O Mestre Manacéia deu o tom: “Ah! Quantas lágrimas eu tenho derramado só em saber que eu não posso mais reviver o meu passado…”. Lágrimas que são parte das expressões mais profundas dos sentimentos humanos, feitas principalmente de água – assim como nossos corpos – que nos saltam quando estamos tristes, felizes… Lágrimas pela perda de vidas, histórias, de lares, memórias, afetos, negócios, esperanças. Hoje, choradas na catástrofe que se abate sobre o Rio Grande do Sul e suas consequências ainda inestimáveis, por tempo indeterminado, assim como as lágrimas pela necessidade de partida, em busca de uma vida mais digna, de tantas famílias em regiões do semi-árido brasileiro devido à seca. A água é indispensável para a vida. Dependemos dela para beber, para produzir alimentos, produtos, serviços. Ela está presente na nossa religiosidade, na nossa cultura, tradições, memória e emoções. Nesta semana do meio ambiente, para além de nos sensibilizarmos e sabermos que o planeta está em mudança, precisamos agir.
Somos parte da natureza e, com ela, aprender sempre. Modelos de consumo desenfreado e perdulários precisam ser revistos. Quando falamos em água, precisamos falar também em árvores, em bichos, em seres humanos; Há limites para tudo, inclusive no planeta em que vivemos. Quem está em risco somos nós, é a humanidade. O planeta já passou por extinções em massa e se reinventou várias vezes. A vida se reinventou e floresceu. Devemos valorizar mais a prevenção, o planejamento, a antecipação (atrasada?) às mudanças que temos visto no planeta. Hoje é o contrário: esperamos pelas tragédias para só depois buscarmos agir, gastando muito, mas muito mais. Lembram-se do dito popular: “é melhor prevenir do que remediar”? Vamos esperar quantas outras situações assim? Hoje, é no sul do Brasil, e amanhã? Essa postura reativa tem nos custado vidas, perdas diversas e… lágrimas de tristeza.
O momento é particularmente doloroso e trágico, não apenas no Brasil, muito se tem falado sobre como proteger as cidades. Ser o “todo”: as cidades fazem parte das bacias hidrográficas e as medidas de proteção devem considerar toda a bacia. O que acontece na Amazônia afeta o país todo. As plantas funcionam como uma esponja, absorvendo e guardando a água da chuva. Vem daí a ideia das “cidades-esponja”, da natureza. Está tudo integrado e soluções simplistas serão insuficientes e só adiarão possíveis aprendizados: é preciso termos humildade e estudar a natureza, articular esforços, nos comunicarmos mais e melhor.
Há 27 anos, o Brasil conta com a Lei das Águas, com a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). Como em uma casa, o alicerce precisa ser forte. No caso do SINGREH, essa base é representada pelos chamados comitês de bacias hidrográficas, também conhecidos como “parlamentos das águas”. A população tem o direito de participar desses importantes espaços de representatividade e cidadania. Se você nunca ouviu falar sobre os comitês de bacias – atualmente são quase 250 deles país afora – é mais um sinal de que precisamos melhorar e popularizar a comunicação na nossa sociedade. Para esse sistema funcionar cada vez melhor, precisamos avançar com o apoio de pessoas e de recursos financeiros.
Há sérias ameaças ao conjunto de iniciativas criadas para o planejamento e gestão da água no Brasil, um bem de toda a população brasileira. Em discussão no Congresso Nacional, um projeto de lei propõe que a maior parte dos recursos que financiam iniciativas como a de monitoramento das águas no país, realizado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), tenha outra destinação, o que coloca em risco algo que é igualmente importante e estratégico para a nossa sociedade: informação confiável. Sem o monitoramento das águas, ficaremos ainda mais vulneráveis a eventos de excesso de água ou de escassez dela sem que haja tempo hábil de nos prepararmos e salvarmos vidas.
Precisamos priorizar as agendas da água, do clima, da proteção aos biomas do estado, além da articulação e participação de toda a sociedade baiana em prol de um movimento de valorização da vida. O que tínhamos de água no passado já não é a realidade do presente e muito menos do futuro. Como assegurar que tenhamos água de qualidade adequada e em quantidade suficiente para darmos conta das necessidades da população? Podemos e devemos aproveitar melhor a água, fazer mais com menos. Dentre as possíveis fontes de recursos financeiros, orçamentos públicos e privados devem ser mobilizados. Destaca-se a importante iniciativa em curso de revitalização do Fundo Estadual de Recursos Hídricos da Bahia (FERHBA). Os 14 comitês estaduais de bacias hidrográficas da Bahia e o Fórum Baiano de Comitês de Bacias Hidrográficas (FBCBH) se colocam à disposição, junto com a sociedade baiana e brasileira como um todo, pela valorização do bem-estar e da cidadania. Por quanto tempo essas lições amargas ficarão na nossa memória? Aprenderemos? Choraremos de alegria ou de tristeza?
* Marcos Eduardo Cordeiro Bernardes
Aprendiz e docente na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)
Presidente do CBH Frades, Buranhém e Santo Antônio (CBHFRABS)
Coordenador-adjunto do Fórum Baiano de CBHs (FBCBH)
Representante titular do FBCBH no Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CONERH)
CV: http://lattes.cnpq.br/8907565424580663
Esse artigo foi publicado originalmente no site https://atarde.com.br/colunistas/artigos/quantas-lagrimas-1273310
O post “Quantas lágrimas? A água como parte do nosso passado, presente e futuro*” foi publicado em 15/07/2024 e pode ser visto originalmente na fonte Observatório das Águas