Com o Brasil nas primeiras colocações do ranking das reservas mundiais de terras raras, a extração mineral dessas substâncias usadas em diversas aplicações de alta tecnologia pode ampliar os conflitos no campo em pelo menos cinco estados.
De acordo com o levantamento de 2025 do U.S. Mineral Commodity Summaries , o Brasil tem 23% das reservas globais de terras raras, ficando atrás somente da China, que controla a cadeia do mineral tanto em reservas quanto em processamento e tem usado esse poder como arma geopolítica. Mas a produção brasileira ainda é incipiente, com apenas 1% do mercado, cenário que caminha para mudar rapidamente diante de novos projetos que estão em execução.
Além disso, a substância esteve na pauta do encontro mais recente entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente do Chile, Gabriel Boric Os mandatários discutiram durante a visita oficial do presidente chileno em 22 de abril, a criação de um grupo de trabalho para uma estratégia de longo prazo para os minerais críticos e terras raras. Boric, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo , disse estar interessado em conhecer a experiência brasileira na área e como o governo Lula vê os vínculos dos minerais críticos com a disputa comercial entre americanos e chineses.
O aumento do interesse pela substância, que faz parte dos minerais críticos usados na transição energética, são incompatíveis, segundo lideranças rurais e pesquisadores, com as atividades já realizadas por assentamentos rurais já demarcados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), foco de novos pedidos para exploração deste mineral no país.
Segundo o levantamento do Observatório da Mineração, são 187 processos minerários de terras raras que atingem áreas de 96 assentamentos do Incra. A Bahia lidera com 88 processos, seguida por Goiás que tem 53 pedidos, além de Pernambuco com 21, Paraíba (8) e Minas Gerais (6). Esta é a quinta reportagem da série sobre o tema realizada a partir do levantamento exclusivo que revela que cobiça por minerais críticos invade assentamentos da reforma agrária .
A maior parte dos pedidos em sobreposição em assentamentos desta substância ainda está na fase inicial na Agência Nacional de Mineração (ANM).
A busca por terras raras nestas áreas sobrepostas em assentamentos é liderada por empresas pouco conhecidas no mercado nacional de mineração. A Serra Verde Mineração , que já atua na região goiana de Minaçu, cidade historicamente afetada pela produção de amianto , tem 37 processos ativos em oito assentamentos.
Já a Alpha Minerals , criada em 2020, possui 28 requerimentos ativos também em Goiás e em Pernambuco. A Borborema Mineração, que faz parte da multinacional australiana Brazilian Rare Earths , tem 16 processos com sobreposição em sete assentamentos.
Área na Bahia que conserva o pau-brasil mais antigo do país, com 600 anos, corre risco
Os dois processos mais avançados, de direito de requerer lavra, estão localizados em áreas do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Reunidas Pau Brasi l, criado pelo instituto em Itamaraju (BA), na região do extremo Sul do estado, em 2009. Segundo os dados da ANM, os pedidos são da Multiverse Mineracao Ltda .
A empresa informa que já explora nesta mesma área “nas imediações do povoado de São Paulinho, também no município de Itamaraju”. Segundo a Multiverse, em 2022 foi encontrado dentro de uma área de quase 30 mil hectares depósitos “contendo excelentes concentrações de minerais de terras raras na argila iônica”.
Este poderá ser um exemplo de conflito, caso a empresa consiga da ANM a lavra e comece o processo de extração no espaço onde vivem 48 famílias desde a criação do assentamento em 2009. Uma nova mina dentro do assentamento terá que conviver com o lugar responsável pela preservação das árvores de pau-brasil mais antigas do país.
Em 2020, reportagem do site O Eco revelou a descoberta no assentamento por pesquisadores do projeto Grandes Árvores da Mata Atlântica de uma árvore de 600 anos. O pau-brasil tem 7,13 metros de circunferência e é o maior do país. A árvore rara, assim como outras da mesma espécie, são usadas como sombra e abrigo aos pés de cacau no sistema de produção agroflorestal dos agricultores do assentamento.
Governo baiano apoia projeto da Borborema Mineração
No caso da Borborema Mineração já existe um protocolo de intenções de apoio institucional com o governo da Bahia por meio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE).
