A decisão de sair de seu país por uma questão de sobrevivência é sempre difícil, e quando se é forçado a deixar tudo para trás, as incertezas e os desafios se tornam ainda maiores. Muitos venezuelanos estão tendo que tomar essa difícil decisão e percorrer longas jornadas até chegar a países vizinhos, como o Brasil.
Entre 2017 e 2019, mais de 540 mil venezuelanos entraram no país, sendo que mais de 129 mil deles solicitaram o reconhecimento da condição de refugiado – cerca de 21 mil pedidos foram acatados recentemente pelo governo brasileiro, e mais de 123 mil venezuelanos solicitaram residência temporária.
A principal porta de entrada no Brasil é a cidade de Pacaraima (RR). Em média, cerca de 500 venezuelanos cruzam a fronteira todos os dias, e alguns acabam ficando na cidade pela proximidade com o país de origem.
Apesar do abrigamento oferecido pela Operação Acolhida às pessoas mais vulneráveis, muitas acabam permanecendo nas ruas.
Os casal de brasileiros Gideão Ferreira de Vasconcelos e Sandra Santos de Vasconcelos abriu as portas da Comunidade Batista de Pacaraima para acolher famílias venezuelanas.
“Já oferecíamos alimentação para algumas famílias que viviam nas ruas, mas, após alguns conflitos entre a população local e a comunidade venezuelana, decidimos abrir as portas da igreja e abrigar o máximo de pessoas possível”, diz Sandra ao contar sobre como o projeto começou, ainda em 2018.
No início, o casal pastoral conseguiu abrigar cerca de 60 pessoas. Atualmente, a ação, que foi iniciada como medida emergencial, consolidou-se em projeto regular e hoje acolhe mais de 100 pessoas, entre adultos e crianças.
No espaço da comunidade, são servidas diariamente três refeições. Além disso, são oferecidas aulas de português para adultos e crianças, aconselhamento familiar e aulas de reforço para crianças e adolescentes em idade escolar.
O pastor Gideão e Sandra procuram também apoiar algumas iniciativas individuais dos acolhidos para produzir e vender comidas tradicionais da Venezuela e gerar sua própria renda.
“Muitos deles chegam bem desnutridos, às vezes sozinhos, outras vezes com toda a família. Por isso, a primeira coisa que fazemos é cuidar da alimentação de cada um”, explica Sandra.
Com a crescente demanda de refeições, o pastor Gideão procurou a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), para obter desde um fogão a diversos outros utensílios de cozinha para o projeto.
O venezuelano José, de 50 anos, foi um dos primeiros a ser abrigado pela igreja. Ele chegou a Pacaraima em julho de 2018 e ficou mais de um mês na rua até ser atendido. “Tive que deixar minha esposa e dois filhos e percorrer 16 horas de ônibus de Maturin até chegar aqui.”
“Estava bem fraco e desnutrido, mas hoje estou forte e ajudo no que o pastor e a Sandra precisarem”, afirma José, que é um dos líderes do grupo de 16 voluntários venezuelanos que ajudam o casal a cuidar do projeto.
Sandra, que também trabalha com a recepção de crianças e adolescentes que chegam à cidade, lembra que o projeto orienta as famílias a participarem da estratégia de interiorização, iniciativa do governo federal apoiada por agências da ONU e organizações da sociedade civil para a relocação voluntária de refugiados e migrantes para outros estados brasileiros.
“Já ajudamos mais de 1 mil venezuelanos a serem interiorizados para outros estados. Isso é importante para que possamos continuar recebendo os que chegam aqui em Pacaraima”, afirma Sandra.
Para o chefe do escritório do ACNUR em Pacaraima, Rafael Levy, além das pessoas em trânsito pela fronteira, um dos maiores desafios a se enfrentar é apoiar pessoas em situação de rua que decidiram permanecer na cidade.
“O trabalho em rede é fundamental e a Igreja Batista de Pacaraima é o nosso principal parceiro nesse sentido. Com o seu trabalho e sua rede de igrejas, eles apoiam as pessoas a reconstruírem suas vidas e a se integrarem no Brasil”, pontua Levy.
Este importante projeto só foi possível graças ao apoio da União Europeia que, desde 2018, investe no fortalecimento da resposta aos venezuelanos na região Norte do Brasil com projetos que promovem a proteção de populações em maior situação de vulnerabilidade e a convivência pacífica com a comunidade local.
Em 2019, a Operação Acolhida também começou a colaborar com essa atividade oferecendo marmitas diárias e possibilitando a extensão e continuidade dessa ação e oferecendo melhores condições para centenas de pessoas que chegam da Venezuela.
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