As mudanças climáticas em andamento no planeta afetam as florestas tropicais e os recifes de corais de diferentes maneiras em toda a região tropical, desde o Brasil até a África e Austrália. No artigo “Climatic and local stressor interactions threaten tropical forests and coral reefs ” (Interações estressoras climáticas e locais ameaçam florestas tropicais e recifes de coral, em português), publicado em janeiro na Philosophical Transactions, os pesquisadores Filipe M. França, da Embrapa Amazônia Oriental em Belém/PA, Cassandra Benkwitt, da Universidade de Lancaster no Reino Unido, e colaboradores esclarecem onde e como esses eventos climáticos extremos afetam os dois ecossistemas mais biodiversos da Terra, quais suas consequências e como podemos mitigar e nos adaptar a tais mudanças, nas escalas local e global.
O primeiro autor do artigo, Filipe França, explica que em uma escala global as mudanças climáticas estão aumentando a frequência, duração e intensidade de eventos climáticos extremos, como tempestades intensas, furacões, inundações, ondas de calor e secas. “Os impactos ecológicos desses extremos climáticos nas florestas tropicais e nos recifes de coral podem ser exacerbados pela influência da mudança do clima na temperatura e precipitação, bem como por atividades humanas que prejudicam esses ecossistemas na escala local”. Para o pesquisador, em toda a região tropical desde o Brasil até a África e Austrália, a combinação de altas temperaturas com estações secas mais longas e mais severas vêm aumentando a ocorrência de incêndios florestais em larga escala – alguns exemplos importantes incluem os mega-incêndios que aconteceram na Austrália recentemente, no Sudeste Asiático e região Amazônica durante o El Niño em 2015-2016. As florestas tropicais também estão sendo ameaçadas por furacões mais intensos e frequentes, que já causaram extinções locais e globais de espécies de aves que ocorriam nas floresta das ilhas do Caribe.
Tais impactos sobre as florestas tropicais são agravados, segundo França, pelo desmatamento – a remoção total da floresta – e a degradação florestal por outras atividades humanas, como a exploração seletiva de madeira. Tais ações estão tornando as florestas remanescentes mais secas e suscetíveis a incêndios. “Esses distúrbios, combinados com estações secas mais longas e quentes, aumentam a inflamabilidade das florestas, bem como as chances de incêndios florestais vizinhas. A seca e os incêndios florestais também influenciam o ciclo de carbono e evaporação de água nas florestas, podem interagir com o aumento da poluição através da liberação de dióxido de carbono e outros aerossóis que causam uma menor formação de nuvens e chuvas na escala regional. As mudanças climáticas também aumentam a suscetibilidade das florestas tropicais a extremos climáticos. Por exemplo, o declínio na cobertura de nuvens e o aumento dos níveis de CO2 estão favorecendo o desenvolvimento de cipós que poderão prejudicar ainda mais as árvores que estão sofrendo com a falta de água durante períodos de seca prolongada”.
Já no caso dos recifes de corais, Cassandra Benkwitt esclarece que as tempestades trazem danos estruturais e altas taxas de mortalidade. “No entanto, o maior vilão dos ecossistemas de corais é o aumento da temperatura oceânica, que vem gerando eventos de branqueamento em massa e mortalidade de corais formadores de recifes em diferentes regiões do planeta. Em particular, as temperaturas extremamente altas da superfície do mar nos oceanos tropicais e extratropicais durante o El Niño de 2015/2016 causaram um dos mais catastróficos eventos de branqueamento de corais na escala mundial, resultando em níveis de mortalidade de corais jamais vistos”.
Benkwitt acrescenta que o conjunto de mudanças do clima, eventos climáticos extremos e outros distúrbios causados pelo homem localmente são os principais fatores de perda de biodiversidade nos recifes de coral tropicais. “Os corais já estão amplamente ameaçados por distúrbios locais, tais como a pesca excessiva, poluição do ecossistema marinho, doenças, sedimentação e carregamento de nutrientes. Embora atuem em escalas espaciais maiores, as mudanças do clima e os eventos climáticos extremos interagem com esses distúrbios antrópicos locais, maximizando seus impactos negativos nos ecossistemas de recifes de coral. As mudanças climáticas, em particular, também estão aumentando a frequência, duração e intensidade das ondas de calor marinhas, trazendo os ecossistemas de corais para seus limites de tolerância para sobrevivência. Por exemplo, estudos mostram que a perda dos corais é maior e a recuperação dos ecossistemas é mais lenta em regiões onde a pesca excessiva afetou processos ecológicos importantes como predação e herbivoria”.
