possibilidade de enfraquecer a EUDR até torná-la inócua.
Num momento em que a América do Sul tosta sob o efeito da pior seca em décadas e o Brasil é consumido por queimadas, a Europa abre mão deliberadamente de um instrumento que poderia ajudar a reduzir a pressão sobre os ecossistemas naturais e as emissões de carbono por desmatamento. Para os consumidores europeus, o adiamento significa seguir botando crime ambiental no próprio prato. Para os destruidores de florestas em países como o Brasil, um recado de que o crime compensa. Está em risco não só a redução do desmatamento vinculado às commodities exportadas para a Europa, mas também graves violações de direitos humanos que ocorrem em territórios indígenas e de comunidades tradicionais, cujas terras são invadidas e destruídas por atividades predatórias.
Desde maio deste ano, organizações da sociedade civil brasileira vinham pedindo à Comissão Europeia que não adiasse a implementação da EUDR. Em setembro, o Observatório do Clima denunciou, em carta à presidente da comissão, Ursula von der Leyen, o movimento do governo brasileiro para adiar a lei em nome do agro.
Diversos estudos de caso destacavam que produtores de commodities já estavam cumprindo ativamente os requisitos. A aplicação da nova regulamentação não cria exigências técnicas inatingíveis, mas, ao contrário, baseia-se em estruturas de transparência já estabelecidas em muitos aspectos. Portanto, as empresas não estão começando do zero, mas sim aproveitando elementos operacionais já existentes.
Isso é ainda mais verdadeiro no caso do Brasil, cuja pressão sobre a Comissão Europeia foi decisiva para o recuo na EUDR. O país é pioneiro em monitoramento de ecossistemas naturais e uso do solo (feito regularmente pelo INPE desde 1988) e iniciativas de rastreabilidade públicas e privadas de cadeias agropecuárias (que os setores da soja e da pecuária executam na Amazônia desde 2006 e 2009, respectivamente). É preciso considerar, igualmente, que apenas 3% das propriedades inscritas no Cadastro Ambiental Rural tiveram desmatamento entre 2019 e 2022. Portanto, a quase totalidade dos proprietários rurais do Brasil não tem nada a perder com a legislação da UE – ao contrário, tem mercado a ganhar em relação a concorrentes internacionais que desmatam.
“No momento em que temos a maior parte do território brasileiro afetada pela fumaça de queimadas em quase todos os biomas, é lamentável que a implementação da EUDR seja adiada”, afirma Dinamam Tuxá, Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “Consideramos a regulamentação um instrumento fundamental e adicional à redução do desmatamento no país. Essa decisão é uma clara demonstração da influência do lobby do agronegócio nos processos democráticos de tomada de decisão, impossibilitando que os países cumpram com seus compromissos globais assumidos no Acordo de Paris.”
“Em lugares como a Amazônia brasileira, o sinal político muitas vezes importa mais que a própria política. E o sinal que a Comissão Europeia passa com a proposta de adiamento é o pior possível”, disse Mariana Lyrio, assessora de Política Internacional do Observatório do Clima. “Há uma tentativa em curso de aproveitar o adiamento para desossar a EUDR. Os Estados-membros da UE e o Parlamento Europeu não podem deixar que isso aconteça. Precisamos de mais ação climática em várias frentes e não de menos.”
“Cada segundo conta na luta contra o desmatamento, a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas. O compromisso e a credibilidade da União Europeia estão em jogo. É decisivo que a Comissão Europeia garanta que essa legislação não sofra alterações substanciais que comprometam seu objetivo maior de proteger o meio ambiente e os direitos humanos”, afirmou Guilherme Eidt, Coordenador de Política e Advocacy do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
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