Aos 70 anos, o venezuelano Omar percorre as ruas de Manaus (AM) há mais de dois prestando assistência a refugiados e migrantes que chegam à cidade. Seja no acompanhamento de pessoas para emissão de documentos ou indicando acesso a serviços públicos, ele está sempre a postos para ajudar seus conterrâneos.
No Brasil desde agosto de 2017, Omar já passou por situações semelhantes às das pessoas que hoje ajuda, e trabalha como voluntário transformando vidas. “Todos os que chegam, eu apoio. Ajudo a tirar o protocolo, a ver as documentações. Viramos uma comunidade e nos ajudamos mutuamente”, afirma.
Omar é um dos dez promotores comunitários que fazem parte do projeto Outreach Volunteers em Manaus, uma iniciativa da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), em parceria com a Cáritas Manaus, que promove oficinas de capacitação para que mais líderes comunitários possam levar adiante informações sobre direitos e auxiliar pessoas em situação de deslocamento forçado.
O projeto é financiado pela União Europeia por meio do seu Instrumento de Contribuição para a Estabilidade e a Paz (IcSP), que tem como objetivo melhorar o ambiente de proteção para venezuelanos no Brasil e contribuir para uma convivência mais pacífica desta população nas cidades de acolhida. Além de Manaus, o projeto também é implementado em Boa Vista (RR) — no país todo, há mais de 20 voluntários.
Engajando líderes comunitários para disseminarem informações confiáveis sobre documentação, acesso à saúde, educação, empregabilidade e outras necessidades para refugiados e pessoas em vulnerabilidade, o projeto consegue alcançar um maior número de pessoas recém-chegadas e ampliar o acesso à rede de proteção local.
Foi assim que Omar encaminhou à Cáritas a refugiada venezuelana Johany Castillos*. Grávida e com um filho pequeno, ela e o marido sustentam a família vendendo água nas ruas. Com a ajuda do promotor, ela conseguiu que seus filhos gêmeos de 3 anos pudessem frequentar a escola. “O Omar e a Cáritas nos ajudaram muito! Graças a eles, meus filhos agora podem estudar. É uma preocupação a menos”, afirma.
Quando chegou a Manaus, Omar começou a sistematizar as informações sobre venezuelanos e venezuelanas que encontrava em uma planilha. Anotava, no papel que guardava delicadamente no bolso de sua camisa, números de telefone, endereço, protocolo, cartão do Sistema Único de Saúde (SUS), CPF, carteira de trabalho e até as vacinas que já tinham tomado.
Ele organizou uma lista para garantir que todos seus conhecidos pudessem ter acesso aos serviços. A informação se espalhou e ele passou a ajudar cada vez mais pessoas. “Sempre que posso, acompanho as pessoas na Polícia Federal, nos órgãos que fazem as documentações e até em hospitais. Fazer isso me traz uma sensação boa, sinto que posso realmente contribuir para algo bom para a sociedade.”
A integração social e econômica de refugiados e migrantes venezuelanos tem sido uma das prioridades do trabalho do ACNUR no Brasil. A chegada desta população ao país, mais intensa a partir de 2017, é resultado da situação política, socioeconômica e de direitos humanos na Venezuela — o que, segundo estimativas da ONU, já forçou mais de 4,7 milhões de pessoas a buscar proteção além das fronteiras venezuelanas.
Dados da Polícia Federal indicam que cerca de 225 mil pessoas venezuelanas estão no Brasil. Quase 120 mil solicitaram refúgio, sendo 21 mil solicitações já confirmadas e aprovadas pelo governo brasileiro. Outras 105 mil têm vistos de residência temporária no país.
Assim como Omar, Cristina Lucena também é promotora comunitária e bastante ativa na comunidade — principalmente por meio das redes sociais. “Antes de ser promotora, eu já ajudava as pessoas passando informações corretas pelo WhatsApp.”
Agora, com um celular com conexão à Internet garantido pelo projeto, a voz de Cristina é ampliada para o restante do país. “Converso com pessoas em Porto Velho (RO), Florianópolis (SC), Curitiba (PR), Minas Gerais, além de participar de muitos grupos. Como muitos não têm acesso à Internet, eu consigo orientá-los através da minha conexão”, afirma.
E assim, entre uma mensagem e outra, a refugiada venezuelana Danelys Valerá, de 42 anos, conheceu Cristina. Na época, ela buscava tratamento para o câncer que seu marido enfrentava. Graças à promotora, o acesso ao tratamento se tornou viável. Em tempo recorde, Cristina contatou o Instituto Nacional do Câncer de Manaus e viabilizou o acesso da família ao auxílio financeiro do ACNUR necessário para que tivessem atendimento prioritário. “Cristina teve um papel fundamental na nossa vida. Hoje somos muito amigas!”, afirma.
Para Cristina, que atualmente está estabilizada no Brasil com seus dois filhos e alguns parentes próximos, “é importante que essas pessoas saibam que têm direito a educação e saúde”. “Sabemos que não é fácil, mas dá para informá-las e conseguir com que tenham acesso. Elas precisam entender que têm esses direitos e deveres como qualquer brasileiro.”
Tanto Cristina quanto Omar fazem parte do primeiro grupo de promotores comunitários da operação o ACNUR em Manaus, selecionados pelo mérito da função que já desempenhavam com a comunidade venezuelana.
“Cada um deles passou por uma entrevista e seleção, onde foram analisados perfis de pessoas que já estavam sob proteção e fora de situação vulnerável. Os selecionados recebem auxílio transporte e um celular, para facilitar a comunicação com a equipe do ACNUR e da Cáritas, assim como com refugiados e migrantes e a comunidade de acolhida”, afirma a oficial de proteção do ACNUR em Manaus, Raquel Casellato.
“Criamos um vínculo de confiança com eles que funciona muito bem como ferramenta de proteção. Nós abrimos espaços, promovemos capacitação e informações confiáveis. E eles disseminam esse conhecimento a pessoas (que estão) onde não conseguimos estar”, completa.
Para as próximas seleções, serão abertos editais que vão analisar novos perfis para alcançar mais pessoas e garantir, assim, que ninguém seja deixado para trás.
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