Pesquisadores de diversas universidades estão analisando os impactos visíveis e invisíveis do óleo sobre o meio ambiente e sobre a saúde pública no litoral do Nordeste. ((o))eco conversou com alguns desses pesquisadores, que alertam sobre os riscos do acúmulo de substâncias contaminantes na cadeia alimentar, que podem chegar aos mariscos e pescados consumidos pela população. A Fundação Oswaldo Cruz de Pernambuco (Fiocruz-PE) emitiu uma carta aberta alertando solicitando que seja decretada situação de emergência nos estados e municípios afetados.
O pesquisador Mauro de Melo Júnior, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), relata que tem encontrado óleo em organismos planctônicos, como copépodes e larvas de caranguejo, no litoral do município de Tamandaré, litoral sul do estado de Pernambuco. “Vários indivíduos desses grupos e de outros estão aparecendo nas amostras com manchas escuras, similares a óleo. Estamos juntando vários desses organismos para confirmação em equipamentos apropriados, em parceria com outros pesquisadores da UFRPE e UFPE. Nas amostras de Tamandaré, temos encontrado em torno de 20 a 30% dos indivíduos com manchas. Mas é ainda um resultado preliminar”. O pesquisador explica que a pesquisa sobre as taxas de mortalidade do zooplâncton devido ao óleo ainda está nos seus estágios iniciais, mas a ideia é monitorar a curto (semanas) e longo prazo (meses a anos) essas taxas na região atingida.
Mauro de Melo esclarece ainda que há diversas consequências da morte do plâncton sobre a cadeia alimentar, mas resume duas principais: “com o maior percentual de organismos planctônicos mortos, espécies de animais de maior porte filtradores de plâncton podem ter uma redução expressiva de alimento vivo (por ex., copépodes e larvas planctônicas). Esses animais poderiam ter taxas de crescimento e produção orgânica afetadas. Por outro lado, com a maior participação de mortos, animais detritívoros seriam beneficiados. As teias alimentares baseadas em detritos orgânicos poderiam prevalecer em alguns trechos de nossa costa”.
Bioacumulação
Mauro de Melo explica que há o risco de as substâncias contaminantes do óleo serem absorvidas e concentradas pela cadeia alimentar, num processo denominado bioacumulação. “Como alguns desses animais estão com manchas de óleo no corpo, somado à fragmentação do óleo em partículas menores, vários animais de maior porte, como peixes, crustáceos, moluscos bivalves, corais e esponjas podem filtrar tais partículas sem selecionar os indivíduos com óleo (ou os próprios fragmentos de óleo). Neste caso, eles podem acumular e as consequências disso para a nossa saúde e para a saúde dos demais animais são imprecisas”.
Liana de Figueiredo Mendes, professora do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e fundadora da ONG Oceânica , esclarece que os chamados Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPAs, uma classe de mais de 100 substâncias químicas que ocorrem naturalmente no petróleo bruto, que são de difícil degradação e causam malefícios à saúde de seres humanos e outros organismos) tem poder de bioacumulação, sendo transferidos ao longo da cadeia alimentar dos organismos marinhos. “HPAs são considerados poluentes orgânicos persistentes relacionados ao aumento da incidência de vários tipos de câncer e por isso devem ser investigados detalhadamente quanto à composição e concentração nos tecidos dos pescados. Nos recifes, a presença de óleo pode seguir o caminho da bioacumulação. Pequenos invertebrados e peixes que se alimentam no fundo e que depois são fonte de alimento para peixes e invertebrados de categorias alimentares mais altas e por aí vai. Os filtradores, como no caso dos moluscos, possuem uma hábito alimentar propício ao estabelecimento de HPAs em seu tecido”.
De acordo com Liana, os pescados estão sendo coletados e acondicionados para posterior análise macroscópica, que deverá ter início na semana que vem. Além das análises técnicas, ela lembra que ONG Oceânica vem atuando em diversas frentes para mitigar os impactos do óleo, e que toda ajuda ou doação é bem-vinda. “Atuamos na articulação com as comunidades litorâneas e órgãos gestores, no monitoramento de praias e elaboração de relatórios técnicos, no atendimento a mídia e fomento a circulação de informações, na proposição de estratégias de enfrentamento e na articulação com doadores de recursos e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para distribuição junto às colônias de pesca”.
Situação de emergência
Em carta aberta divulgada em 27 de outubro, o Laboratório de Saúde, Ambiente e Trabalho do Instituto Aggeu Magalhães da Fiocruz de Pernambuco recomenda fortemente à população “não fazer o uso recreativo das praias afetadas e nem consumir pescados e mariscos das praias (e regiões próximas) atingidas pelos resíduos de óleo”. O Instituto argumenta que “a maioria desses produtos químicos é cancerígena, podendo ainda produzir malformação fetal, abortos, distúrbios neurológicos graves, alergias, doenças hepáticas, renais, de pele, dos pulmões, do sangue entre outras. A penetração desses produtos no corpo humano pode se dar por inalação, contato com a pele e ingestão de água ou alimento contaminado, e mesmo sendo em pequenas quantidades pode ser prejudicial à saúde”. Sobre as ações necessárias, a Fiocruz-PE afirma que “é imprescindível o imediato acionamento de todos os mecanismos relativos ao acontecimento de desastres no território nacional, como previsto nas Leis nº 12.340/2010 e nº 12.608/2012”, e pede que “seja decretada SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA EM SAÚDE PÚBLICA em todos os Estados e Municípios atingidos pelo óleo, com base na portaria nº 2.952 de 14/12/2011 do Ministério da Saúde”.
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O post “Quais são os riscos de entrar em contato com as manchas de óleo no Nordeste?” foi publicado em 10th November 2019 e pode ser visto originalmente na fonte ((o))eco