Quando se trata de questões relativas à conservação de fauna silvestre, só se tem notícia ruim ultimamente. O jornal The New York Times de quinta-feira (11) publicou uma matéria sobre o aumento exponencial do tráfico de felinos sul-americanos, em especial de onças pintadas (Pantera onca), para os mercados chineses. Não apenas para consumo como suposto uso medicinal (o que em si já constitui um crime), mas para o uso de seus dentes caninos como colares, brincos e outros badulaques tidos como símbolo de status.
Especialistas em crimes ambientais de diversos países da América Latina já vinham suspeitando que o comercio de felinos vinha se intensificando, à medida que carcaças e peles apareciam com maior frequência em mercados domésticos, sem que as autoridades tomassem quaisquer providencias. Somente agora, biólogos da Universidade Oxford Brooks, na Inglaterra, entrevistados na reportagem do NYT , publicaram um estudo detalhado em 02 de junho de 2020 no jornal cientifico Conservation Biology , no qual demonstram o brutal aumento do comercio ilegal de felinos. O estudo analisou milhares de casos de apreensões em 19 países das Américas do Sul e Central e China, e criou um modelo associando esses casos com condições políticas e socioeconômicas de cada pais.
O resultado indica que os felinos sul americanos como onças pintadas, pardas (Puma concolor) e jaguatiricas (Leopardus pardalis) entraram no mercado chinês como substitutos do tigre asiático para satisfazer a demanda por medicina dita “tradicional”. Mais recentemente, porém, o estudo identificou que as apreensões de felinos aumentaram com o tempo e a maioria das peças apreendidas de onça-pintada eram caninos (1991, 2117) para bijuteria. Cerca de 34% (32 de 93) dos relatórios de apreensão de onças-pintadas estavam vinculados à China.
Segundo os especialistas, os países de origem dos animais com níveis relativamente altos de corrupção, investimento privado chinês e baixa renda per capita tiveram de 10 a 50 vezes mais apreensões de carcaça de onça-pintada do que os demais países da amostra. O estudo aponta o Brasil como o maior abastecedor do tráfico de onças-pintadas para a China, com o maior número de casos, seguido da Bolívia, Suriname e Colômbia. No caso, seriam a pobreza e os altos níveis de corrupção nesses países de origem que motivam a população local a se envolver em atividades ilegais e contribuir para o crescimento desse comércio.
Um dado preocupante apresentado é que as políticas perfeitamente legais de comercio entre os países das Américas e a China poderiam estar propiciando e abrindo caminho para o comercio ilegal dos felinos, seguindo um padrão idêntico ao tráfico de animais na África, onde já foi identificado um paralelo entre a crescente presença de grupos empresariais chineses investindo em grandes projetos de desenvolvimento e o aumento do tráfico de leões (Panthera leo) e leopardos (Panthera pardus).
Enquanto a situação socioeconômica e política dos países não se resolvem, nos resta a solução de suprimir a demanda, sobretudo na China. Como fazer os chineses entenderem que algumas tradições antiguíssima já não têm espaço no mundo moderno? Que pequenas pílulas azuis dispensam o uso de chifres de rinocerontes e bexigas de tigres? Que tradicionais mercados molhados são uma ameaça à saúde – e uma vergonha?
Se tradições não pudessem ser rompidas, até hoje nossas lavouras dependeriam de trabalho escravo. Ao invés de fomentar as cruéis touradas – uma forte tradição da Península Ibérica – jovens espanhóis criaram o lema “Tortura não é Esporte nem Cultura”, abolindo o sangue nas arenas. Abolir praticas negativas pode e deve ser feito. Afinal, está claro que algumas tradições servem apenas de pretexto para encobrir ganância e vaidade. E delas precisamos proteger nossa biodiversidade, enquanto é tempo.
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O post “Procura chinesa movimenta caça de onça-pintada e outros felinos nas Américas” foi publicado em 14th June 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco