Anteontem li dois textos de analistas políticos, um que me deixou feliz, outro bem menos. Confesso que meu otimismo com o futuro do Brasil flutua. Tem dias que eu acordo pensando “Agora vai!”, e outros em que vejo que, apesar das novas falcatruas e da pandemia que já matou 475 mil brasileiros, talvez nada aconteça com o genocida.
Aliás, uma das notícias mais relevantes da semana é justamente um estudo da USP que foi solicitado pela CPI da Covid. Os resultados provam o que todos nós suspeitávamos: não foi incompetência, foi projeto. O governo federal propositalmente adotou a estratégia da imunidade de rebanho. Disseminou o vírus, negou a gravidade da doença, incitou que a população se expusesse, banalizou as mortes, descumpriu as medidas sanitárias preventivas, tentou obstruir medidas de contenção promovidas por governadores e prefeitos, e transformou um fictício “tratamento precoce” em política pública. Há, portanto, “coerência entre o que se diz e o que se faz”.
O que realmente me chama a atenção é que parte da população ainda acha que Bolso está fazendo um bom trabalho no enfrentamento à covid. Em que país essa gente vive?
Bom, primeiro eu li o artigo de Marcos Coimbra publicado na Carta Capital. Coimbra é presidente do Instituto Vox Populi. Entende tudo de pesquisa. Semanas atrás, ele apontou que o crescimento da rejeição a Bolso não vinha apenas do cenário político, mas do fato das pesquisas voltarem a ser feitas na rua, não mais por telefone. Para ele, “o pior cenário para a democracia no Brasil está afastado”. O pior cenário seria o bolsonarismo tornar-se um movimento popular apoiado pela elite e pelos miseráveis.
O principal, para Coimbra, é a força de Lula, que teria o dobro das intenções de voto de Bolso nas pesquisas Vox Populi e Datafolha. No primeiro turno, Lula ganharia fácil de Bolso em cinco grupos: entre os eleitores de baixa escolaridade, Lula teria 49%, e Bolso, 21%; entre os de baixa renda, seria Lula 52% x Bolso 20%; entre mulheres, Lula 43% x Bolso 19%, entre jovens (a maioria dos quais estaria votando em Lula pela primeira vez), Lula 46% x Bolso 21%, e entre pardos e negros, Lula 49% x Bolso 21%.
Por essas pesquisas, se a eleição fosse hoje, Lula ganharia no primeiro turno. Até nas faixas mais fiéis a Bolso (homens brancos, pessoas mais velhas, gente de alta escolaridade e renda) Lula ganha. E, no grupo mais capacho de todos do capetão, os evangélicos, há empate.
Segundo Coimbra, o governo Bolsonaro é tão catastrófico que a maioria da população não tem dúvida da sua responsabilidade nas mortes da pandemia: “A culpa de Bolsonaro está formada. Quem apostar na recuperação da economia, que não se esqueça: os sinais de melhora são para os rendimentos dos ricos. Nada indica que, para as famílias pobres, teremos, de agora à eleição, aumento de renda, maior acesso ao consumo, expansão do emprego e ampliação da cobertura de políticas públicas de qualidade, em escala minimamente relevante”.
Coimbra conclui em uma nota pra lá de otimista, se não levarmos em conta os riscos à democracia: “É até possível dizer que Lula ainda não ganhou a eleição, pois, em um país como o Brasil, sempre pode haver alguma maracutaia. Mas é certo que Bolsonaro perdeu. Só resta a ele e aos amigos o recurso de colocar uma bomba na democracia”.
Vejo muitos petistas entusiasmados, sonhando com a vitória de Lula no primeiro turno. Nisso eu não creio. Lula nunca ganhou no primeiro turno. Tudo bem que nunca houve um presidente tão calamitoso como Bolso, mas mesmo assim, não tenho como embarcar no “já ganhou” ou numa eleição fácil.
Foi aí que li a entrevista do cientista social e professor da Unicamp Marcos Nobre, que acredita que a aprovação de Bolso encontra-se no seu piso, e que até as eleições do ano que vem a maior parte das pessoas estará vacinada e que a economia vai melhorar. Ou seja, que Bolso não chegará em 2022 fraco como está agora.
Ele crê no que eu creio (e também no que Coimbra parece crer): que, se Bolso perder as eleições (ou sofrer um impeachment antes), ele tentará dar um golpe de Estado, contando com parte das Forças Armadas e das milícias. Nobre lembra do golpe na Bolívia, em novembro de 2019, que foi dado por policiais, não pelo exército. E que o motim policial de fevereiro de 2020 no Ceará é uma mostra do que pode vir a acontecer (segundo ele, o ato só não se repetiu em outros estados por causa da pandemia).
