Juliana dal Piva, uma das melhores jornalistas investigativas do Brasil, que fez podcasts e publicou um livro sobre as inúmeras rachadinhas da familícia Bolsonaro, em julho de 2021 recebeu uma mensagem de Frederick Wassef mandando-a pra China:
“Faça lá o que você faz aqui no seu trabalho, para ver o que o maravilhoso sistema político que você tanto ama faria com você. Lá na China você desapareceria e não iriam nem encontrar o seu corpo”.
Wassef era advogado de Jair e Flávio. Foi também na casa desse homem tão próximo ao ex-presidente que escondeu-se Fabrício Queiroz. Wassef alegou que não sabia que Queiroz estava na sua casa. Nenhum dos dois (ou três) foi condenado ainda. Mas a boa notícia é que Queiroz e Wassef se candidataram a deputado federal em 2022 e não se elegeram . O chefe deles tampouco.
Sabendo que estava lidando com milicianos, Juliana processou Wassef pela ameaça. O juiz Fábio Junqueira, do TJ-SP, condenou Wassef a indenizar a jornalista em R$ 10 mil. Mas também optou por condenar Juliana por divulgar a ameaça que recebeu. Dessa forma, ela teria “ferido a privacidade do réu”. Ela levou o caso à segunda instância. O TJ-SP deve julgar isso ainda este mês. Segundo as jornalistas Katia Brembatii e Bia Barbosa, existe jurisprudência do STF de que mensagens privadas podem ser divulgadas se houver interesse público ou como estratégia de proteção.
Se já é um absurdo que uma jornalista não possa expor a ameaça recebida, vamos abrir para todas nós: ao nos depararmos com uma mensagem intimidatória, agressiva e misógina, podemos expor essa ameaça ou isso fere a privacidade da pobre alma que nos ameaçou?
Não é o cúmulo ter que fazer essa pergunta?! Como vocês sabem, eu sou alvo de centenas de ataques e ameaças de morte e estupro (estendidas a minha mãe e marido) há no mínimo doze anos. A maior parte dessas ameaças é de covardes anônimos. Muito de vez em quando eu decido publicar algumas dessas ameaças. Acho que existe interesse público pra isso, acho que as pessoas precisam saber como feministas são tratadas no Brasil.
É também uma estratégia de defesa. Os caras que me ameaçam vivem falando de contratar um matador de aluguel pra me eliminar (já fizeram até vaquinha com esse fim!), e os matadores estipulam um preço de acordo com a visibilidade da pessoa. É muito mais barato matar uma mulher desconhecida. Dá pra fazer parecer um latrocínio ou um lamentável acidente e ninguém vai desconfiar.
Então a visibilidade acaba sendo uma forma de proteção para ativistas. Agora imagina se um misógino me processa por eu divulgar uma ameaça de morte e estupro que ele me mandou?
Nem preciso imaginar muito. Quatro dos oito processos a que respondi vieram de mascus que me atacaram e ameaçaram durante anos. Em três desses casos os misóginos abandonaram as ações. Num deles eu tive que fazer acordo e dei ao floquinho de neve especial um direito de resposta no meu blog. Detalhe: eu nem tinha citado o nome completo dele! Outro detalhe: o mesmo cara continuou me atacando e ameaçando mais dois anos depois disso!
É, o Judiciário realmente tem muito contra as mulheres. Minha sororidade a Juliana dal Piva !
O post “QUEM AMEAÇA TEM DIREITO À PRIVACIDADE?” foi publicado em 21st March 2023 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva