O Parque Nacional do Iguaçu, lar das Cataratas e de uma bilheteria que recebe 2 milhões de visitantes por ano, pode testemunhar em breve uma troca de comando. Segundo fontes ouvidas por ((o))eco, a decisão viria direto do gabinete do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em aliança com o deputado federal Nelsi Coguetto Maria (PSD-PR), mais conhecido como Vermelho. A queda do atual chefe, Ivan Baptiston, servidor que está a frente do parque há mais de 5 anos, é especulada desde 2019 e alvo de pressão do parlamentar paranaense, que teve sua última reunião oficial com Salles em setembro deste ano. A exoneração, que pode acontecer nos próximos dias, ainda não tem um substituto oficial, mas o nome mais cotado nos bastidores é o de Ana Solange Biesek, servidora da prefeitura de Foz de Iguaçu e supostamente apadrinhada pelo deputado. A possível nomeação tem outra nuance, já que Biesek é ex-mulher do atual diretor da Cataratas S.A., principal concessionária do parque.
A reportagem buscou esclarecimentos por e-mail com a assessoria do Ministério do Meio Ambiente, mas não teve retorno até o fechamento desta matéria. A assessoria do ICMBio chegou a confirmar o recebimento da demanda da reportagem, mas também não houve resposta aos questionamentos.
Procurada por ((o))eco, Ana Biesek confirmou que aceitou o convite feito pelo Ministério para que ela assuma a gestão do Parque Nacional do Iguaçu . “Houve o convite, mas ainda não fui nomeada, então não posso falar nada sobre isso neste momento”, comentou Biesek por ligação telefônica.
Ana Solange Biesek é servidora pública municipal de Foz do Iguaçu e ex-secretária de Meio Ambiente do município, cargo que ocupou entre janeiro de 2017 e março de 2018. O currículo dela inclui ainda uma rápida e recente passagem pela Itaipu Binacional. Atualmente, Ana está lotada na Secretaria de Turismo de Foz e é também apresentadora de um programa de rádio.
Sobre o seu vínculo pessoal com Adelio Demeterko, diretor da Cataratas do Iguaçu S.A desde 2018, e também seu ex-marido e pai de dois dos seus filhos, Ana Biesek negou qualquer interferência ou conflito de interesses: “Não, de forma nenhuma, já sou separada há muito tempo. E eu sou super profissional”. Biesek também foi sócia de Demeterko por 10 anos em uma agência de viagens, a Demeterko e Biesek LTDA . O negócio se encerrou em novembro de 2018.
“A Cataratas S.A. recebe com surpresa [a informação sobre Biesek], pois não tinha essa informação e não tem, nem nunca teve, interferência com qualquer nomeação, que é de responsabilidade do órgão”, esclarece a assessoria da concessionária ao ((o))eco. A assessoria informa ainda que a diretoria da empresa procurou Ana Biesek nesta segunda (30) sobre a questão e que a mesma falou “que não aceitaria ser chefe do parque”, ao contrário do que havia afirmado durante ligação telefônica com a reportagem no final da tarde de domingo (29).
A Cataratas é a concessionária que detém atualmente os principais serviços associados à visitação do Parque Nacional do Iguaçu. A concessão da bilheteria, transporte, restaurante e lojas está dividida em dois contratos firmados com a empresa (nº 1 e nº 2 ), que venceriam em novembro deste ano, mas foram renovados automaticamente por mais 12 meses devido a pandemia e passaram a valer até 20 de novembro de 2021.
A nova etapa da concessão dos serviços de uso público no parque, que deve ter início em 2021, está prevista dentro do Programa de Parcerias de Investimento (PPI) do governo federal e compreende um escopo ainda mais robusto de parceria com a iniciativa privada, que envolve o Ministério da Economia e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), que está responsável pela elaboração do futuro edital em parceria com a equipe gestora do Parque Nacional do Iguaçu. O novo contrato de concessão deverá ter duração de no mínimo 20 anos.
Fontes ouvidas por ((o))eco se dividem entre duas visões: a de que a nomeação de Biesek poderia favorecer os interesses da empresa no processo de renovação da concessão e a de que, muito pelo contrário, a chefia de Biesek colocaria a Cataratas numa posição muito vulnerável judicialmente, o que não seria de interesse do grupo.
“Pode ter muito interesse econômico e político nesse processo [de concorrência pública para concessão]. E acredita-se que ter a chefia [do parque] na mão, pode influenciar para um lado ou para outro”, aponta uma fonte ouvida por ((o))eco, que preferiu não se identificar.
“A Ana Biesek ser cotada para a chefia do parque, para nós é a pior indicação possível. A gente recebeu essa informação com muita surpresa. Com todo respeito a pessoa da Ana Biesek, a qual eu conheço e que já foi Secretária do Meio Ambiente de Foz do Iguaçu. É uma pessoa que pode ter suas boas intenções, mas é totalmente despreparada para um cargo dessa importância. Inclusive, a gestão dela no meio ambiente em Foz do Iguaçu, não foi uma gestão boa, foi um desastre, uma secretaria inativa”, conta ao ((o))eco Raby Khalil, relações públicas da Associação de Desenvolvimento de Esportes Radicais e Ecologia (Adere), com sede em Foz.
“E tem essa questão dela estar ligada à empresa que é uma das principais concessionárias do parque, que é a Cataratas S.A. É complicadíssimo, é uma articulação que para nós não faz sentido”, acrescenta.
Raby lembra ainda que o parque aprovou seu Plano de Uso Público em junho deste ano, com a perspectiva de ampliar a visitação para os outros municípios no entorno da área protegida (são 14 no total ao redor do parque), hoje concentrada em Foz do Iguaçu e nas Cataratas, e que o avanço da pauta, essencial para o desenvolvimento sustentável da região, pode estar em xeque com uma mudança de gestão.
“Num momento tão importante como esse, quando foi construído todo um Plano de Uso Público que visa uma nova estratégia de inclusão dos municípios do entorno do parque nacional, romper com esse processo em prol de empresas que na maioria das vezes têm o lucro como único interesse é um desastre. Eu reforço que para nós isso é uma declaração de guerra contra o parque nacional e reforço que a Ana Biesek não tem capacidade técnica para assumir um cargo dessa envergadura, e que certamente isso tende a favorecer interesses obscuros de possíveis empresas concessionárias, além de uma facilitação para uma possível abertura de uma nova estrada que cortaria o parque nacional em dois”, alerta sobre o atual Projeto de Lei (PLC nº 61/2013 ), de autoria do ex-deputado Assis de Couto, que visa reativar a Estrada do Colono, que cruzaria pelo interior da unidade de conservação. “A gente sabe que o deputado Vermelho é proprietário de uma empresa empreiteira que tem como norte o asfalto, inclusive tem sua usina de asfalto. Então para nós, os interesses são claros e inadmissíveis”, completa.
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Segundo diversas fontes ouvidas por ((o))eco e que preferiram não se identificar, Vermelho busca a saída de Ivan desde 2019, quando assumiu o cargo de deputado federal pelo Paraná. O gestor seria considerado um entrave aos interesses do parlamentar de reabrir a Estrada do Colono, uma pauta considerada por ambientalistas como completamente contrária ao propósito de conservação da natureza a que se destina o parque nacional.
Desde então, os rumores pela saída de Ivan vêm e vão. O próprio Salles, especula-se, teria a vontade de removê-lo da chefia em Iguaçu. O maior desafio dos dois para efetuar a troca seria justamente quem poderia substituí-lo. O nome, que hoje parece ser de Ana Biesek, teria sido resultado de muitas conversas entre os dois, que se reuniram pela última vez no início de setembro, de acordo com a agenda oficial do ministro.
Questionada por ((o))eco sobre seu posicionamento com relação a reabertura da Estrada do Colono, Ana Biesek deixou claro que conhece bem a questão e tem uma opinião sobre o tema, mas que preferia não expressá-la enquanto não fosse oficializada a sua nomeação. “Neste momento, como ainda não ocorreu a nomeação, não posso me manifestar”, disse pelo telefone.
“A gente vem monitorando essa articulação do deputado Vermelho desde antes da pandemia e a gente vem muito preocupado com essa situação sobre essas indicações políticas para o parque nacional. Nós enxergamos essa como uma movimentação extremamente danosa e para nós é inadmissível um parque dessa importância ser trabalho de forma política, ele tem que ser trabalho de forma técnica. Se for para trocar o Ivan, tem que ser alguém com a mesma capacidade técnica dele, se não for, a gente é contra essa possibilidade”, reforça Raby.
Ele ressalta ainda a postura de Vermelho nas eleições municipais em Foz, que resultaram na reeleição do prefeito Chico Brasileiro (PSD-PR) ainda no primeiro turno. “Mesmo sendo do mesmo partido, ele [Vermelho] apoiou um opositor ao prefeito. Seria uma vergonha absoluta um prefeito que tem feito um bom mandato na nossa cidade compactuar com esse tipo de sujeira contra o parque nacional”, aponta em referência ao fato de que Biesek é servidora do município e, portanto, precisaria de liberação da prefeitura para assumir um cargo na esfera federal.
((o))eco enviou um e-mail para assessoria de imprensa do deputado Vermelho na noite de domingo (29), solicitando esclarecimentos sobre seu possível envolvimento na negociação pela troca de chefia no Parque Nacional do Iguaçu, mas não obteve nenhum retorno.
O Parque Nacional do Iguaçu
O parque está situado no extremo oeste do Paraná, na fronteira com a Argentina. Criado em 1939, a unidade ajuda a proteger 185 mil hectares de Mata Atlântica. “Iguaçu é um símbolo. Pela sua história de criação, pela importância das Cataratas na visitação nacional e internacional no Brasil, pela importância da Floresta Atlântica de interior, pela continuidade e importância da população de onças-pintadas com a Argentina, pelo modelo de gestão e por ter sido também uma das primeiras concessões feitas por um órgão ambiental”, aponta Cláudio Maretti, ex-presidente do ICMBio, e especialista em uso público nas unidades de conservação.
O antigo presidente elogia a gestão de Ivan Baptiston, há mais de 5 anos no comando do Parque Nacional do Iguaçu. “É uma gestão de qualidade e reconhecimento. Uma gestão técnica a altura de um parque nacional”, reforça.
“É muito estranho que a gente continue tendo nomeações de pessoas não qualificadas. Essa pessoa [Ana Biesek] nunca geriu uma área protegida. Uma unidade de conservação precisa de um bom gestor e de uma pessoa especializada. Me parece muito preocupante nomear alguém que não tem experiência, ainda mais para um parque com toda essa importância e exemplo que é para outras unidades de conservação no Brasil. O que a gente tem conhecimento é o risco dessa nomeação ter sido feita por parlamentares que defendem a ampliação de rodovias no entorno do parque nacional, o que talvez possa ser possível, mas sobretudo do cruzamento novamente do parque pela Estrada do Colono, o que é condenado por todos os especialistas e também seria um risco desse que é o maior símbolo do turismo de natureza do Brasil perder o título de Patrimônio Mundial”, critica Maretti.
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O post “Pressão política pode resultar em troca de chefia no Parque Nacional do Iguaçu” foi publicado em 30th November 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco