Nesta quarta-feira (27), o Senado Federal desafiou o Supremo Tribunal Federal e aprovou por 43 votos a 21 o PL 2.903, que permite o esbulho das terras indígenas. Em poucas horas, o projeto foi votado na Comissão de Constituição e Justiça, teve urgência pedida e foi ao plenário do Senado, onde passou sem dificuldades. Tudo sob a bênção de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente da Casa.
O projeto de lei, que agora será encaminhado à mesa do presidente Luiz Inácio Lua da Silva, estabelece o chamado marco temporal, tese segundo a qual indígenas que não estivessem ocupando suas terras em outubro de 1988 perderiam direito a elas. Há exatamente uma semana, no dia 21, o STF rejeitou por 9 votos a 2 o marco temporal, considerado inconstitucional.
Senadores da base do governo e da oposição cometeram um inédito desrespeito ao Supremo, alegando (falsamente) que a corte cometeu “ativismo judicial” ao julgar a constitucionalidade do marco temporal e outras teses contrárias à agenda da extrema-direita, como a descriminalização da maconha e do aborto. Realizam, dessa forma, o desejo do ex-presidente Jair Bolsonaro de um país onde decisão do Supremo não se cumpre.
Como bem notou o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), qualquer criança sabe que não é possível rever por projeto de lei uma decisão do Supremo. Só que o PL 2.903 vai bem além do marco temporal: ele ataca o coração do próprio conceito de terra indígena. Em vez de ser um bem indissociável do modo de vida desses povos, as terras se tornam uma mercadoria que pode ser comprada, vendida e arrendada.
Ele também permite contestar demarcações em qualquer momento do processo, decretar a suspeição de antropólogos no exercício de seu trabalho, arrendar terras indígenas, instalar nesses territórios atividades impactantes sem consulta prévia e até reverter homologações já feitas. O projeto permite à União, ainda, retomar “reservas indígenas” caso se verifique “alteração dos traços culturais” da comunidade – um dispositivo racista que fede às teses de “integração do índio” da ditadura militar. Além disso, acaba com a política da Funai do não-contato com grupos isolados, permitindo que até mesmo empresas privadas e missionários evangélicos façam contato com esses povos.
O único destino possível do desatino aprovado pelos senadores é o veto integral pelo Presidente da República. Somente assim Lula poderá cumprir a Constituição e as promessas que fez ao ser eleito de resgatar a dívida histórica do Brasil com os povos indígenas e priorizar o combate ao desmatamento e à crise do clima.
REAÇÕES DE MEMBROS DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA
“O Senado quer perpetuar o genocídio indígena. Esse projeto de lei legaliza crimes que ameaçam as vidas indígenas e afetam a crise climática. O PL é inconstitucional e o Supremo já anulou o marco temporal, mas o projeto possui muitos outros retrocessos aos direitos indígenas para além do marco. Seguimos na luta e cobramos para que o Lula vete esse projeto e concretize seu compromisso com os povos indígenas” – Kleber Karipuna coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
“A decisão do Senado sobre o PL 2.903 vai muito além de uma briga de poder entre Congresso e STF. O texto consolida a tese absurda do marco temporal, mas, no estilo Cavalo de Troia, traz consigo a possibilidade de interferência em povos isolados para intermediar atividade estatal de utilidade pública – sem especificar o que diabos é isso -, permite de forma genérica a instalação de estradas em terras indígenas, admite a exploração de recursos ditos estratégicos sem consulta às comunidades. A lista de absurdos é grande. Assim como é vergonhoso ver nossos representantes aprovarem essa proposta, é muito triste constatar a dificuldade que o governo tem para barrar decisões que desmontam direitos fundamentais consolidados desde a democratização do país. Há processos em que qualquer tipo de negociação deveria ser afastada.” – Suely Araújo, especialista-sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima.
“O Senado vai na contramão da Constituição ao legislar em favor de tese declarada inconstitucional pelo STF. Infelizmente, a bancada ruralista não se conforma com um dos principais papeis das Supremas Cortes nas democracias: a defesa dos direitos fundamentais das minorias. Por outro lado, infelizmente, o governo cede ministérios e dinheiro de emendas parlamentares, mas fica sem votos. Dessa forma, promessas fundamentais feitas pelo presidente Lula, como a continuidade das demarcações e a proteção aos direitos e das Terras Indígenas, são descumpridas.” – Juliana de Paula Batista, advogada do ISA (Instituto Socioambiental).
“O Brasil não dá um minuto de paz ao povos indígenas. Ontem, foi o marco temporal, imposto pela bancada ruralista e sabiamente rejeitado pelo STF. Hoje, foi o PL 2.903/2022, aprovado no Senado. E assim, de batalha em batalha, os povos originários seguem pedindo respeito e proteção aos seus direitos fundamentais, bem como para as florestas que lhes servem de lar.” – Danicley de Aguiar, Coordenador da Frente de Povos Indígenas no Greenpeace Brasil.
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