A pressão para que seja aberta uma CPI do Bolsolão (referência ao mensalão, que era mensalinho comparado com o dinheiro que o pior governo de todos os tempos está torrando para comprar deputados e senadores) vem crescendo. Só na véspera da votação da PEC dos Precatórios, semana passada, 1,2 bilhão de reais do nosso dinheiro escoou por emendas.
Bolso, que enganou muitos otários dizendo representar uma nova política (sendo que ele mesmo foi da velha política do Centrão durante todos os seus quase trinta anos parlamentares), libera toneladas de recursos do orçamento para os deputados amigos (que aprovam o que o governo quer e barram qualquer possibilidade de impeachment), tudo por baixo dos panos. Nenhuma transparência de um governo que tem tudo a esconder.
A ministra Rosa Weber decidiu que esse mecanismo desrespeita a Constituição e suspendeu provisoriamente o pagamento de emendas do orçamento secreto , ou seja, a compra do Centrão que mantém Bolsonaro no poder. Os ministros do STF devem decidir entre hoje e amanhã se a suspensão continua.
O repórter do Estadão Breno Pires publicou no sábado uma thread sobre sua investigação sobre o orçamento secreto e suas descobertas:
A apuração começa em dezembro de 2020, quando ouvi relatos de compra de apoio pelo governo para eleger Arthur Lira presidente da Câmara. Foi o marco zero da série de reportagens que culminou na liminar do STF que barrou o esquema.
Como um preâmbulo, o primeiro furo de reportagem veio no fim de janeiro, quando revelamos no Estadão a liberação de R$ 3 bilhões pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), a pedido de 285 deputados e senadores durante a negociação para as eleições do Congresso.
Desde então, mergulhei fundo no tema das emendas parlamentares. Em imersão de três meses, procurei dezenas de políticos, conversei com técnicos em orçamento, fiz mais de 30 pedidos de LAI (Lei de Acesso à Informação). Escarafunchei os painéis orçamentários e de execução de emendas.
A investigação teve dois eixos: aspectos técnicos/ orçamentários/ legais e as possíveis irregularidades no uso da verba lá na ponta. Li documentos de mais de centenas de convênios. Apesar das limitações ao acesso de informações, fui decifrando o mecanismo das emendas de relator.
Até que em 9 de maio começamos a publicação da série de reportagens Orçamento Secreto. A primeira matéria mostrou que o governo criou orçamento paralelo e distribuiu R$ 3 bilhões a pedido de parlamentares, em boa parte, para comprar tratores com sobrepreço.
Ao todo publicamos no Estadão mais de 40 reportagens sobre esse duto de verbas públicas criado pelo presidente Jair Bolsonaro para a compra de apoio no Congresso, até então desconhecido da sociedade. A seguir no fio um resumo das revelações.
A série mostrou que:
– Com aval do governo , deputados e senadores aliados ditam a aplicação de bilhões de reais, segundo critérios de interesse individual, e não técnicos, com ocultação de seus nomes, atropelando leis orçamentárias e a transparência.
– Que ministérios aprovavam e desembolsavam solicitações enviadas diretamente por parlamentares por meio de ofícios não tornados públicos. Eles diziam ter “cotas” e terem sido “contemplados” com “recursos a mim reservados”. Barganha política sobrepondo-se à análise técnica.
– Parte do orçamento secreto em 2020 foi pra bancar tratores com valores até 259% acima do mercado. (Depois auditoria da CGU confirmou risco de sobrepreço de R$ 142 milhões, em 61% dos convênios e em licitação para compra de máquinas com emenda de relator).
– Mostramos que o “Tratoraço” teve a digital do Planalto; irrigou empresas ligadas a políticos; a oposição só teve 4% do orçamento secreto de R$ 3 bi no MDR; políticos indicaram mais de R$ 180 milhões em verbas para fora de seus Estados, contrariando interesse do eleitor.
– Mostramos que a estatal Codevasf foi um dos canais preferenciais para escoar o dinheiro do orçamento secreto, com suspeitas de irregularidades, e como o órgão foi completamente aparelhado pelo Centrão e ampliado durante o governo Bolsonaro.
– As reportagens revelaram também o esforço coordenado entre Executivo e Legislativo para impedir acesso às informações. Senadores chegaram a alegar risco à segurança do Estado para recusarem-se a fornecer cópias de documentos que continham suas indicações. Segov fraudou a LAI.
– Apesar do governo dizer que emendas de relator-geral são prerrogativas do Congresso, elas foram usadas pelo ministro Rogério Marinho para agradar prefeitos do RN e construir mirante ao lado de condomínio privado que ele planeja no interior do Estado. Ibaneis também as usou.
– Acompanhamos também o fluxo das emendas em 2021 mostrando que elas vêm sendo executadas pelo governo na véspera de votações importantes, como agora na PEC dos Precatórios. Também houve pagamento de R$ 1 bi antes da PEC do Voto Impresso (neste caso, eram emendas individuais).
– Também aprofundamos o debate. Ouvimos diversos renomados especialistas sobre as irregularidades. Parte apontou crime de responsabilidade e retrocesso na nossa democracia. Frequentes editoriais do Estadão e colunas da Adriana Fernandes, Rosangela Bittar, Eliane Cantanhêde se somaram.
Com ineditismo, a série trouxe as primeiras provas do toma lá, dá cá de Bolsonaro. Em inversão política da maior magnitude, ele teve como principal promessa eleitoral combater a cooptação de apoios políticos, mas é assim que seu governo se sustenta e se blinda no Congresso.
Devo registrar que diversos profissionais do Estadão contribuíram para esta série de reportagens. A Andreza Matais e o Leonencio Nossa me deram o tempo necessário e foram fundamentais na edição. Colegas abraçaram a cobertura, como André Shalders, Felipe Frazão e Vinicius Valfré.
As reportagens fundamentaram mais de uma dúzia de representações de parlamentares da oposição enviadas ao Tribunal de Contas da União e ao Ministério Público. TCU teve papel importante no caso. O órgão cobrou explicações do Planalto, reconheceu gravidade e recomendou mudança.
Apesar de todas denúncias e da recomendação do TCU, não houve qualquer passo dado pelo Planalto e pela cúpula do Congresso para trazer transparência às emendas de relator. Negacionismo. Bolsonaro e Lira negaram. O advogado geral da União André Mendonça foi contra as ações no STF. O procurador-geral da República Augusto Aras também.
Para terminar, destaco alguns trechos da liminar da ministra Rosa Weber, do STF, que suspendeu os pagamentos com as emendas do orçamento secreto e determinou transparência. A série do Estadão denunciou todos esses pontos.
A ideia da thread foi resumir a investigação jornalística sobre o tema para ressaltar o quanto é importante para a nossa democracia. O plenário do STF vai decidir se mantém a liminar. Caso mantenha, poderemos conhecer segredos ainda escondidos.