As manicures venezuelanas Sliany, 32, e Francis, 21, chegaram ao Brasil há um mês compartilhando o mesmo receio: como conseguir sustento com a pandemia do novo coronavírus, dada a redução de oportunidades de emprego e geração de renda causada pelas medidas de isolamento social.
Com a atividade comercial no país bastante paralisada e a redução drástica de contratações por parte das empresas, elas não imaginavam que a perspectiva de reconstruir suas vidas no Brasil enfrentaria essas dificuldades adicionais.
Ambas não desistiram, e com a resiliência característica das pessoas refugiadas, distribuíram currículos, procuraram possíveis empregadores mas nada conseguiram. Sem perspectivas, Sliany e sua família (marido e três filhos) foram viver com a mãe, nos arredores de Brasília. Francis, que estava temporariamente na casa de amigos, alugou um quarto, também no Distrito Federal, e se mudou para lá com o companheiro e um filho.
Na casa da mãe de Silany a situação também estava complicada. Outras cinco pessoas já moravam no local e ela, que chegou ao Brasil em agosto de 2019 e vinha realizando trabalhos domésticos informais, teve esta fonte de renda suspensa pelas normas de isolamento social. Com três meses de aluguel atrasado, as ameaças de despejo batiam à porta.
Mesmo com estes frágeis arranjos iniciais, as duas venezuelanas seguem com preocupações comuns a várias pessoas refugiadas (e também brasileiros) que perderam suas fontes de renda com a redução da atividade econômica causada pela pandemia da COVID-19: a vida segue, as contas chegam e é preciso ter dinheiro para manter a família com dignidade e segurança.
Para responder aos desafios adicionais gerados pelo novo coronavírus e apoiar a população refugiada em situação de maior vulnerabilidade durante o período da pandemia, o ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) está fortalecendo seu programa emergencial de apoio financeiro – conhecido como CBI (da sigla em inglês para Cash Based Intervention).
Sliany e Francis estão entre as mais recentes beneficiárias deste programa. Ambas receberam no mês passado o cartão eletrônico “Apoio ACNUR”, por meio do qual poderão realizar saques ou fazer pagamentos para cobrir despesas urgentes e prioritárias, como moradia, alimentação e saúde.
“Isso nos dará muito mais tranquilidade. Poderemos assegurar o pagamento do aluguel e luz, além de fraldas e alimentos”, conta a mãe de Sliany, que acompanhou a filha quando ela recebeu o cartão do programa CBI na sede do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), entidade parceira do ACNUR no atendimento a pessoas refugiadas no Distrito Federal.
“É um apoio muito importante. Sem esse dinheiro eu estaria na rua com meu companheiro e meu filho”, reconhece Francis, também beneficiada pelo programa por meio da parceria entre ACNUR e o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), entidade que atende pessoas refugiadas no Distrito Federal. “Poderei também comprar os medicamentos do meu marido e fraldas para meu filho mais novo”, completa Sliany.
Cobertura nacional – Nos primeiros quatro meses do ano, o ACNUR desembolsou pouco mais de um milhão de reais em transferências de CBI. Quase 700 famílias foram atendidas até agora, sendo 563 delas chefiadas por mulheres. No total, mais de duas mil pessoas já foram beneficiadas pelo programa neste ano.
De acordo com os dados do ACNUR, a maioria dos beneficiários neste ano é de nacionalidade venezuelana, o que reflete o grande fluxo de refugiados e migrantes deste país no Brasil. Mas o programa também atendeu famílias refugiadas da República Democrática do Congo, da Colômbia, de Cuba, da Síria e do Marrocos, entre outros. Os apoios financeiros são feitos pelos parceiros do ACNUR e acontecem em várias partes do país.
Na capital paulista, o atendimento do programa de CBI é feito pela Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, também parceira do ACNUR. A venezuelana Vanessa, de 30 anos, esteve recentemente na sede da organização para receber o cartão do programa.
Ela mora há um ano no Brasil e a reviravolta econômica gerada pela pandemia agravou suas preocupações e dificuldades de conseguir um emprego. “Tenho dormido e acordado com a preocupação de como será o dia de amanhã”, revela a atendente, atualmente desempregada.
“Estou com dificuldades financeiras para manter minha vida, que é simples, mas também aguerrida”, afirma Vanessa. “Neste momento não consigo trabalho e estava contando com a ajuda de vizinhos para me manter com meus quatro filhos. Este cartão do ACNUR ajudará muito nossas vidas nesse momento”, conta.
Critérios – A seleção dos beneficiários é feita a partir de critérios acordados entre a Agência da ONU para Refugiados e equipes de assistência social das instituições parceiras. As pessoas precisam estar com documentos brasileiros, como o protocolo de solicitante de refúgio, o protocolo de residência e o CPF. São considerados critérios de vulnerabilidade a incapacidade de atender necessidades básicas, crianças desacompanhadas, pessoas com condições médicas sérias ou com necessidades especiais, pessoas idosas em risco, pais e mães solteiros e pessoas sobreviventes de violência.
