Rodrigo Santos Alves, superintendente do Ibama na Bahia, foi acusado de atropelar as fases de um processo e retirar o embargo da construção de um muro de gabião (muro de pedras acumuladas em armações de aço) para conter o avanço do mar sobre um hotel de luxo na Bahia, cancelando uma multa de mais de R$ 7,5 milhões que havia sido aplicada pelos fiscais do próprio Instituto. Alves foi nomeado em julho do ano passado, pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
A construção começou a ser instalada diretamente na areia da praia em frente ao hotel Tivoli Ecoresort em julho deste ano. Após vistoria no local, os fiscais do Ibama autuaram o hotel e determinaram o embargo de “todas e quaisquer atividades relacionadas à construção em faixa de areia da praia do empreendimento”, pois a intervenção seria em área da União. O auto de infração foi lavrado pelos fiscais em 17 de julho. A Secretaria de Patrimônio da União (SPU), órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, também havia embargado a obra.
Cerca de dois meses depois, em 22 de setembro, o superintendente Rodrigo Alves deu um despacho no processo cancelando a multa e liberando a construção. Ele rejeitou as notificações dos técnicos chefiados por ele com o argumento de que o hotel já possui licença ambiental dada pelo município de Mata de São João, onde está instalado, e que o Ibama não pode se sobrepor a essa autorização. “No caso concreto, em que há nos autos referências (inclusive fotos) de licenças e alvarás que o município entendeu suficientes para autorizar a obra”, não caberia ao Ibama “o papel de corregedor do processo municipal e suas licenças locais”. Alves afirmou ainda que o município licenciou a obra “dentro dos limites do imóvel”, e considerou “o baixo impacto ambiental da obra, a importância socioeconômica do empreendimento”, além de “questões próprias de quem deve pensar no meio ambiente urbano em toda sua complexidade”. “Falta sustentação à ação fiscal, por falta mesmo de materialidade”, concluiu o superintendente, justificando que “o licenciador deve balancear os valores complexos e muitas vezes conflitantes entre o impacto ambiental e a importância da atividade ou empreendimento, visando sempre promover a ‘harmonia produtiva e agradável entre o ser humano e seu meio ambiente’”.
Um servidor do Ibama consultado pela reportagem avaliou o ato com estranheza: “Milhares de processos estão prescrevendo – após três anos – no Ibama por falta de pessoal para analisar e em apenas dois meses o superintendente dá um despacho cancelando a multa, sem que a análise preliminar do auto de infração tenha sido concluída e sem haver sequer a audiência de conciliação ambiental. Não há nos autos a defesa do infrator. Soube que houve descontentamento das equipes técnicas na Bahia, porque era evidente a infração que gerou a multa, ocorrida em área da União. Os fiscais ficaram bastante constrangidos”.
Nos autos do processo em trâmite no Ibama, o ato também provocou um impasse administrativo, pois a divisão responsável pela conciliação ambiental (que negocia acordos com os infratores), não acatou a decisão do superintendente da Bahia por entender que ele ignorou fases do processo. “Entende-se que o julgamento do auto de infração pela autoridade julgadora deve ocorrer só após a realização da audiência de conciliação ambiental e após encerrada a instrução processual pela Equipe de Instrução de primeira instância”, decidiu o Serviço de Apoio à Análise Preliminar (SAAP) do Ibama. Dessa forma, a divisão informou que “dará continuidade à análise preliminar deste auto de infração, em cumprimento às suas competências legais”. Atualmente, a obra do muro na Praia do Forte está paralisada e o processo continuará seus trâmites no Ibama.
Alves negou que tenha se antecipado no processo e disse que “a administração deve rever seus atos sempre que estejam maculados de nulidade”. “A obra está regularmente licenciada pelo ente federativo competente (município). Além disso, não há urgência no embargo, pois a obra já se encontrava embargada pela SPU (Secretaria de Patrimônio da União) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e MPF (Ministério Público Federal) acompanham o caso”.
Possível conflito de interesses
Conforme informações apuradas pelo jornalista André Borges, em matéria publicada no Estadão, além do cargo de superintendente do Ibama na Bahia, Rodrigo Santos Alves é sócio de uma empresa imobiliária, a corretora de imóveis Remax Jazz, que atua na oferta e gestão de imóveis de luxo no litoral baiano, como o hotel Tivoli Ecoresort, cujas diárias vão de R$ 1,5 mil a R$ 7 mil.
Quando questionado, Alves afirmou que não vê conflito de interesse em atuar no ramo imobiliário e, ao mesmo tempo, ser o responsável pelo licenciamento ambiental na região: “Além de sócio de uma franquia imobiliária, sou advogado com 15 anos de experiência. A empresa da qual sou sócio não comercializa nenhum empreendimento de competência ambiental federal, assim como não possuo como advogado nenhum processo de competência ambiental federal. Obras de impacto local são licenciadas pelo município”, afirmou o superintendente, acrescentando que nunca prestou serviços para o hotel Tivoli e o grupo hoteleiro Minor Hotels.