Segundo o comunicado oficial divulgado em julho de 2024 , o ato formaliza “a intenção dos dois lados em viabilizar a implantação de uma unidade produtiva destinada à produção de concentrado mineral de óxidos de terras raras no estado, e em fase de investimento subsequente, realizar a implantação de uma segunda planta industrial para separação de óxidos de terras raras”.
As duas fases juntas, segundo a SDE, somam uma projeção de R$ 3,5 bilhões em investimentos.
Para André de Lima Maia, engenheiro agrônomo, educador popular e dirigente estadual do MST na Bahia, os assentamentos no estado já convivem com a grilagem de terra, assédio constante por meio de violência psicológica e ameaças direcionadas às famílias assentadas.
Maia, que faz parte da Brigada do Sertão do MST na regional Norte, acredita que a mineração pode trazer novos impactos negativos na fauna e flora com a derrubada da caatinga, além da ampliação da pistolagem.
Segundo a liderança, conversas sobre processos de pesquisa mineral já fazem parte da realidade dos assentamentos, especialmente na região da cidade de Sobradinho, próximo de onde vive com a família.
“Pode piorar e muito. Mas como somos um povo de luta, vamos lutar pelos direitos do povo. Poderá agravar a situação de grilagem de terras, de ameaças, da pistolagem, de assédio psicológico, tudo o que já vem acontecendo de forma tímida”, acredita ao ser questionado sobre novos projetos minerários em áreas de assentamentos.
Em Goiás, área cobiçada já tem histórico e dependência de mineração de amianto
Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves, professor de Geografia da Universidade Estadual de Goiás (UEG), estudou uma das áreas em que estão concentrados os pedidos de terras raras, o município de Minaçu, com a publicação “A mineração de amianto e o desastre permanente da minério-dependência em Minaçu, Goiás, Brasil ”. O Observatório da Mineração publicou em 2022 uma matéria sobre o tema . Nos assentamentos do Incra na cidade e na cidade vizinha de Montividiu do Norte são ao todo 37 processos, todos da Serra Verde Mineração.
“No Norte e Nordeste do estado há uma nova fronteira extrativa que é predatória e que ameaça essas populações que ainda estão na terra, na relação com as águas, com o plantio, com os seus territórios historicamente constituídos”, avalia o pesquisador.

Gonçalves também estudou a sobreposição de mineração em áreas de assentamentos. Segundo o seu estudo mais recente, há uma concentração de processos em assentamentos no noroeste, oeste, noroeste, norte goiano e uma expansão expressiva dos processos minerários para minerais críticos.
“A fronteira da mineração nas regiões norte, noroeste e oeste de Goiás representa também uma nova fronteira das ameaças de expropriação, de conflito com essas populações que ainda restam no campo em Goiás”, avalia.
“O mapa que ilustra como a expansão dessa fronteira dos interesses minerários podem representar uma ameaça para as populações que vivem no campo em Goiás, especialmente nessas regiões e, claro, acirrar conflitos no campo em Goiás”, completa o pesquisador.
Em Minas Gerais, Pernambuco e Paraíba, lideranças locais preveem retirada dos assentados e prejuízos ambientais e êxodo rural
Para Ítalo Kant, da Coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Minas Gerais e integrante da Rede Igrejas e Mineração e do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, a chegada desses grandes projetos de mineração no estado traz um processo de acirramento de disputas locais por terra e até mesmo por recursos naturais.
“Geralmente esses locais já têm uma disputa histórica, uma briga entre com grileiros, garimpeiros e tensões sobre a questão da utilização da terra, entre a agricultura familiar com agronegócio, a pecuária extensiva, a cana, a soja, enfim, o uso dos agrotóxicos. Então, com a chegada desses grandes projetos de mineração, o primeiro passo é a ampliação, o acirramento dessas disputas locais por terra”, avalia Kant.
Segundo o coordenador da CPT no estado, o prejuízo mais direto se estes projetos forem criados é a perda do território e uma “desestruturação comunitária de décadas e décadas de luta que essas famílias tiveram para poder ter acesso a esse território”.