O benefício também tem sido fundamental no apoio à estratégia de interiorização, implementada pelo governo federal no âmbito da Operação Acolhida e que transfere voluntariamente refugiados e migrantes venezuelanos vivendo em Roraima e Amazonas para outras regiões do país com melhores perspectivas de integração econômica e social.
Quem é interiorizado para outras cidades com uma vaga de trabalho e fica fora de abrigos apoiados pelo ACNUR recebe o benefício para comprar itens básicos e pagar o aluguel até o recebimento do primeiro salário. Quem está abrigado, recebe os recursos para cobrir despesas da família e se estabilizar financeiramente, criando condições para deixar o abrigo e se tornar autossuficiente na cidade de acolhida.
Com a pandemia da COVID-19, vários solicitantes de refúgio e refugiados necessitam um apoio complementar para garantir sua proteção – especialmente em questões de saúde. Normalmente, estas pessoas acessam o sistema público de saúde, que atualmente está sobrecarregado com a resposta à pandemia. Assim, necessitam de um apoio adicional para cobrir custos com medicamentos e outras intervenções difíceis de conseguir neste momento por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
“O apoio financeiro às pessoas refugiadas permite que elas atendam suas necessidades de maneira digna e contribuam para a economia local de forma assertiva. O programa de CBI do ACNUR fornece proteção, assistência e serviços a quem está numa situação de maior vulnerabilidade, de acordo com suas reais necessidades”, afirma Cecilia Alvarado, responsável pelo programa do ACNUR no Brasil.
A distribuição do apoio acontece de acordo com os critérios de vulnerabilidade. “Os valores variam de acordo com o perfil e as necessidades dos grupos familiares”, explica Paula Coury, Gerente de Integração do IMDH. “São muitas pessoas, então as ajudas são necessárias para que as famílias possam se organizar, estabilizar e passar a gerar sua própria renda”, explica.
“Temos notado uma crescente demanda de solicitações de ajuda por parte das pessoas refugiadas, principalmente para cobrir duas despesas essenciais: aluguel e compra de alimentos. Estamos ampliando os canais de comunicação para atender às demandas, mas estamos recebemos em média 50 pedidos por dia”, destaca Cleyton Abreu, coordenador da Caritas São Paulo.
Tanto o IMDH quanto a Cáritas SP (assim como outras organizações parceiras do ACNUR) estão ajustando seus procedimentos para continuar realizando as transferências do programa CBI às pessoas refugiadas mais vulneráveis. As avaliações de vulnerabilidade têm sido feitas remotamente – por telefone ou videoconferência -, e documentos que antes eram apresentados fisicamente podem agora ser enviados eletronicamente, por email ou aplicativo de celular.
As informações enviadas são checadas no ProGress, sistema eletrônico de registro do ACNUR adotado em todo país.
Os beneficiários que recebem o cartão pela primeira vez são atendidos presencialmente. Os que já possuem os cartões têm os valores recarregados eletronicamente. Em média, os desembolsos duram três meses, podendo ser renovados a partir de uma nova análise de vulnerabilidade.
Apoio de doadores – O ACNUR financia o programa de CBI no Brasil graças ao apoio de doadores. Estes recursos podem ser usados em diversas atividades e se somam a doações específicas do governo de Luxemburgo e do Fundo Central das Nações Unidas de Resposta à Emergência (CERF) para esta atividade.
Além das ações de CBI, os fundos também financiam a distribuição de itens não-alimentares de primeira necessidade (como kits de higiene pessoal e limpeza) e atividades de prevenção e enfrentamento à violência de gênero e por exemplo.
As doações do governo de Luxemburgo ainda apoiam o projeto LEAP (Liderança, Empoderamento, Acesso e Proteção), voltado a mulheres refugiadas, solicitantes de refúgio e migrantes. Este projeto é implementado pelo ACNUR com a ONU Mulheres e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) para promover iniciativas de empoderamento e integração de venezuelanas no Brasil.
Para 2020, o objetivo do ACNUR é atender cerca de 15 mil pessoas por meio do programa emergencial de apoio financeiro, sendo necessário um orçamento de aproximadamente 2 milhões de dólares. Ainda é necessário arrecadar 1,2 milhão de dólares para alcançar este objetivo, sendo que a pandemia da COVID-19 tem aumentado o número de refugiados vulneráveis e potenciais beneficiários do programa.
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Fonte
O post ““Sem esse dinheiro eu estaria na rua”, diz venezuelana apoiada pelo ACNUR” foi publicado em 13th Maio 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ONU Brasil