Em todo o mundo, as profissionais do sexo estão sendo esquecidas nas respostas dos governos à crise da COVID-19. À medida que as trabalhadoras do sexo e seus clientes se auto isolam, elas se veem desprotegidas, cada vez mais vulneráveis e incapazes de sustentar a si mesmas e suas famílias. No Equador, o Coletivo Flor De Azaleia (Associação de Mulheres Profissionais do Sexo) destacou a súbita falta de apoio e acesso a serviços básicos enfrentados pelas profissionais do sexo. “As trabalhadoras do sexo sofreram um grande impacto devido à emergência de saúde. Vamos para as ruas com muito receio e temos medo de ser violadas. Não temos dinheiro para comida, aluguel, remédios; serviços de saúde estão fechados. Não há acesso a preservativos e colegas morreram devido à COVID-19”, disse o Coletivo Flor De Azaleia.
De acordo com a diretora-executiva do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) , a lei de direitos humanos exige que os direitos humanos sejam inalienáveis, universais, interdependentes e indivisíveis. “Garantir que essa seja uma realidade para todos — especialmente os mais vulneráveis — é essencial durante esta pandemia, mas também irá criar as comunidades resilientes que precisamos para emergir dela”, afirmou.
Enquanto as profissionais do sexo relatam interrupções no fornecimento de preservativos devido à pandemia, as profissionais do sexo que vivem com HIV dizem que estão perdendo o acesso a medicamentos essenciais também. Na Suazilândia, país da África meridional, a organização Voz das Nossas Vozes (tradução literal do inglês Voice of Our Voices) relata que “para aqueles que estão em tratamento de HIV, é difícil cumprir as visitas médicas, pois não há transporte. Além da dificuldade de conseguir os insumos de prevenção”.
Com o trabalho sexual criminalizado em quase todos os países, as profissionais do sexo também são mais vulneráveis a medidas punitivas ligadas à aplicação de restrições da COVID-19. O aumento do policiamento pode expor as profissionais do sexo a mais assédio e violência, e em vários países já levou a ataques domiciliares, testes obrigatórios da COVID-19 e a prisão e ameaça de deportação de profissionais do sexo migrantes. Para aquelas que são levadas às ruas pela falta de moradia, como acontece com muitas profissionais do sexo migrantes e que trabalham em bordéis, a falta de apoio significa pouca segurança ou meios para atender às exigências do governo.
A criminalização do trabalho sexual na maioria dos países também apresenta desafios particulares para acessar o apoio do governo. Nos Estados Unidos, o SWOP-Tucson (Projeto de Apoio a Profissionais do Sexo) explicou que “muitos desses esquemas exigem prova de que o emprego foi perdido ou reduzido como resultado da COVID-19. Como o trabalho sexual é criminalizado, não é possível fornecer a documentação necessária e a prova de desemprego ou pobreza. Assim, as trabalhadoras do sexo não podem obter subsídios para aluguel/hipoteca, abatimentos no pagamento de serviços públicos ou cheques de desemprego”.
Mesmo em países onde o trabalho sexual é legalizado até certo ponto, muitas profissionais do sexo estão descobrindo que o sistema de benefícios estendidos aos trabalhadores do setor formal não os inclui. É o caso da Alemanha, por exemplo, onde as profissionais do sexo encontram barreiras ao acesso a apoio a quem vive fora do sistema. Embora o governo tenha fornecido um pacote para trabalhadores autônomos (registrados), as profissionais do sexo não foram abordadas de maneira alguma em particular, e não há possibilidade para alguém que mora aqui ilegalmente acessar dinheiro deles.
À medida que a crise global se aprofunda, as profissionais do sexo são cada vez mais confrontadas com a difícil escolha entre o isolamento sem renda ou apoio, ou o trabalho em situação de risco para sua própria saúde e segurança. Outro problema é que a maioria das oportunidades de moradia acessíveis a curto prazo foram fechadas enquanto as profissionais do sexo lutam para pagar o aluguel ou pagar as taxas dos quartos de hotel. Esse desaparecimento de moradias de curto prazo, juntamente com o fechamento de locais de trabalho, resultou em uma súbita falta de moradia para profissionais do sexo em vários países, uma situação especialmente agravada para profissionais do sexo migrantes, muitas das quais também estão presas por fechamentos de fronteiras.
Apesar da contínua exclusão das comunidades de profissionais do sexo dos grupos emergentes de planejamento de saúde pública, as profissionais do sexo começaram a coordenar suas próprias respostas à crise. Várias campanhas de ajuda mútua e de angariação de fundos de emergência foram criadas, permitindo que profissionais do sexo e organizações de profissionais do sexo acessem e distribuam fundos e itens essenciais. Uma dessas iniciativas foi realizada pela And Soppeku, uma organização liderada por profissionais do sexo no Senegal, que distribuiu pacotes de alimentos e kits de higiene para membros em três regiões (Dakar, Thies e Kaolack). Iniciativas semelhantes estão sendo desenvolvidas em todo o mundo na ausência de ação e apoio do governo.
No entanto, a auto-organização de indivíduos e grupos não deve ser considerada um substituto para o apoio governamental urgentemente necessário. Os governos são obrigados pela lei internacional de direitos humanos a respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos, sem discriminação, mesmo em tempos de emergência.
Profissionais do sexo e organizações de trabalhadoras do sexo estão pedindo uma proteção igual nos termos da lei e acesso ao apoio à renda e aos cuidados de saúde. O UNAIDS se une a este chamado, destacando a importância de uma abordagem baseada nos direitos humanos às respostas da COVID-19, centrada no empoderamento e no envolvimento da comunidade.
*As citações usadas neste artigo foram coletadas na Pesquisa de Impacto da COVID-19 realizada pela NSWP, que está coletando respostas de profissionais do sexo e organizações de profissionais do sexo para monitorar o que os governos estão fazendo no momento.
Fonte
O post “Resposta à COVID-19 deve proteger direitos das profissionais do sexo, diz UNAIDS” foi publicado em 6th May 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ONU Brasil