Pela primeira vez na história do Legislativo federal, a necessidade de encerrar os subsídios fósseis foi discutida em audiência pública nesta quinta-feira (18), na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. O debate, solicitado pela deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), ocorre em um momento decisivo, com a análise do veto à Lei das Eólicas Offshore e a tramitação do Projeto de Lei 219/25, que propõe extinguir os subsídios ao carvão e proibir novos incentivos à geração de energia a partir do combustível fóssil.
Talíria abriu a audiência ressaltando a dimensão do problema. Segundo ela, entre 2020 e 2024, o Brasil gastou em média R$ 1,07 bilhão por ano em subsídios ao carvão mineral, valor 4,5 vezes maior que o destinado às energias renováveis no mesmo período. “Essa situação contradiz os compromissos climáticos assumidos pelo país. O Brasil precisa decidir se avança para uma matriz limpa ou continua sustentando combustíveis fósseis”, destacou.
Esses subsídios podem alcançar R$ 100 bilhões até 2050 apenas com os contratos da usina Jorge Lacerda (SC) e uma eventual recontratação da usina de Candiota 3 (RS), segundo Urias Bueno Neto, do Observatório do Carvão Mineral. Ele ressaltou que o setor, além de poluidor, não depende de recursos públicos para se manter.
A renovação com Candiota 3 chegou a ser incluída na Lei das Eólicas Offshore (Lei 15.097/25), mas foi vetada pelo Executivo. Novas tentativas têm surgido em emendas a medidas provisórias.
Urias destacou que o carvão é responsável por 40% das emissões de gases de efeito estufa no mundo e lembrou que países como a Inglaterra já eliminaram o uso do mineral na geração de energia.
A deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), autora do requerimento para a realização da audiência, defendeu a aprovação do Projeto de Lei 219/25 , de sua autoria, que prevê o fim dos subsídios ao carvão.
“Os subsídios, os benefícios fiscais, as isenções fiscais têm relação com uma estratégia de país. E não há estratégia quando você olha para o carvão: caro, ineficiente, com impacto altíssimo para o meio ambiente, a saúde pública e ferindo princípios constitucionais.”

Matriz energética
Representando o Ministério do Meio Ambiente, Adalberto Maluf Filho afirmou que o Brasil pode substituir totalmente o carvão por fontes como energia solar e térmicas a gás, garantindo oferta em períodos de seca. Hoje, as usinas a carvão representam apenas 1,4% da matriz energética nacional.
Maurício Angelo, do Observatório da Mineração, alertou para os custos dos desastres ambientais, mais caros que os subsídios esparsos concedidos ao setor. Ele citou como exemplo as enchentes no Rio Grande do Sul, que, segundo ele, custaram várias vezes mais do que os recursos destinados a Candiota 3.
“Nós não vamos superar a crise climática replicando o mesmo modelo que causou o desastre”, disse.
Angelo também criticou o Projeto de Lei 2780/23, que prevê subsídios à exploração de minerais críticos. Outros participantes da audiência condenaram a abertura de leilão de reserva de capacidade energética com possibilidade de contratação de novas usinas termelétricas.
No mesmo sentido Angelo também se mostrou preocupado com a postura contraditória do país às vésperas da Convenção do Clima, e reforçou que “será necessário convencer pelo exemplo e pela diplomacia para chegar a um consenso climático global ambicioso.”
O debate trouxe dados inéditos e propostas concretas da sociedade civil. John Wurdig, gerente de Transição Energética da ARAYARA, apresentou informações obtidas com as ferramentas Monitor Carvão e Monitor Energia sobre mineração e queima de carvão no Brasil. Ele protocolou um ofício à Comissão com sete encaminhamentos formais, que incluem auditoria do TCU sobre os recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) destinados ao carvão, inclusão das áreas degradadas pelo setor no mapa oficial de áreas contaminadas, extinção do Programa para Uso Sustentável do Carvão Mineral, revisão da lei de transição energética de 2022 e criação de um pacto federativo para impedir novas licenças ambientais para usinas a carvão.