Resposta do Ibama
Ao ser questionada, a assessoria de imprensa do Ibama esclareceu alguns pontos da questão.
“Em relação ao ato do superintendente da autarquia no Estado da Bahia de haver reconhecido a nulidade da Ação Fiscal que atribuiu multa de R$7.550.000,00 (sete milhões quinhentos e cinquenta mil reais) pela construção de um muro de contenção dentro dos limites do imóvel do Hotel Tivoli, em Praia do Forte, além de ter suspendido o Embargo da obra, que já se encontrava embargada pela Superintendência do Patrimônio da União – SPU, alguns pontos que precisam ser esclarecidos:
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- a obra possui licença ambiental emitida pelo ente competente – o Município de Mata de São João;
- não se trata de obra de construção ou ampliação do hotel, mas da obra de um muro de contenção dentro do limite do terreno do hotel, existente naquele mesmo local há mais de 30 (trinta) anos;
- as ações fiscais do Ibama em obras licenciadas por outros entes federativos devem atentar ao limite legal, havendo no Ibama diversos precedentes neste sentido, além de despachos vinculantes, e inclusive a Orientação Jurídico Normativa 49, de 2013;
- as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal – STF determinam que atos ilegais ou nulos devem ter essa nulidade reconhecida pela administração pública a qualquer momento; considerando que a obra estava licenciada pelo órgão competente (o Município), que se trata de obra de pequeno potencial ofensivo ao meio ambiente e de impacto local, que a OJN 49 e outros precedentes do Ibama determinam que eventual suposto vício no processo licenciatório deve ser objeto de ação judicial, e não de ação administrativa por parte do Ibama (salvo exceções ali estipuladas) é que o Superintendente julgou pela anulação da ação fiscal;
- essa sua decisão, como qualquer outro julgamento de primeira instância, desafia recurso de ofício à autoridade julgadora de segunda instância, sendo que não se trata de uma decisão definitiva do Ibama;
- não há impedimento a que ocupante de cargo comissionado seja sócio em empresa privada, e o superintendente já era sócio da empresa mencionada na reportagem antes de assumir sua função pública, tendo tido esse fato analisado naquele momento, e considerado apto à função”.
Esclarecimentos do hotel
Em comunicado oficial, o Tivoli Ecoresort Praia do Forte afirmou que todas as suas atividades são realizadas “em estrita observância da legislação e normas ambientais” e informou que a obra se trata de uma “intervenção em área situada dentro dos limites do terreno em que se situa o hotel, como já reconhecido pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU), com o propósito de conter o avanço do mar sobre a propriedade”.
O hotel esclareceu que o avanço do mar vem se agravando ano a ano, e que repentinamente tornou-se mais intenso nas marés de março e abril deste ano, com o potencial de causar grandes prejuízos ao hotel. “O projeto foi concebido com finalidade semelhante à de outros já existentes em Praia do Forte, como os que foram feitos pela Prefeitura na praia do Portinho para proteger a Colônia dos Pescadores, a Igreja São Francisco e a praça das barracas e como fizeram outros condomínios daquele entorno. Deve-se destacar ainda que o local onde foram realizadas as intervenções se trata de Zona Turística (ZT) e que não houve qualquer retirada de vegetação de restinga, uma vez que a mesma já não existia no terreno há muitos anos, levada pela força das marés”.
O Ecoresort informou ainda que foi elaborado um “projeto adequado em Gabiões com a escolha de materiais e métodos menos impactantes que outras soluções e sem qualquer tipo de concretagem. O projeto foi aprovado pela Prefeitura Municipal de Mata de São João – Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente, tendo sido emitidas as licenças legalmente exigíveis, inclusive a licença ambiental”.
Projeto Tamar atua na região
O Tivoli Ecoresort está localizado na mesma praia do Projeto Tamar, programa do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) de proteção às tartarugas marinhas. Há o temor que o muro interfira no caminho das tartarugas para a margem da praia durante a desova, comprometendo a procriação dos animais e os trabalhos do Projeto.
Contudo, o Tivoli Ecoresort informou que a Fundação Projeto Tamar foi consultada antes do início das obras e que, através dos seus técnicos, inspecionou a área e confirmou que o local não é área relevante de desova de tartarugas marinhas. “Segundo o Tamar, os possíveis efeitos das intervenções são desprezíveis, pois além de se localizar em um trecho de baixa densidade de desovas, ela possui curta extensão e temporariamente foi executada em um período em que não são registradas atividades reprodutivas das tartarugas marinhas”.
Um morador da região da Praia do Forte alertou que alguns usuários da praia estão utilizando formas de contenção de terreno muito mais impactantes: “estão fazendo contenção mambembe com sacos de plástico cheios de areia, que evidentemente não seguram a maré e estão espalhando plástico por todo lado, isso sim impactando diretamente as tartarugas”. O morador denunciou ainda que, apesar de o muro do hotel ser “horroroso” e haver outras formas de “segurar o terreno”, “a Prefeitura fez coisa muito pior a poucos metros dali, literalmente dentro da praia e ninguém disse um pio”.
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