Estudos com besouros-do-esterco e peixes-papagaio
As florestas tropicais e os recifes de corais abrigam diversas espécies e muitas delas ajudam a manter a saúde desses ecossistemas. A equipe de cientistas que participou da publicação investigou como a seca extrema e a onda de calor marinha que ocorreram durante o El Niño de 2015-2016 impactou os besouros rola-bostas na região amazônica e os peixes papagaio das Seychelles, respectivamente. França explica que, embora esses animais sejam muito diferentes, ambos beneficiam os ecossistemas florestais e marinhos das regiões tropicais. “Por exemplo, os besouros rola-bosta são insetos que ajudam a espalhar as sementes e os nutrientes que estão presentes nas fezes dos mamíferos, enquanto que os peixes papagaios são herbívoros que podem contribuir para a manutenção dos corais através do consumo de algas que competem com os corais”
O estudo dos besouros mostrou que, após a seca extrema, florestas amazônicas com menos diversidade de besouros também apresentaram menores taxas de dispersão de sementes. “Esse resultado é um bom exemplo de como a perda de espécies pode prejudicar o funcionamento das florestas”. Já nos recifes de corais das Seychelles, os pesquisadores encontraram uma ligação positiva entre o número de espécies de peixes-papagaio e as taxas de herbivoria de algas tanto antes quanto depois da onda de calor marinha durante o El Niño de 2015-2016. “Essa diferença nos impactos entre os besouros e os peixes-papagaios mostra que as consequências causadas por extremos climáticos podem variar entre ecosistemas diferentes”.
Importância das florestas tropicais e dos recifes de corais
As florestas tropicais e os recifes de coral são extremamente relevantes para a natureza e para as pessoas. França afirma que esses ecossistemas abrigam a maior parte da diversidade biológica na Terra: mais de 65% de todas as espécies terrestres conhecidas são encontradas na florestas tropicais, enquanto os recifes de coral abrigam o maior número de espécies de qualquer ecossistema marinho. “Esses ecossistemas também fornecem serviços ecológicos importantes para as pessoas, independente de onde eles morem neste planeta. Por exemplo, as florestas tropicais ajudam a controlar o clima global através do armazenamento de 25% de todo o carbono presente nos ecossistemas terrestres. As florestas tropicais também influenciam a produção de chuvas, não apenas regionalmente mas também em áreas muito distantes. A evaporação a partir da floresta amazônica, por exemplo, contribui para 70% das chuvas que chegam à bacia do Rio da Prata – a umidade viaja por milhares de quilômetros antes de virar chuva em outra região!”.
No mundo marinho, Benkwitt explica que os recifes de coral sustentam processos ecológicos cruciais para mais de 500 milhões de pessoas que vivem a 100 km deles e que utilizam os recifes de coral e seus produtos para diferentes fins, como na alimentação, pesca e turismo. “Além disso, estima-se que até 197 milhões de pessoas são beneficiadas pela proteção que os recifes de corais proporcionam na região costeira de diversos países”.
Desafios e soluções
França afirma que os principais desafios que enfrentamos atualmente é controlar as mudanças do clima e proteger os ecossistemas mais biodiversos do planeta: as florestas tropicais e recifes de coral. Ele defende que a solução contra eventos climáticos extremos tão diversos é reduzir as emissões de gases do efeito estufa para controlar as mudanças climáticas. “Precisamos de um esforço coletivo – cidadãos, tomadores de decisões, cientistas, instituições governamentais e da iniciativa privada e formuladores de políticas brasileiras – com a participação de toda a população brasileira para garantir que nossas florestas sejam mantidas de pé e protegidas contra a degradação florestal causada por atividades humanas como a mineração e exploração madeireira que prejudicam a saúde da floresta. Manter as florestas saudáveis não apenas favorecerá a habilidade delas de armazenar carbono, o que ajuda a controlar as mudanças no clima e os eventos climáticos extremos; mas também manterá o alto valor de biodiversidade desses ecossistemas”.
De acordo com o pesquisador, ações para mitigar os impactos dos distúrbios climáticos no Brasil (e no mundo) serão mais eficientes se forem desenvolvidas em conjunto com os atores locais, e respeitando as condições socioeconômicas das diferentes regiões. Ele toma como exemplo investimentos em programas para a agricultura familiar e de subsistência que sejam menos dependente do fogo na região amazônica, e em programas de gestão comunitária para as populações costeiras que dependem dos recursos a partir dos corais e da pesca em pequena escala para sua subsistência. “Parcerias internacionais também são fundamentais, tanto para o desenvolvimento de tecnologias para reduzir as emissões de gases do efeito estufa quanto para fortalecer a luta contra o desmatamento e a degradação das florestas do nosso país. Controlar as mudanças climáticas pode ser a única maneira de reduzirmos os riscos de extremos climáticos cada vez mais severos e frequentes”.
O pesquisador destaca ainda a importância dos investimentos e pesquisas focados na restauração desses ecossistemas, de forma a facilitar a recuperação pós-distúrbio dos seus habitats e diversidade biológica. “Como diz o ditado, `é melhor prevenir do que remediar`, e ainda mais importante é evitar a degradação desses ecossistemas por distúrbios causados por atividades humanas. Embora ações locais sejam importantes para a manutenção desses ecossistemas, elas não serão suficientes se não abordarmos a questão mais importante numa escala global: as mudanças do clima. A nossa geração atual é considerada com a última com a oportunidade de efetivamente freiar as mudanças climáticas e suas conseqüências catastróficas para os seres humanos e a natureza. Isso só será alcançado de maneira eficaz se tivermos um esforço coletivo e investimentos focados tanto no controle do desmatamento para aumentar a absorção de carbono pelas florestas, quanto em tecnologias de baixo carbono para reduzir as emissões de gases de efeito estufa”.
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