De acordo com ele, se Bolso tiver agora entre 25% e 30% de apoio, como apontam as pesquisas atuais, essa soma já é suficiente para brecar qualquer tentativa de impeachment e pra colocá-lo no segundo turno em 2022. Em outras palavras, ele continua sendo um candidato fortíssimo. Desses 30% que apoiam Bolso, Nobre acredita que metade seja realmente autoritária (que é saudosista da ditadura, contra a democracia). E aí entramos em algo que a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado já reparou: que o bolsonarismo é mais forte que Bolsonaro. Se Bolso milagrosamente desaparecer, esse reduto autoritarista continuará vivo, com outro candidato de extrema-direita.
Para Nobre, nas eleições a população estava dividida em três terços: 30% que apoiava Bolso, 30% que o rejeitava, e 30% que nem o apoiava, nem o rejeitava. O que mudou das eleições pra cá é que a rejeição aumentou muito. Mas quem vai decidir o pleito de 2022 é justamente a fatia que não o apoia nem rejeita. É um erro pensar que o antipetismo decidiu a eleição de 2018.
Por isso, para Nobre, é essencial que exista uma terceira via competitiva para representar o eleitorado que nem apoia nem rejeita Bolso. Assim, no segundo turno, essa terceira via forme um grande pacto pela democracia, uma frente ampla contra Bolso. Afinal, diz Nobre, “se o Bolsonaro se reeleger, a democracia no Brasil acabou, ele vai seguir o mesmo roteiro da Polônia, da Hungria, da Turquia, das Filipinas, que, no segundo mandato, fecharam o regime. Ele já está dando todas as indicações. Tá fazendo todas as coisas”.
Eu discordo de Nobre quando ele crê que Ciro Gomes tem condições de ser essa terceira via. Mas o cientista social tem toda razão ao lembrar que, até agora, no Brasil, nenhum presidente perdeu uma reeleição. Todos que se candidataram (FHC, Lula, Dilma) foram reeleitos. Logo, achar que Bolso é carta fora do baralho é um erro grave.
Já Rosana Pinheiro-Machado, em sua estreia como colunista do El País, avalia a importância das manifestações contra Bolso no dia 29 de maio, que devem se repetir em 19 de junho (são “uma mensagem de que estamos vivos”), ressalta o papel das mulheres em organizar um #EleNão desde já, com “pequenas intervenções e grandes marchas”, e afirma que “não existe vitória garantida para ninguém”:
“O processo político daqui até 2022 é longo, duro e muito menos linear do que se pode imaginar. Ainda que tenhamos previsões otimistas sobre uma possível derrota de Bolsonaro nas eleições, a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está dada. A grande rejeição ao Bolsonaro demonstrada nas últimas pesquisas pode se reverter facilmente ou, mesmo com rejeição, se transformar em voto contra o PT. A essa altura, sabemos que a repulsa à figura do presidente em nada nos garante alguma estabilidade política. Existem muitos setores, populares e de elites, que estão dispostos a sacrificar valores e continuar votando no repugnante por motivos que estão além de nossa racionalidade democrática”.
Se há algo em que todos concordam é que Bolso representa um risco gigantesco à democracia, seja ganhando ou perdendo a reeleição. Mas, óbvio, vamos lutar para que ele perca, e para que seu golpe de Estado seja tão bem sucedido quanto foi o de Trump (quem?).
P.S.: E há uma movimentação de que poucos estão falando ainda: nas próximas semanas, Marcelo Freixo deixará o Psol e se filiará ao PSB para se candidatar a governador do Rio, podendo fazer alianças mais amplas. Flavio Dino e Manuela D’Ávila sairão do PCdoB e também entrarão no PSB (Dino para concorrer ao Senado; Manu, ainda não sabemos). Ao perder dois de seus nomes nacionais mais conhecidos, o já pequeno PCdoB talvez tenha que se fundir ao PSB. Esses três grandes políticos parecem apoiar uma chapa encabeçada por Lula já no primeiro turno, o que pode influenciar o PSB, que estava flertando com uma terceira via. Essa apoio garantiria a vitória de Lula no primeiro turno? Vamos ver…
O post “TANTO NO CENÁRIO OTIMISTA QUANTO NO PESSIMISTA, BOLSO TENTARÁ UM GOLPE” foi publicado em 9th June 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva