Raquel identifica uma “guerrilha informativa entre governo federal, estados, municípios e o próprio Ministério da Saúde” Créditos da imagem: Arquivo pessoal Raquel Recuero
Dairan Paul
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (UFSC) e pesquisador do objETHOS
A fake news mais recente – e que em breve deve ser substituída por outra – afirma que água tônica é a cura para o coronavírus. Até o Twitter emitiu notificação para seus usuários, alertando sobre a mentira. É nessa mesma rede, porém, que um volume considerável de desinformação circula diariamente.
Raquel Recuero, professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), fez um teste : analisou os tweets sobre coronavírus com maior repercussão (compartilhamentos) em 23 de março. Seus resultados indicaram a existência de uma “guerrilha informativa entre governo federal, estados, municípios e o próprio Ministério da Saúde”, o que contribui para a polarização da rede. Soma-se ainda a presença de autoridades políticas na confecção das desinformações, o que influencia e potencializa a disseminação. São esses atores que conferem sua própria credibilidade ao conteúdo enganoso, o que acaba “lavando” a origem duvidosa das fake news, na explicação da pesquisadora.
Autora de diversos artigos e livros sobre mídias sociais, Recuero tem se dedicado a estudar tanto soluções no combate às fake news como o papel desempenhado pelos filtros-bolha na circulação de informação. Além de lecionar na UFPel, é também vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Em um de seus artigos mais recentes , Recuero aborda de que forma núcleos ideológicos limitam parte das desinformações que circulam no Twitter. Outra pesquisa analisa conteúdos enganosos disseminados nas eleições de 2018, observando como o viés da moralidade também serve de estratégia para legitimar esses discursos.
A seguir, a pesquisadora conversa com o objETHOS a respeito das fake news que circulam sobre o coronavírus e a lógica da desinformação em diferentes plataformas:
Suas análises a respeito do COVID-19 se detiveram, até então, na desinformação. Do que você observa nas redes, esse conteúdo enganoso consegue disputar espaço com mídias jornalísticas tradicionais?
Sim, até porque boa parte deste conteúdo é produzido e reproduzido por veículos que se dizem análogos à mídia tradicional. Por exemplo, veículos hiperpartidários que reproduzem conteúdo alinhado com o seu discurso político.
Mas o principal é que a desinformação circula em espaços diferentes dos desmentidos. Assim, se temos uma teoria da conspiração explicitando que o coronavírus foi criado pela China para acabar com a economia mundial, esse discurso vai circular em um espaço onde o discurso científico – que prova que esse vírus não foi criado em laboratório – não vai andar.
Em sua análise no Medium, você menciona que a participação de autoridades contagia a desinformação e mobiliza outras pessoas. No caso do COVID-19, diferentes informações circulam dentro do governo, entre o presidente Jair Bolsonaro e o Ministério da Saúde. Como isso se reflete nas disputas discursivas entre os grupos, no Twitter?
Sim, foi exatamente isso o que tentei mostrar naquele texto.
Como há discursos diferentes – e que, por vezes, são antagônicos – eles tendem a seguir a polarização da época das eleições.
Essas análises do coronavírus foram feitas a partir das conversações realizadas no Twitter. Existem particularidades na circulação de conteúdo enganoso em outras redes, como Whatsapp e Facebook, ou a lógica da desinformação é semelhante?
Nós temos também alguns artigos sobre o WhatsApp. A lógica é diferente. Enquanto o WhatsApp circula a informação por grupos privados, principalmente (grupo de família, de amigos etc.), é mais difícil conseguir que a informação que desmente esse tipo de conteúdo circule nos mesmos espaços.
Já o Twitter e o Facebook, por serem um pouco mais públicos, circulam mais desmentidos. O WhatsApp, por exemplo, tende a ter muita teoria da conspiração e informação fabricada, enquanto nas outras redes (ao menos em seus espaços mais públicos), circula mais informação manipulada , ou seja, baseada em fatos, porém com algum tipo de distorção.
Em artigo anterior , você observa que a avaliação moral é uma das estratégias de legitimação das informações falsas ou distorcidas. Como o sistema de valores da moralidade potencializa a circulação dessas informações?
O discurso do bem contra o mal continua muito forte, principalmente por conta da polarização. Ele se associa muito ao discurso religioso, mas não apenas. É caracterizado principalmente por uma narrativa de heroísmo e antagonismo.
Publicado originalmente no Objethos:
https://objethos.wordpress.com/2020/04/16/raquel-recuero-a-desinformacao-circula-em-espacos-diferentes-dos-desmentidos/
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O post “Raquel Recuero: “A desinformação circula em espaços diferentes dos desmentidos”” foi publicado em 21st April 2020 e pode ser visto original e diretamente na fonte