Segundo especialistas, tecnologia de baixo custo pode ajudar a recuperar áreas degradadas e sequestrar carbono, além de otimizar o manejo de resíduos
Existem hoje no Brasil 5,4 milhões de hectares de minas legalmente ativas. A área, que equivale a duas vezes o tamanho de Alagoas, é a maior do tipo nas regiões tropicais. Um estudo recente, realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que, se toda essa área for explorada nas próximas décadas, 2,55 gigatoneladas de carbono equivalente (Gt CO2 eq) serão liberadas para a atmosfera, o que representa 5% do total das emissões do planeta provenientes das atividades humanas. Desse total, 0,87 Gt CO2 eq seria proveniente da destruição da vegetação e 1,68 Gt CO2 eq da remoção do solo.
No mesmo estudo, os pesquisadores propõem uma estratégia para evitar que todo esse gás do efeito estufa seja emitido. Ele sugerem a construção dos chamados tecnossolos. “São solos construídos a partir de materiais provenientes de atividades humanas, como resíduos e rejeitos industriais, domésticos e urbanos (resíduo de construção civil, rejeitos e estéreis de mineração – material removido para acessar o minério, compostos orgânicos)”, explica engenheiro agrônomo Francisco Ruiz, do Departamento de Ciência do Solo, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP (Esalq/USP), autor principal do trabalho, que foi publicado na revista científica Communications Earth & Environmental.
De acordo com ele, os materiais podem ser combinados deliberadamente e, portanto, os tecnossolos podem ser projetados para solucionar problemas ambientais específicos, como a recuperação de áreas degradadas por mineração. Quando construídos com materiais de origem adequados, eles também podem restaurar importantes serviços ecossistêmicos relacionados ao solo, melhorando o gerenciamento de resíduos.
“A construção de tecnossolos saudáveis se destaca como uma solução promissora baseada na natureza para mineração neutra em carbono e deve, portanto, ser considerada em futuras políticas ambientais dos principais países mineradores”, diz Ruiz. “Estimamos que com eles seja possível recuperar até 60% dos estoques de carbono dos solos.”
Seu colega na Esalq, o agrônomo Maurício Roberto Cherubin, que também participou do estudo, acrescenta que tecnossolos “são uma enorme avenida de oportunidade para restauração de áreas impactadas e degradadas pela mineração” e, portanto, podem se tornar uma ferramenta poderosa para se ter no futuro essa atividade mais sustentável. “Dada essa relevância, eles são um dos temas pesquisados no Center for Carbon Research in Tropical Agriculture (CCARBON), um novo centro de pesquisa, inovação e disseminação, vinculado à reitora da USP e fisicamente lotado na Esalq”, conta. Ele também é vice-diretor da CCARBON.
Ruiz, por sua vez, diz que outra vantagem de utilizar a construção de tecnossolos para a recuperação de áreas degradadas é a sua viabilidade econômica, pois a sua construção a partir de resíduos pode ser realizada a baixo custo, já que a matéria prima para isso é constituída principalmente de resíduos e rejeitos.
“Dessa forma, além de recuperar áreas degradadas e sequestrar carbono, a construção deles pode ser uma solução para o manejo de resíduos”, diz.
No artigo da Communications Earth & Environmental, os pesquisadores lembram que a mineração de superfície é o método mais utilizado para a retirada de minério do solo, respondendo por mais de 80% do total explorado por ano. “Esse tipo de atividade envolve a remoção completa do solo e da vegetação, causando a perda dos estoques de carbono do ecossistema por meio da oxidação da matéria orgânica”, escrevem.
Ainda de acordo com eles, conforme evidenciado pela Quarta Comunicação Nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCC), “as emissões de dióxido de carbono relacionadas à remoção de vegetação para mineração aumentaram desde a década de 1990, com 8,9 Mt de CO2 equivalente emitido apenas em 2016, o que equivale a 0,4% das emissões totais anuais do país”. No entanto, esse valor está subestimado, porque considera apenas a vegetação e exclui os solos, que podem conter até três vezes mais carbono e desempenhar um papel significativo no sequestro de carbono.
Ruiz faz uma ressalva, no entanto, em relação à construção de tecnossolos. “É importante destacar que certos tipos de resíduos de mineração podem conter elementos potencialmente tóxicos, como arsênio, mercúrio, cádmio, cobre e chumbo”, alerta. “Nessas circunstâncias, seu uso deve ser evitado ou combinado com estratégias destinadas a prevenir a poluição e a mobilização de metais pesados em corpos d’água circundantes. Nestes casos, técnicas de remediação, como a fitorremediação e a aplicação de condicionadores de solo podem ser implementadas para imobilizar poluentes.”
Apesar dos benefícios potenciais dos tecnossolos para mitigar as emissões de dióxido de carbono pela mineração de superfície, eles ainda praticamente não são usados no Brasil. “A estratégia ainda é pouco conhecida e utilizada no país”, reconhece Ruiz. “Algumas mineradoras de calcário no interior de São Paulo têm empregado os materiais estéreis da atividade (fragmentos de rocha sem valor comercial que se encontram por cima do depósito mineral) para recuperar as cavas e têm tido resultados satisfatórios com o plantio de cana, eucalipto e pastagem.”
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O post “Tecnossolos: solução que combina resíduos industriais pode mitigar emissões da mineração” foi publicado em 20/09/2023 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Tratamento de Água