Imagina a cena: você é uma mulher que engravidou sem querer e decidiu que não pode ter esse filho. Como infelizmente aborto é proibido no Brasil, você recorre ao mercado clandestino, torcendo para não ser enganada, e compra misoprostol online. O carteiro chega a sua casa para te entregar a tão esperada encomenda. Três policiais de tocaia aparecem do nada e te levam à delegacia.
Calma, tem mais. Os policiais fazem o maior auê na sua rua, pra todos os vizinhos saberem o que está acontecendo. Mandam você abrir o pacote ali mesmo. Na delegacia, o delegado te ameaça: diz que você pegar 10 a 15 anos de prisão caso não o convença de que os comprimidos são pro seu uso pessoal. Tipo: você tem de provar que não é traficante. O delegado ainda te dá sermão, mandando que você repense sua vida.
Tudo isso aconteceu no dia 6 de julho em Apucarana, Paraná. Pior: foi o terceiro caso em menos de um mês naquele estado. Os outros foram em São João do Caiuá e em Mariluz. Em ambos os casos, as mulheres podem ter que responder por tráfico de drogas, como explica esta excelente reportagem de Paula Guimarães para o Portal Catarinas.
A polícia não explicou como ficou sabendo da compra (quem denunciou?). Também não explicou se não tem nada mais importante pra fazer do que aterrorizar mulheres que ousam decidir intervir no próprio corpo, como fazem quase 600 milhões de mulheres em idade reprodutiva que vivem em países (67 ao todo) com legislação que permite o aborto sob a solicitação delas até os primeiros três meses de gestação.
É simplesmente absurdo que a polícia gaste seu tempo atormentando e prendendo mulheres grávidas. A moça de Apucarana contou ao Catarinas sobre sua reação ao sermão do delegado: “Eu não aceito esse julgamento, sou uma mulher de 28 anos, me sustento, dou meus pulos para sustentar meu filho, aí vem um homem de meia idade dizer o que eu tenho que fazer ou não da minha vida”.
Não houve crime, porque ela não tomou o medicamento. Mas ela ainda pode responder por tráfico. O delegado suspeitou da quantidade dos medicamentos. Eram seis comprimidos, uau! Ele nunca tinha visto mais do que um ou dois. A reportagem teve que instruí-lo que a Organização Mundial de Saúde recomenda doze comprimidos para a realização do procedimento.
Até 1998 o misoprostol era vendido nas farmácias brasileiras. Aí descobriram que um de seus efeitos colaterais é que ele é abortivo, e a turma “pró-vida” correu pra tirá-lo das prateleiras. Nos países que respeitam o direito das mulheres sobre seu próprio corpo, um comprimido custa um dólar. Aqui, chega a R$ 200 no mercado clandestino. A mesma coisa com uma operação: um aborto clandestino custa mais de R$ 5 mil numa clínica. No SUS, o procedimento custa R$ 150 (incluindo médico, hospital e equipamento).
“Espero estar viva para ver a legalização do aborto no Brasil, para a gente ter o direito, o domínio sobre o próprio corpo”, disse a moça de Apucarana. Pois é, eu também.
O post “POLÍCIA FAZ TOCAIA PARA PRENDER MULHERES QUE QUEREM ABORTAR NO PARANÁ” foi publicado em 13th July 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva