Um projeto de revitalização da praia em Matinhos (PR), apresentado pelo governo do Estado, está sendo contestado por um grupo de 17 pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), com ampla experiência em pesquisa e atuação no litoral paranaense. Em nota técnica , a equipe de cientistas alerta “para as graves consequências ambientais, paisagísticas e financeiras do empreendimento, assim como para a qualidade de vida da população afetada, especialmente em longo prazo”.
Para o grupo, composto por quatro geólogos, três oceanógrafos, dois geógrafos, quatro biólogos, além de um engenheiro cartógrafo, um advogado, um químico e uma socióloga, todos referências em suas áreas de pesquisa, “a insistência em se manter este empreendimento, mesmo frente às inconsistências técnicas apontadas, significará, de fato, protelar a solução dos problemas ou até mesmo intensificá-los ou transferi-los para outras localidades do litoral paranaense”.
Com um custo estimado de R$ 513 milhões, o projeto prevê a “engorda” da praia, ou seja, o alargamento da faixa de areia com obras de aterramento e colocação de areia dragada de outro local. O projeto do Estado propõe ainda a colocação de blocos de rocha compactados em uma faixa de oito quilômetros, na Avenida Atlântica e Avenida Beira Mar.
De acordo com os pesquisadores, as imensas barreiras da costa até o mar mudam a dinâmica do oceano e causam um grande impacto visual e ambiental. O projeto atual prevê um par de guias-correntes no canal da Avenida Paraná, outro na foz do Rio Matinhos e um terceiro na foz de um canal artificial a ser escavado no Balneário Saint Etienne.
O plano também propõe a construção de um espigão (estrutura de concreto transversal à costa) ao Norte da Praia Brava, e dois headlands (espigões com alargamento na extremidade voltada para o mar) nos balneários Riviera e Saint Etienne. Além disso, também deverá ser feita a reposição de areia com “engordamento” artificial da praia, obras de macro e microdrenagem, revitalização urbanística e pavimentação. O problema, segundo os pesquisadores, é que não existe nenhum plano de manutenção que leve em conta o custo real para manter os anteparos artificiais.
Para piorar a situação, diz o grupo, o projeto atual é, na verdade, um reaproveitamento de outro anterior, elaborado pelo setor público em 2009, com outros objetivos e outra conformação. “A proposta atual em discussão é de um plano elaborado em 2009, que hoje está muito defasado”, diz o turismólogo e especialista em conservação da natureza, André Dias, gerente de projetos da ONG Observatório de Justiça e Conservação. “Ele era chamado de revitalização da orla de Matinhos e previa estruturas diferentes das que pretendem ser feitas agora, depois de mais de 10 anos.”
De acordo com ele, o projeto precisaria levar em conta o histórico das pesquisas científicas do litoral do Paraná. “Nessa faixa costeira, entre os municípios de Matinhos e Pontal do Paraná, os balneários têm a mesma característica na orla, e é perceptível que os locais onde se respeita a restinga, ainda têm segurança contra as ressacas e a ação natural das marés”, explica. “Este é um fato que o atual projeto não leva em conta, e não envolve da forma correta a sociedade e a população que realmente vive nestes locais e não somente utiliza as áreas como segunda residência.”
Para o geólogo Rodolfo José Ângulo, do Programa de Pós-Graduação em Geologia, da UFPR, coordenador do grupo que avaliou o projeto, a proposta do governo cobre apenas parcialmente os conhecimentos técnicos necessários para o sucesso de intervenções dessa natureza. “As nossas notas técnicas são de cunho público e trazem as lacunas e inconsistências a serem consideradas, avaliadas e resolvidas, bem como recomendam que todo o processo seja reelaborado dentro de uma tramitação institucional que assegure os interesses da população, a legalidade e a minimização de riscos associados”, diz. “É impreterível considerar alternativas de menor impacto e custo, tanto de implantação quanto de manutenção.”
De acordo com ele, os principais impactos ambientais se referem às chamadas obras complementares – headlands e guias-corrente (pares de espigões construídos na foz de um rio ou canal para mantê-la desobstruída de areia e possibilitar a navegação) –, que interrompem o fluxo natural de areia nas praias, provocando acúmulo num lado das obras (lado sul) e erosão nas praias ao norte, no caso desde Saint-Etienne até Pontal do Sul. “Há ainda diversos outros impactos nos meios físico, biológico e social”, acrescenta.
Segundo Dias, por sua vez, são diversos impactos ambientais. “Talvez o principal deles seja a alteração da dinâmica de sedimentos na região, incluindo a alteração no transporte de areia pelas correntes marinhas”, explica. “É impossível negar que o mar tem uma dinâmica própria de acúmulo e retirada de areia em diferentes áreas e períodos. A partir do momento que se interfere artificialmente neste fluxo, há um desequilíbrio significativo.”
Por esses motivos, o grupo de pesquisadores da UFPR recomenda a reformulação da proposta conceitual e do projeto, “alinhando-as com as melhores práticas recomendadas por documentos orientadores do assunto, tanto na literatura especializada como em nível federal. Também se recomenda que o processo de licenciamento ambiental seja reiniciado.”
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