DO OC – A Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou nesta quarta-feira (4/10) o Projeto de Lei 412/2022 , que regulamenta o mercado de carbono brasileiro. O texto foi aprovado por unanimidade, após a costura de um acordo pela relatora da matéria, senadora Leila Barros (PDT-DF), com a bancada ruralista. O agronegócio foi excluído das medidas obrigatórias para redução das emissões de gases de efeito estufa, manobra que dividiu especialistas. Para Tasso Azevedo, coordenador do consórcio MapBiomas e arquiteto do Fundo Amazônia, a exclusão do setor que responde por 75% das emissões do Brasil transformou o PL que seria “um dos mais sofisticados do mundo” numa lei “nanica”.
“Não há mercado de carbono que exista retirando o setor que mais tem emissões. Em outros países que têm mercados e não tem agro, isso se deve ao fato de que essa não é a principal fonte de emissões, e sim os combustíveis fósseis”, afirma o engenheiro florestal, que ajudou a redigir o decreto que estabeleceu a necessidade de um mercado de carbono no Brasil, em 2010.
O texto aprovado nesta quarta-feira cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que terá participantes em dois níveis: empresas ou pessoas físicas que emitirem mais de 10 mil toneladas de CO2 equivalente (tCO2e) por ano deverão reportar suas emissões obrigatoriamente, mas não terão meta de redução. Já emissores que despejem mais de 25 mil tCO2e anuais na atmosfera serão obrigados a reduzir. A definição já estava prevista na penúltima versão apresentada pela relatora. O que mudou no texto final é que a produção primária agropecuária foi nominalmente excluída, independentemente do quanto for emitido pelo setor.
“A melhor opção era a versão anterior, que deixava aberta a possibilidade de entrada de setores diversos gradualmente, de acordo com critérios técnicos. Havia uma margem para que se discutisse com mais tempo com o próprio setor, durante a regulamentação do PL”, avalia Guarany Osório, coordenador do Programa Política e Economia Ambiental do GVCES (Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV).
No entanto, ele destaca que o agronegócio não foi retirado da política climática brasileira e que há outros mecanismos mais adequados para induzir a redução de emissões do setor. “A política de clima de um país não tem uma ‘bala de prata’. Não há um instrumento único de política pública que vá resolver todas as emissões. Não é com mercado de carbono regulado que se vai combater desmatamento ilegal, e sim com comando e controle. O Brasil precisa ter um pacote de instrumentos para cumprir suas metas, e está desenvolvendo isso. O mercado de carbono é uma peça na engrenagem”, afirma.
Azevedo diz que, caso a exclusão permaneça, o país joga fora uma ferramenta importante para reduzir emissões. Ele explica, ainda, que considerada a taxa de 25 mil toneladas de emissões de CO2 equivalente ao ano, a medida atingiria menos de 1% dos produtores. “Quem está sendo protegido? Quem desmata. Aqueles que produzem com base no desmatamento são os que têm altas emissões. Esse PL, se não tirasse o setor de agropecuária, seria um dos mais inovadores do mundo. É uma coisa muito boa transformada em um projeto nanico”.
O mercado regulado de carbono busca induzir a descarbonização da economia e funciona através de limites de emissão (“cap”) e do comércio de permissões de emissão gerados por quem reduzir mais do que precisava (“trade”). No caso brasileiro, o Plano Nacional de Alocação vai definir as Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs), ou seja, a quantidade de CO2 equivalente a que cada participante do mercado tem direito. As cotas podem ser compradas por aqueles que não atingirem suas metas de emissão.
Além das CBEs, há um outro ativo comercializável: o Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE). Esse crédito é gerado quando há efetiva redução nas emissões, e também pode ser comprado e vendido para atenção às metas – inclusive internacionalmente, para que países cumpram suas metas no Acordo de Paris. Cada cota ou CRVE representa 1 tonelada de CO2 equivalente. “O [o mercado regulado] é um instrumento que ajuda ao mesmo tempo a induzir transformações e a reduzir as emissões da forma mais custo-efetiva, ou seja, da forma mais barata possível”, analisa Osório.
O PL 412/2022 determina, ainda, a garantia dos direitos de comunidades tradicionais e indígenas na comercialização de Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões e de créditos de carbono, condicionado a salvaguardas ambientais e ao consentimento das comunidades, que deve ser obtido via consulta prévia, livre e informada. O ponto também é considerado um avanço pelos especialistas ouvidos pelo OC, que relatam que hoje, sem regulação, há inúmeras denúncias de violações para a negociação de créditos com essas comunidades.
No Senado, a bancada ruralista argumentou que era preciso “mais tempo” para que o agronegócio entrasse na definição de metas de redução de emissões, já que a mensuração e verificação seria mais complexa do que nos setores da energia e da indústria. Tereza Cristina (PP-MS), por exemplo, falou que é preciso “segurança nas métricas”, o que exigiria mais tempo de estudos.
O argumento é enganoso: as emissões agregadas do setor agropecuário são medidas no Brasil há mais de duas décadas, e todos os anos elas são atualizadas pelo SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima). É possível desenvolver métricas que cheguem ao emissor individual – computando, por exemplo, consumo de fertilizantes na fazenda, número de cabeças de gado, área sob plantio direto e consumo de calcário.
“Caso a limitação fosse de alguma maneira a forma de calcular as emissões, isso poderia ser colocado como uma condicionante para entrar no mercado. Da mesma forma que há salvaguardas para não prejudicar setores econômicos na inserção no Plano, poderia haver uma cláusula definindo que só pode entrar no mercado com sistemas de monitoramento estabelecidos. Não é uma questão técnica”, podera Tasso Azevedo.
O projeto tramita de forma terminativa nas comissões, ou seja, vai agora à Câmara, a menos que haja um pedido para que seja discutido também no plenário do Senado. (LEILA SALIM)
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