Mais uma história revoltante pra provar como é difícil ser mulher num país machista como o Brasil. E pra provar também que a Polícia Militar tem que acabar . Vem comigo.
Jéssica Paulo do Nascimento, 28 anos, fazia parte do batalhão em Praia Grande, litoral de SP. Em 2018, o tenente-coronel Cássio Novaes, que trabalhava na capital, passou pelas companhias para se apresentar aos policiais militares. Cássio aproveitou a primeira oportunidade para assediar Jéssica. Ela conta: “Em um momento em que a gente ficou um pouco sozinho, ele veio em uma total liberdade, uma intimidade. Mas a gente nunca tinha se visto, né? E me chamou pra sair na cara dura”.
A policial fez o que tantas mulheres fazem ao receberem assédio sexual : além de recusar o “convite” educadamente, disse a ele que era casada e tinha filhos. Aqui cabem alguns parênteses. Até mulheres solteiras e desimpedidas recorrem ao “eu tenho namorado”, já que, numa sociedade patriarcal, uma mulher sozinha é vista como “sem dono”, vulnerável, e se não é de um macho, não é de ninguém, é de todos. Por isso os caras falam baixarias para mulheres e meninas sozinhas na rua, mas não falam nada se elas estão acompanhadas de um homem.
Outra coisa: somos treinadas desde pequenas a sermos gentis com os homens e a obedecê-los. Se já é difícil pra uma mulher comum recusar um babaca sem ser educada, imagina pra uma soldado, que foi doutrinada para respeitar toda essa baboseira chamada hierarquia militar ? Não estou dizendo que Jéssica não o recusou categoricamente, só explicando como um simples “não, obrigada” já é duro.
Jéssica conta que “Depois desse dia, minha vida virou um inferno. No outro dia, ele já começou a me perseguir no serviço”. Uma das coisas que Cássio fez foi impedir toda a companhia dela de prestar um dos testes físicos necessários para o concurso público do Corpo de Bombeiros, a ambição de Jéssica. Além disso, ele a transferiu para uma companhia longe da sua casa e, consequentemente, dos seus dois filhos pequenos. Numa reunião, ele a humilhou na frente de outros quatro colegas.
A humilhação foi tanta que ela precisou de atendimento psiquiátrico e foi afastada do serviço por seis meses. Em seguida, tirou uma licença (sem receber salário) por dois anos, pensando que até que ela voltasse, ele iria se aposentar e esquecê-la. Infelizmente, não foi isso que aconteceu. Assim que Jéssica voltou, ele conseguiu o número do celular dela e passou a assediá-la por telefone. Prometeu sustentar seus filhos, promovê-la e transferi-la. “E ninguém saberá sou silêncioso [sic] Só nós dois saberão”, escreveu pra ela.
Um advogado orientou Jéssica a deixá-lo falar para ver até onde ele iria, enquanto ela coletava provas do assédio. Ela tem até um áudio com ameaças , em que Cássio diz “não existe segredo entre dois, um tem que morrer”, “Cuidado”, e “quem não tem problema na vida, está no cemitério”.
O estopim para a denúncia foi no dia 2 de abril. Cássio prometeu que a transferiria se ela fosse com ele até o Departamento Pessoal da Polícia, em São Paulo. Mas ela ficou sabendo que o DP estaria fechado por causa do feriado de Páscoa. Ele mesmo confirmou que o plano era levá-la para um hotel. Jéssica formalizou a denúncia na Corregedoria da PM. A PM disse que instaurou um inquérito e afastou Cássio do comando do batalhão.
Mas as coisas não melhoraram para Jéssica. Pelo contrário: a PM tirou sua arma e a colocou para trabalhar na rua à noite (mesmo sofrendo ameaças de morte ). Teve pedidos de transferência, direito a férias, medidas protetivas e afastamento por abalo psicológico negados. E foi advertida por dar entrevistas sobre as denúncias. Se a PM trata assim os seus, é de se pensar como essa instituição reestruturada durante a ditadura militar trata os demais, os reles cidadãos. Sabemos como a PM trata negros. Não é à toa que uma pesquisa de 2019 revelou que 51% dos entrevistados tinham mais medo que confiança na PM.
Diante de tanta pressão, e da possibilidade de ser expulsa, Jéssica tomou a decisão de deixar a carreira . Sua exoneração foi publicada ontem. Ela espera justiça e usará as provas que tem para entrar com uma ação judicial contra o Estado.
Jéssica fez tudo certo. Denunciou o assediador, coletou provas, está falando sobre o caso para ter visibilidade (o que equivale à proteção negada pelo Estado), e pretende criar uma rede de apoio para ajudar outras vítimas de assédio moral e sexual. No entanto, foi ela que teve que sair da polícia. Cássio, seu assediador, continua lá.
O post “PM QUE DENUNCIOU ASSÉDIO DE TENENTE-CORONEL É EXONERADA” foi publicado em 27th May 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva