A Organização Mundial de Saúde (OMS) dá o nome de saneamento ambiental ao controle de todos os fatores que possam acarretar efeitos nocivos ao bem estar físico, mental e social das pessoas. O sistema jurídico de saneamento ambiental (também chamado de “agenda ambiental marrom”) é formado pelas leis que cuidam da qualidade de vida nas cidades, em especial ao combate da poluição da água, do solo e do ar.
Em 2007, depois de uma longa discussão em âmbito legislativo, foi editada a Lei 11.445, estabelecendo as diretrizes para o saneamento básico no Brasil. Por saneamento básico, entende-se o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de público de água potável, esgotamento sanitário a partir das ligações prediais até o lançamento final no meio ambiente. limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos (coleta, tratamento e destino final do lixo doméstico e de varrição de vias públicas) e drenagem e manejo das águas pluviais. Três anos mais tarde, a Lei 12.305 nos trouxe a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
A ausência de saneamento básico nas favelas brasileiras, aliada à impossibilidade de estabelecer-se um distanciamento mínimo entre as pessoas, constitui neste momento uma bomba relógio que elevará o número de vítimas fatais a níveis alarmantes.
Segundo David Harvey, nas epidemias de cólera do século XIX, a transcendência das barreiras de classe foi suficientemente dramática para gerar o nascimento de um movimento público de saneamento e saúde que perdurou até os dias de hoje. No entanto, observa o autor, nem sempre foi claro se esse movimento foi projetado para proteger todos ou apenas as classes altas. Podemos dizer que, no Brasil, um país que preserva quase que inalterada a mentalidade escravocrata, definitivamente o saneamento ambiental é privilégio dos brancos e ricos.
O Direito Ambiental é um ramo do Direito. Suas bases são constitucionais. A primeira preocupação que devemos ter é com a própria efetividade do Direito – ou seja, com a defesa do Estado de Direito, isto é, a certeza de que as regras do jogo serão sempre respeitadas, sobretudo por aqueles que a estabeleceram (o poder público).
Os objetivos fundamentais de nossa República encontram-se no artigo 3º da Constituição Federal. Quero destacar aqui alguns aspectos desse artigo, tendo sempre em mente o completo descaso para com o saneamento no Brasil e o indisfarçável racismo ambiental, doença que persiste em nosso país, a despeito da abolição da escravatura em 1888. O inciso IV deste artigo dispõe que é objetivo da República a promoção do bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O artigo 4º da Constituição, por sua vez, impõe que o Brasil, em suas relações internacionais, reja-se pelos princípios da prevalência dos direitos humanos (inc. II) e pelo repúdio ao terrorismo e ao racismo (inc. VIII). O art. 5º, finalmente, estabelece que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
Atente-se que estou apenas transcrevendo algumas referências constitucionais expressas à repulsa ao racismo. Dispomos de um amplo sistema legal para minudenciar a implementação de citado objetivo fundamental da República. No entanto, quando superamos os estreitos limites da mera leitura das normas jurídicas, o que vemos à nossa frente é um completo descaso, sobretudo do poder público, para o efetivo combate ao racismo. Se, no plano cultural, sobretudo nos meios de comunicação, na tentativa de democratização do ensino superior e na produção artística, processou-se uma redução da desigualdade em razão de raça e cor, no campo do Direito Ambiental estamos anos-luz de atingir as metas constitucionais.
Talvez pior que isso, com a pandemia do corona-vírus, ao que parece estamos caminhando para trás, às vésperas de verdadeiro genocídio – um genocídio que tem cor: a imensa maioria das vítimas serão os afrodescendentes brasileiros, aos quais o Estado negou um direito constitucional regulamentado há 13 anos e que há 13 anos vem sendo empurrado para a frente. Afinal, como dizem os políticos profissionais, investir em saneamento básico não dá visibilidade: ninguém vê tubulações subterrâneas.
Na prática, quase nada mudou desde 1888 neste país. E o temor maior é que, no momento em que a tragédia tiver início, a presença do Estado nas favelas continue a ser, não postos de saúde, médicos, UTIs, mas a força policial, já anunciada há dias pelo Sr. Ministro da Justiça e da Segurança Pública, quando anunciou prisões e repressão a quem resistir a tratamentos médicos.
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O post “Racismo ambiental em tempos do COVID-19” foi publicado em 26th March 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco