O governo da cidade de São Paulo aprovou, na última semana, uma lei que proíbe o fornecimento de copos, pratos, talheres, agitadores para bebidas e varas para balões descartáveis feitos de material plástico aos clientes de estabelecimentos comerciais do município, a partir de janeiro de 2021. A regra, apesar de ser mais ampla do que outras normas similares de proibição de utensílios plásticos já existentes – geralmente limitadas a canudos – reacendeu o debate sobre a efetividade da medida no controle e correta destinação do resíduo no país.
O assunto ainda é controverso e as opiniões se dividem entre os que são a favor e os que acham que leis como esta, da forma como estão sendo aplicadas, chegam até a agravar o problema, uma vez que utensílios banidos estariam sendo substituídos por outros de maior volume. Mas todos concordam que a forma como nos relacionamos com o plástico – e como nos desfazemos dele – é um tema que não dá para mais ser negligenciado.
Risco Global
Divulgado na última quarta-feira (15), o Relatório Global de Risco 2020 , do Fórum Econômico Mundial, trouxe mudanças significativas na percepção da sociedade e das economias em relação aos riscos iminentes à humanidade. Segundo a entidade, esta é a primeira vez desde que o documento começou a ser publicado – o relatório está em sua 15ª edição – que todos os principais riscos de longo prazo, em relação à probabilidade, são ambientais.
Nos anos anteriores, problemas econômicos eram considerados as maiores ameaças. Agora, temores de colapso climático e perda de biodiversidade dominam. O uso desenfreado do plástico e a sua incorreta disposição são citados como vilões.
De acordo com o Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente, entre 8 e 13 milhões de toneladas de plásticos são despejadas nos oceanos anualmente , causando um prejuízo estimado de 13 bilhões de dólares para os ecossistemas marinhos.
É como se mais de 60 aviões Boeing 747 pousassem nos mares e oceanos todos os dias, segundo estudo lançado pela ONG WWF , em março de 2019. Nesse ritmo, se nenhuma mudança acontecer em nossa relação com o uso do material, mais de 104 milhões de toneladas de plástico irão poluir nossos ecossistemas até 2030, diz a organização.
Todo mundo já deve ter visto imagens de animais marinhos presos em materiais plásticos ou da sujeira que esses poluentes deixam no oceano. Um vídeo em que uma equipe de biólogos tenta, por agonizantes oito minutos, retirar um canudo da narina de uma tartaruga viralizou em 2015. Foi a partir deste vídeo, inclusive, que leis de proibição de canudos começaram a pipocar por aqui.
Mas será que os canudos – e copos, pratos e talheres – são o principal problema do lixo plástico que, disposto de forma irregular no meio ambiente, encontra os oceanos como seu destino final?
Origem do lixo no mar
Um mutirão de limpeza anual realizado pela organização Ocean Conservancy em 122 países mostrou que, em 2018, as bitucas de cigarro lideraram a lista dos materiais mais encontrados em praias e regiões costeiras, em número de unidades coletadas. Embalagens de alimentos, como sorvetes e balas, ocuparam a segunda posição. Canudos estão em terceiro no ranking, divulgado em 2019 (Veja lista abaixo).
Segundo a organização, desde 2017 todos os 10 itens mais comuns encontrados durante a “Limpeza Costeira Internacional” são feitos de plástico – considerando que os filtros dos cigarros contêm componentes desse material.
Mas isso em número de unidades, não em volume encontrado. Quando o problema é analisado mais de perto – bem mais de perto – fica claro que a culpa pela presença de plástico no mar não pode ser atribuída somente a má educação do banhista que não dispôs corretamente seu canudo.
Perigo que não se vê
Estudo publicado em novembro de 2019 pelo jornal científico americano Limnology and Oceanography Letters sugere que a escala da poluição plástica em nossos oceanos poderia ser um milhão de vezes pior do que anteriormente registrado. Ao analisar o intestino de minúsculos invertebrados que se alimentam por filtração, pesquisadores do Scripps Institution of Oceanography , na Califórnia, encontraram mini-microplásticos não detectados anteriormente, aumentando a magnitude do problema.
Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), a principal fonte de microplásticos nos oceanos não são canudos e copos, mas tecidos sintéticos (mais de 1/3). De fato, em 2016, um estudo conduzido na Universidade de Plymouth , no Reino Unido, calculou que cada ciclo de uma máquina de lavar pode disseminar mais de 700 mil pedaços de microplásticos no meio ambiente.
A segunda maior fonte, de acordo com a IUCN, são os pneus de carros, motos, caminhões e ônibus, que liberam minúsculas partículas de borracha sintética conforme vão erodindo com o atrito nas estradas. Produtos de cuidado pessoal e aglomerados de plástico somam apenas 2,3% do total do problema. (Confira abaixo).
De acordo com o oceanógrafo Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), a contaminação de peixes e frutos do mar por microplásticos – e seu impacto na saúde humana – deve ser analisado com cuidado. Segundo ele, análises preliminares mostram que a contaminação pelo ar é muito maior. No entanto, ele concorda que as fontes de plástico no oceano vão muito além dos itens alvos das leis proibitivas nacionais.
“São várias as origens. O problema é muito complexo e tem que ser trabalhado com transparência e de forma compatível com essa complexidade”, defende.
De maneira geral, aqui no Brasil, por exemplo, os itens plásticos mais encontrados em praias e regiões costeiras são fragmentos sem formato identificado, provenientes de embalagens de uso doméstico, como potes de margarina ou recipientes de produtos de limpeza. O que nos leva a outra questão: a gestão dos resíduos sólidos no país.
Problema à brasileira
Levantamento realizado pelo WWF com base em dados do Banco Mundial mostrou que o Brasil é o 4º maior produtor de lixo plástico no mundo, com 11,3 milhões de toneladas/ano, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Índia.
Deste total, mais de 10,3 milhões de toneladas foram coletadas (91%), mas apenas 145 toneladas (1,28%) foram efetivamente recicladas, ou seja, processadas na cadeia de produção como produto secundário. Segundo levantamento do WWF, este é um dos menores índices de reciclagem plástica registrados na pesquisa, bem abaixo da média global, que é de 9%.
Para resolver este problema, especialistas são unânimes em dizer que é preciso investir na modernização e aplicação de leis que regram o assunto, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Mas esta não parece ser a prioridade do governo, deste e dos anteriores.
Quando assumiu a pasta ambiental, em janeiro de 2019, o ministro Ricardo Salles defendeu o programa “Lixão Zero” como sua menina dos olhos. Agenda ambiental urbana será prioridade total do Ministério do Meio Ambiente, garantiu ele, à época.
Passados 12 meses, a atenção que o setor recebeu não foi bem a anunciada. O orçamento previsto para o PNRS era de R$ 8 milhões. Com o contingenciamento realizado na pasta ambiental no início do ano, esse valor caiu para R$ 1,7 milhões, mas, em todo ano de 2019, apenas R$ 251 mil reais foram efetivamente investidos no estímulo à Política.
Além da falta de investimento efetivo, para Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), as leis brasileiras também falham na metodologia de enfrentamento do problema. Atualmente, para resolver a questão do impacto do plástico, as leis preveem apenas os acordos setoriais de logística reversa entre governos e produtores. O problema é que esses acordos não contam com ferramentas de transparência ou controle social. Isto é, sociedade civil ou Ministério Público não têm voz nas discussões.
Segundo o presidente da Proam, se houvesse maior participação e controle social, esses atores poderiam trazer outras dimensões do problema à mesa de negociações, como o impacto real do plástico nos ecossistemas e para a saúde pública e os custos sociais e ambientais da despoluição.
“A dimensão do problema [trazido pelo uso do plástico] exige que a questão seja tratada como política de saúde pública e saúde ambiental, não pode ser relegada ao tratamento que se dá apenas dentro das premissas do PNRS. Temos que eliminar o plástico a base de petróleo, substituir toda a cadeia e isso a indústria não quer fazer. Ela empurra o máximo que pode, e acaba jogando para o plano social”, diz.
Afinal, banir é a solução?
Desde julho de 2018, quando a cidade do Rio de Janeiro se tornou a primeira do país a banir o uso de canudos de plástico, a efetividade de medidas como esta tem gerado acaloradas discussões e as opiniões são controversas. Por ser mais ampla que leis anteriores vigentes no país – cujo banimento se restringe ao canudo –, a lei paulistana, aprovada na última semana, foi comemorada por algumas entidades e setores.
“Cerca de 95% dos plásticos são descartados após o primeiro uso. As pessoas não entendem o impacto que isso tem, acabam banalizando o uso […] Que isso [lei paulistana] sirva de vitrine sobre como é possível mudar e fazer uma transição para a economia circular”, defendeu Anna Carolina Lobo, gerente do Programa Marinho e Mata Atlântica da organização WWF Brasil.
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em São Paulo (Abrasel SP) também viu com bons olhos a nova lei. Em nota, o presidente da entidade, Percival Maricato, disse a ((o))eco que a medida “trata-se de um esforço válido pelo meio ambiente”.
Do outro lado, estão aqueles que acreditam que o problema da disposição de itens plásticos no meio ambiente é muito complexa para ser resolvida somente com o banimento de certos itens e não funciona nem no aspecto educativo.
“As leis não permitem que as pessoas estabeleçam o nexo entre causa e efeito que leva à mudança de comportamento, simplesmente pelo fato de que elas não sabem qual é o motivador dessa ação e não sabem qual é a consequência da retirada do plástico [de circulação]”, defende o oceanógrafo Alexander Turra.
A Associação Brasileira da Indústria do Plástico (ABIPLAST) também se posicionou contra a medida. Em nota publicada na última terça-feira (14) , a entidade declarou:
“[…] a ABIPLAST acredita que a vilanização e o banimento de materiais plásticos não constituem a maneira ideal de resolver os problemas causados pela má gestão de resíduos sólidos no Brasil e suas consequências para a natureza. A própria ONU Meio Ambiente sugere que, caso não haja avaliações prévias, o banimento pode não ser a melhor solução para a questão. Na forma que tem sido feito, não gera no consumidor a consciência do consumo e o incentivo ao descarte correto”.
De fato, à época da aprovação da lei na cidade do Rio de Janeiro, em 2018, o Sindicato de Bares e Restaurantes da capital carioca (SindRio) reclamou das várias falhas no processo de aplicação da lei, entre elas a falta de diálogo com os envolvidos e falta de incentivos e prazos para que a adaptação fosse feita.
Como consequência, segundo o Sindicato, os canudos foram substituídos por outros itens de maior volume de plástico, como é o caso das garrafinhas, para o consumo de coco, ou de colheres, no caso do milkshake, produtos muito consumidos nas praias cariocas. A cidade, que era para ficar mais limpa, cobriu-se de mais resíduo plástico.
Já naquela época, o SindRio cobrava uma abordagem mais sistêmica do problema. “A principal questão que levantamos é: e os outros elos desse processo? Do produtor do plástico ao gestor de resíduos? Essa discussão não foi colocada na mesa”, argumentou Fernando Blower, presidente do SindRio, em entrevista concedida em 2019 .
Em relação à lei paulistana – e demais leis similares no país – a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) também cobra que o assunto seja tratado de forma mais ampla. Citando dados do IBGE, a entidade lembrou, por exemplo, que apenas 0,03% da produção de resíduos plásticos no país é proveniente de canudos, e 1,7%, de descartáveis. Cerca de 65% dos 6,2 milhões de toneladas de produtos plásticos produzidos em 2018, segundo o IBGE, foram gerados por produtos de ciclo de vida médio e longo, aplicados em diversos setores da economia, como construção civil, máquinas e equipamentos eletrônicos, agricultura e têxteis.
“A melhor forma de lidar com o tema é por meio de uma visão sistêmica e de um diálogo propositivo, claro e objetivo, debatendo o consumo consciente e a economia circular, responsabilizando todos os atores envolvidos: Poder Público, indústria e sociedade, como prevê a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)”, defendeu a entidade.
“O ideal seria que o plástico derivado do petróleo fosse totalmente eliminado, mas não se trata do ideal, se trata da metodologia com a qual nós abordamos o problema a ser solucionado, a estratégia que usamos. E me parece que falta estratégia para o Brasil”, diz Carlos Bocuhy, do Proam.
Atualmente, segundo levantamento preliminar da WWF Brasil, dos 27 estados brasileiros, nove já baniram os canudos plásticos: SP, RJ e ES (Sudeste), RN, PB e MA (Nordeste), SC (Sul), MS e DF (Centro-Oeste). Nenhum estado do Norte aprovou lei semelhante. No nível municipal, 80 cidades já possuem leis em vigor vetando canudos e, em alguns casos, canudos e copos plásticos. A lei paulistana sancionada na última semana é a mais ampla até o momento.
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