“Se você tirar essas pessoas desse território, é um método de desestruturar toda uma articulação comunitária que se tem e o rompimento de contratos sociais e até mesmo ambientais. Muitos desses assentamentos têm projetos de crédito rural em andamento”, explica.
Lenivaldo Marques da Silva Lima, da assessoria da diretoria de Meio Ambiente da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape), também prevê perdas com novos processos minerários em assentamento. Segundo Lima, a Zona da Mata de Pernambuco está passando por “mudanças ambientais fortes”, com a cana sendo substituída por gado e pecuária extensiva, o que “está devastando o clima e o meio ambiente”.
“A mineração nessa região vai piorar ainda mais, diminuindo a área plantada de alimentos e aumentando o desastre social. Isso vai afetar a produção de alimentos saudáveis e deixar pessoas sem terras. Precisamos analisar e lutar contra isso”, diz.
Já Ivanildo Pereira Dantas, assessor técnico da Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado da Paraíba (Fetag-PB), a exploração em assentamentos no estado já tem impactos negativos. Dantas cita os projetos em áreas localizadas no Seridó paraibano, como exploração de xelita, amianto, ferro, quartzitos e cálcio, principalmente para a industrialização do cimento.
Já no litoral sul paraibano, três áreas antes pertencentes ao Incra, diz Dantas, deram lugar a duas megas usinas, nos municípios de Conde, Alhandra, Pitimbú e Caaporã, onde se localizam as melhores e paradisíacas praias do Estado.
“Na região antes das instalações das fábricas existia uma boa porção da Mata Atlântica com fontes de nascentes de água, solos ricos em matéria orgânica e uma rica fauna, tudo isso, disseminado pela industrialização do cimento”, explica.
Para Dantas, novos projetos vão resultar numa série de impactos negativos.
“Expulsão das famílias assentadas, aumento da pobreza e do analfabetismo rural, degradação do solo agrícola, poluição ambiental, contaminação e poluição do solo pelos contaminantes dos minérios que passa pelas águas subterrâneas, rios, lagos e oceanos, contaminação dos animais e das pessoas, além do êxodo rural, aumento da pobreza, favelas nas zonas urbanas, desemprego e violência”, enumera a liderança acostumada com projetos deste tipo na Paraíba.
Contrapontos
Sobre o processo em parceria com a Borborema, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado da Bahia (SDE) informa que os títulos minerários são da competência federal, estando sob a responsabilidade da ANM, que até o momento não notificou a SDE com referência às áreas em pesquisa pela Borborema.
“É importante salientar que o Incra também possui legislação específica (IN Nº 122/2021), que dispõe sobre procedimentos para anuência do uso de áreas de assentamento para empreendimentos minerários, de energia e de infraestrutura. A SDE não tem participação no projeto, apenas a empresa pode desistir do mesmo. Além disso, a viabilidade do projeto é de competência dos órgãos licenciadores, portanto apenas estas instâncias podem indeferi-lo”, avalia a SDE.
Em junho, a Defensoria Pública da União (DPU) entrou com uma Ação Civil Pública (ACP) para que o INCRA revogue a Instrução Normativa 112/2021 , que permite mineração dentro de assentamentos rurais.
A Serra Verde Pesquisa e Mineração disse que não tem planos para as áreas requeridas em assentamentos.
“A SVPM está comprometida em construir relações sólidas com as comunidades locais e mantém um diálogo contínuo sobre suas atividades na região. Temos orgulho do apoio construído ao longo dos anos e realizamos, de forma recorrente, estudos de percepção para compreender com mais profundidade as prioridades, preocupações e expectativas da população local. Nenhuma das comunidades mencionadas é impactada pelas operações atuais da SVPM, e não há planos atuais para realizar qualquer atividade nessas áreas”, diz o comunicado da empresa.
A reportagem tentou contato com a Borborema Mineração (Brazilian Rare Earths ), a Alpha Minerals e a Multiverse Mineracao Ltda , mas até o fechamento desta edição não houve retorno dos pedidos de posicionamento. O espaço continua aberto para a manifestação das empresas.
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O post “Terras raras ameaçam assentamentos no Nordeste e em Goiás, incluindo área que conserva o mais antigo pau-brasil do país” foi publicado em 02/07/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração