Violações graves de direitos humanos, irregularidades no licenciamento ambiental, deficiências nos estudos de impacto ambiental e a utilização de tecnologias ultrapassadas que provocam um dano socioambiental 30 vezes maior do que outras tecnologias existentes.
Essa é a lista de problemas apontados por pesquisadores no projeto de extração de lítio da Sigma Lithium S.A no projeto da mineradora canadense na Grota do Cirilo, localizada nos municípios de Araçuaí e Itinga (MG).
A nota técnica encaminhada aos órgãos ambientais mineiros recomenda a suspensão imediata das atividades da empresa . É assina por professores de quatro núcleos de pesquisa vinculados à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e à London South Bank University, todos envolvidos no projeto de pesquisa internacional LIQUIT (Local, Indigenous, Quilombola and Traditional Communities and the construction of the ‘Lithium Valley’ in Minas Gerais, Brazil: Empowering silenced voices in the energy transition).
O documento também pede a revogação de todas as licenças ambientais concedidas ao empreendimento; a revisão do licenciamento, incorporando saberes locais e a Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI); e a priorização de estudos para averiguar a viabilidade ambiental de tecnologias de baixo impacto, como a mineração subterrânea.
Entre os pontos levantados pelos pesquisadores no documento sobre a questão ambiental que envolve a Sigma está a separação do licenciamento ambiental de um único empreendimento em vários projetos.
Segundo o comunicado dos pesquisadores das universidades, a Sigma “fragmentou” o licenciamento ambiental “em múltiplos processos para evitar análise integrada dos impactos, simplificar e acelerar os procedimentos de regularização ambiental”.
O projeto, dizem os pesquisadores, é um único complexo industrial com até nove cavas planejadas, mas foi dividido em requerimentos de licenças separadas. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da empresa omitiu análise de impactos cumulativos com outras mineradoras na região e, por ser dividido em partes, também viola decreto do governo mineiro de 2018, afirmam.
“Isso não é licenciamento, é um greenwashing burocrático. As solicitações reiteradas de ampliações da infraestrutura para o empreendimento ferem o artigo 16 do Decreto nº 47.383/2018, que estabelece a obrigatoriedade de inclusão de todas as atividades, considerando áreas contíguas ou interdependentes, sob pena de aplicação de penalidade caso seja constatada fragmentação do processo de licenciamento”, aponta Marcos Zucarelli, pesquisador do GESTA/UFMG.
Os pesquisadores afirmam ainda que o controle sobre as águas da região não está sendo respeitado no pedido da Sigma. Segundo a nota técnica, as medidas mencionada no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para monitoramento e controle dos valores-limite referentes à qualidade das águas superficiais e subterrâneas, de exposição à poeira, ruído e vibrações “não configuram medidas de prevenção, mitigação ou compensação de impactos, segundo as normas do governo estadual (art. 27 da DN COPAM 217/2017″.
“Embora a possibilidade de mudanças na hidrogeologia devido às cavas seja mencionada superficialmente em alguns lugares, nenhum estudo sistemático aprofundado das mudanças nos aquíferos da foi apresentado. Isso seria particularmente importante em vista dos efeitos cumulativos associados às cavas adicionais que a Sigma Lithium planeja escavar no futuro e às atividades de outras empresas nas imediações das operações da Sigma”, diz a nota.
Foto de destaque: operação da Sigma no Jequitinhonha / Rebeca Binda
Sigma ocupou audiência pública que discutia ampliação do projeto com pessoas beneficiadas pela empresa, diz nota técnica
Entre os 11 itens da nota técnica constam problemas relacionados com as audiências públicas que foram solicitadas pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para avaliar a situação das comunidades Piauí Poço Dantas e Ponte de Piauí. Ambas são afetadas pela por danos às suas moradias, poluição sonora, poeira e poluição da água causados pelo projeto.
Ainda em julho de 2023, reportagem do Observatório da Mineração mostrou os problemas gerados pelo projeto da empresa nas comunidades indígenas e quilombolas da região.
Os problemas já tinham sido relatados desde que o projeto entrou em operação em 2023, mas os temas deveriam ser abordados na avaliação dos estudos ambientais que instruem o pedido para a ampliação do mesmo projeto.
Segundo os pesquisadores, nos encontros realizados nos dias 9 e 10 de abril deste ano em Itinga-MG e em Araçuaí-MG as respostas dos representantes da Sigma não mostraram disposição para resolver a situação.
Além disso, o documento afirma que a empresa fez um “enorme esforço corporativo” para mobilizar as pessoas beneficiadas pelos programas sociais da empresa.
“Percebe-se que o limite de 36 falas com duração de três minutos cada para manifestação da sociedade civil, conforme previsão da Deliberação Normativa nº 225/2018, foi dominado por intervenções dessa natureza. Como observou o promotor Rauali Kind Mascarenhas, tais contribuições desviaram-se do foco principal da Audiência Pública, que era discutir os impactos ambientais existentes e as possíveis soluções”, destaca a nota técnica.
O licenciamento também ignorou, segundo os pesquisadores, a consulta prévia às comunidades, conforme determina a Convenção 169 da OIT, e “utilizou majoritariamente dados socioeconômicos secundários e informações coletadas pela própria Sigma, ferindo a independência necessária para processos dessa natureza”.
“As populações que vivem no território foram estrategicamente silenciadas. A empresa apresentou 14 slides reciclados de outros EIAs com dados sobre o meio físico e biótico, enquanto o meio socioeconômico mereceu apenas um, sem qualquer menção a risco para habitações vizinhas ou potenciais ameaças a economias e culturas locais.” destacou Francisco Calafate-Faria, pesquisador da London South Bank University e coordenador do Projeto LIQUIT.
Vanessa Juliana, pesquisadora e extensionista do Observatório dos Vales e do Semiárido Mineiro, afirmou que moradores denunciam as condições degradantes de vida nos seus territórios após o início das atividades da mineração e relacionadas ao barulho, à poeira, às rachaduras nas casas, à insegurança habitacional e patrimonial.
“A empresa ignorou as queixas das comunidades afirmando que monitorava ruídos e vibrações e alegando legalidade dos procedimentos. Também não foi considerado que as cerca de 70 famílias diretamente atingidas por esse processo tiveram suas vidas completamente transtornadas, com os barulhos do desmonte das rochas e do trânsito de veículos de grande porte o tempo todo”, diz.
Empresa usou solução “obsoleta” de extração e de maior impacto, afirmam pesquisadores
A nota técnica afirma que a Sigma Lithium, apesar de se posicionar como pioneira na “mineração sustentável”, opera com o método de open pit mining (mina a céu aberto).
“Tecnologia considerada obsoleta e responsável por gerar 94% de estéril (lixo mineral) e apenas 6% de minério de lítio. Enquanto isso, outra empresa, vizinha ao projeto da Sigma, utiliza há três décadas o método sublevel stoping (mineração subterrânea), que reduz em 30 vezes o consumo de terra e a geração de estéril”, avaliam os pesquisadores.
“A Sigma escolheu o caminho mais barato e destrutivo, transformando o Vale do Jequitinhonha em um território vítima do consumismo no exterior. Enquanto empresas locais operam com eficiência e menor impacto, ela está devastando áreas sensíveis, ignorando soluções técnicas viáveis”, afirma Klemens Laschefski, professor do Departamento de Geologia da UFMG e pesquisador do GESTA – UFMG.
O projeto citado na comparação é o da empresa brasileira Companhia Brasileira de Lítio (CBL) que, segundo a análise, vem minerando lítio em uma formação geológica semelhante desde 1992, por meio de mineração subterrânea.
“O erro fundamental das autoridades ambientais é que elas basicamente adotaram a avaliação econômica abstrata da empresa Sigma e categorizaram o projeto de acordo com o produto que se espera que gere o maior lucro: os depósitos de pegmatito/espodumênio. Ao fazer isso, eles cometeram exatamente o equívoco que os estudos ambientais deveriam evitar, já que a concessão das licenças permitiu que a empresa externalizasse os problemas sociais e ecológicos causados pelo uso extremo da terra”, afirma a nota técnica.
A reportagem não recebeu até o fechamento desta edição resposta ao pedido de posicionamento da Sigma sobre a nota técnica enviada em 29 de abril. O espaço continua aberto para receber as informações da Sigma.
Fonte
O post “Pesquisadores pedem paralisação da extração de lítio da Sigma no Vale do Jequitinhonha” foi publicado em 07/05/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração