Obter um retrato fiel da situação dos povos indígenas em um país de dimensões continentais como o Brasil não é das tarefas mais fáceis. Afinal, são centenas de tribos milenares espalhadas por todo o território nacional. Esse é um dos desafios do Censo 2020, que visitará 618 terras indígenas a partir de 1º de agosto, um aumento de mais de 20% na comparação com 2010.
Para alinhar a metodologia e divulgar as mudanças planejadas na coleta, o IBGE sediou na semana passada (4 e 5), no Rio de Janeiro, o “X Seminário de Demografia dos Povos Indígenas no Brasil”, com participação de representantes de organizações governamentais, lideranças indígenas e estudiosos do tema.
Uma nova metodologia de recolhimento de informações será posta em prática. Para isso, foi criada uma série de adaptações e inovações para melhorar a contagem, reduzir problemas de cobertura, lidar com a recusa das respostas e diminuir o tempo de coleta.
Todo processo de desenvolvimento começou em 2018, envolvendo o Comitê Técnico do Censo, além das comissões de Planejamento e Orçamento e Consultiva. Depois, essas mudanças foram aprovadas por órgãos e associações interessados no tema, como a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e diversas organizações de movimentos indígenas.
Tendo como base as provas pilotos, o Censo Experimental e o Censo Agro 2017, a equipe à frente do Censo 2020 conseguiu traçar uma linha de atuação que permitirá uma abordagem diferenciada em territórios indígenas, melhorando os resultados da próxima operação censitária.
Um dos principais obstáculos a ser superado é o percentual não informado de indígenas em áreas urbanas. Para isso, foram criadas as Áreas de Interesse Estatístico-Operacional, locais onde há registro de população indígena junto com não indígenas. Nessas áreas, assim como nas terras indígenas, os Dispositivos Móveis de Coleta (DMC), que contarão com geolocalização, abrirão perguntas diferentes quando verificar que está em áreas indígenas. Redação diferente, perguntas extras, subtexto explicativo, tudo adaptado para os povos remanescentes originários.
Já a abordagem inicial é tratada com extrema relevância pela organização. Recenseadores, supervisores e coordenadores que atuarão em territórios indígenas terão um dia extra de treinamento. “Ninguém vai chegar sem ter passado por um treinamento diferenciado. A ideia é que os profissionais aprendam a respeitar os tempos, os espaços, os costumes, as normas e os procedimentos diferenciados de chegada, de negociação e de encerramento do trabalho, além das normas de condutas das áreas e adaptações nas perguntas”, justifica a coordenadora do Projeto de Povos e Comunidades Tradicionais no Censo 2020, Marta Antunes.
A operação do Censo também contará com pontos focais do grupo de trabalho dos povos e comunidades tradicionais, treinados para garantir que as áreas indígenas não sejam tratadas sem a devida importância.
Outra novidade para 2020 será uma sala específica para monitorar a situação da colheita de informações dos povos indígenas, em diálogo aberto com os movimentos e órgãos interessados.
Lideranças indígenas terão papel fundamental
A organização do Censo 2020 também aposta no papel das lideranças indígenas para melhorar a coleta das informações. Além do recenseador, trabalharão em conjunto guias-tradutores e uma liderança indígena destacada, que será responsável por explicar o que é o Censo e a importância de responder os questionários aos demais.
“Precisamos sensibilizar os indígenas para responder ao Censo. Ninguém sabe o que é o IBGE na maioria das terras. Em algumas áreas, nossas perguntas não têm sequer tradução para as línguas locais”, explicou Marta.
Nesse processo inicial de abordagem à liderança, o Censo aplicará um questionário para o agrupamento, coletando informação sobre as aldeias e se aproximando do líder local. “Não basta contar somente quantos índios há no Brasil. Nós queremos que o país se enxergue como multiétnico na sua essência”, afirma Ricardo Weibe Tapeba, representante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (APOINME), que participou do seminário.
Para Weibe Tapeba, a expectativa é que o Censo 2020 traga informações mais precisas com relação ao perfil da população indígena. “Estamos trabalhando para que a estratégia de coleta seja mais aproximada da nossa realidade”, disse.
Representante da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) presente no evento, Adão Francisco Henrique vê no próximo Censo a oportunidade dos povos indígenas justificarem suas demandas ao poder público. “Os nossos principais desafios são o acesso à Educação e Saúde. É importante a gente acompanhar o Censo para que ele nos informe a situação nas aldeias”, defendeu.
O post “Seminário mostra como superar desafios de retratar povos indígenas no Censo” foi publicado em 9th December 2019 e pode ser visto originalmente na fonte Home