Juliano Bueno de Araújo, diretor-presidente da ARAYARA, reforçou a gravidade da situação e propôs medidas contundentes à comissão: a realização de uma CPI para investigar a sonegação e a não devolução de recursos pagos de forma equivocada ao setor carbonífero, especialmente os recursos recebidos da CDE via subconta do carvão mineral da CCEE.
“O setor carbonífero sonega e acumula passivos ambientais em dezenas de municípios. Se os recursos dessa sonegação fossem revertidos em restauração ecológica, teríamos ganhos imensos para as comunidades afetadas”, explicou. Juliano também destacou a importância de audiências públicas nos Estados mais atingidos, como Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Ceará.
A diretora-executiva da ARAYARA, Nicole Figueiredo, acrescentou uma dimensão internacional ao debate, reforçando que o Brasil pode assumir protagonismo na COP30. Ela defendeu que o país integre a Power Past Coal Alliance (PPCA), que reúne 186 países, cidades, regiões e organizações comprometidas com a eliminação gradual do carvão, e que anuncie a interrupção da construção de novas usinas a carvão. “Essa medida não só ajudaria na liderança climática do Brasil, mas também sinalizaria um compromisso claro com o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis”, disse.
O debate também destacou os impactos ambientais e de saúde da atividade carbonífera. A poluição do ar causada pela queima de carvão é um risco grave à população e aos trabalhadores das minas. Além disso, reconhecido pela comunidade científica como uma das maiores fontes poluidoras, a queima do carvão contribui para o aquecimento global e a ocorrência de chuvas ácidas, que afetam solos, águas e a biodiversidade.
Renata Prata, coordenadora de Advocacy da ARAYARA, chamou atenção para propostas legislativas conhecidas como emendas “Jabuti”, que ainda favorecem o carvão. Ela lembrou que, embora mais de 600 propostas tenham sido rejeitadas recentemente, o desafio continua: “A extinção das térmicas já existentes e a prevenção da construção de novas, especialmente após o recente retrocesso no LRCAP, depende da atenção do Legislativo e do Executivo para impedir a expansão dessas térmicas a carvão.”

Casos como o do Complexo Jorge Lacerda, maior usina a carvão da América Latina, foram citados como exemplo de violação de compromissos sociais e climáticos. Foram denunciadas a falta de metas de redução de emissões, de previsão de aposentadoria ou requalificação dos trabalhadores e de responsabilidades pela recuperação ambiental.
A ausência destes pontos são observadas também em outros projetos do setor fóssil, e favorecem a perpetuação de injustiças. Leonardo Araujo, da Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) destacou que para desmistificar a ideia de que a região Sul não tem horizonte sem carvão, é necessário priorizar o diálogo com as populações das regiões carboníferas.
O secretário nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do MMA, Adalberto Maluf, chamou atenção para o impacto econômico da manutenção dos subsídios. “É inaceitável que a população brasileira pague uma conta de luz mais alta para bancar uma matriz energética ultrapassada, que beneficia poucos grupos econômicos e deixa um enorme passivo ambiental”, afirmou.
Internacionalmente, o contexto reforça a urgência da saída do carvão. Dados do Global Energy Monitor mostram que, embora a adição global de energia a carvão tenha caído para o nível mais baixo em 20 anos, a frota mundial continua a crescer. China e Índia lideram a expansão, enquanto Europa e América Latina aceleram desativações e comprometem-se a eliminar gradualmente a energia a carvão. Em muitos países, o phase out do carvão já é prioridade, alinhando-se ao Acordo de Paris e mostrando que o Brasil corre risco de ficar para trás.
Urias Neto, representante do Observatório do Carvão, pontua o Brasil de afasta de uma tendência do restante do continente em se afastar de usinas a carvão. “Essa energia é cara, é poluente, gera gases de efeito estufa, que atenua a nossa emergência climática.”, ressalta.
Lourenço Henrique Moreto, do IDEC, apontou ainda que muitos consumidores não têm conhecimento de estarem pagando taxas mais altas em suas contas de luz por conta de políticas que beneficiam os fósseis.
Os itens propostos pela ARAYARA foram incorporados nos encaminhamentos finais da audiência, e deverão ser avaliados pelos órgãos competentes. O debate marca um ponto de inflexão em que o Brasil pode assumir a dianteira de uma transição energética justa e inclusiva, ou permanecer refém de um modelo fóssil que cobra caro da sociedade e entrega pouco ao país.
Texto baseado nas matérias da Agência Câmara de Notícias e Instituto Internacional Arayara.
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