Este será um post um pouco polêmico por dois motivos. Primeiro que não vou escrever sobre o genocídio que Israel está cometendo contra os palestinos. É difícil pensar em qualquer outra coisa, mas eu sempre fui pró-Palestina e me dói escrever sobre esse massacre. Segundo que, embora este seja um post em homenagem a um ator muito querido, eu falarei um pouco sobre sua vida difícil.
Apesar de inúmeros problemas (falta de diversidade, gordofobia, transfobia, piadas que envelheceram mal etc), eu e uma multidão de gente adoramos a série Friends. São dez temporadas (entre 1994 e 2004), ou 236 episódios curtos e, na maior parte das vezes, extremamente divertidos, que podem ser vistos ou revistos a qualquer hora. A sitcom é considerada uma das melhores de todos os tempos. Seus seis atores principais tinham uma química perfeita (eram amigos por trás das câmeras), um grande timing cômico, e ajudaram a criar personagens inesquecíveis — ainda que com muitos defeitos.
E não há dúvida que um dos melhores nesse elenco só de feras foi Matthew Perry, que interpretava Chandler Bing. Esse rapaz inseguro, que constantemente tentava disfarçar sua baixa autoestima com piadas, continha um pouquinho de cada um de nós. Era fácil se identificar com ele, rir com ele e, inclusive, rir dele. Quase sempre as falas mais engraçadas eram dele. E era esquisito, porque todo mundo fingia que ele não era bonitão (bem mais que Ross e Joey). E seu romance com Monica foi muito mais aceito que o de Ross e Rachel. Eles combinavam.
A morte de Matthew Perry no sábado pegou todo mundo de surpresa. Ele só tinha 54 anos e as primeiras informações indicam que não havia drogas no local e que a causa foi afogamento. Ele estava em sua jacuzzi. Cinco dias antes, havia postado no instagram uma foto relaxando dentro da jacuzzi, contemplando a vista. Pode ter sido um acidente, pode ter sido uma overdose, pode ter sido álcool, um ataque cardíaco (só não foi a vacina contra a Covid, como negacionistas insistem em atribuir a qualquer morte).
Mas ele já quase havia morrido antes, várias vezes. Em 2019, antes da pandemia, não morreu por um triz. Seu cólon se rompeu (li que explodiu) devido ao uso de opioides. Os médicos disseram que ele tinha 2% de chances de sobreviver aquela noite. Mas ele conseguiu ficar em coma por duas semanas, fora vários meses internado no hospital. Teve também que usar uma bolsa de colostomia durante nove meses.
Dois anos depois, numa clínica de reabilitação na Suíça, seu coração parou de bater após uma reação a sedativos. Os médicos quebraram oito de suas costelas para ressuscitá-lo. Foi por isso que ele teve que desistir de atuar ao lado de Meryl Streep em Não Olhe Para Cima.
Não é exatamente fofoca. Ele mesmo contou tudo isso numa autobiografia lançada faz um ano, Friends, Lovers and the Big Terrible Thing. Lá ele também escreveu, aos 53 anos: “Nesse ponto da minha vida, a gratidão derrama de mim porque eu deveria estar morto, e de alguma forma não estou”.
Ele esteve em clínicas de reabilitação diversas vezes, a primeira em 1997, por se viciar em remédio pra dor depois de um acidente de jet ski. Ele calculou que gastou 9 milhões de dólares nesses tratamentos. E transformou uma mansão numa clínica de reabilitação para outros homens. Foi a umas 6 mil reuniões dos Alcoólatras Anônimos.
Na autobiografia, ele estimou que teve que passar por doze cirurgias para salvar sua vida. Contou que chegou num ponto que seu corpo estava tão debilitado que ele perdeu os dentes da frente ao morder uma torrada.
Ele chegou a tomar 55 comprimidos de Vicodin (pra dor) por dia. E não era pra ir a festas.
Ele tomava tudo aquilo na casa dele, sozinho. Ele ia a open houses (casas à venda que podem ser visitadas) e pegava nos banheiros as pílulas deixadas pra trás pelos donos. Afirmou que nunca apareceu alterado durante as filmagens. Ao mesmo tempo, disse a um entrevistador em 2016 que não se lembrava de ter filmado três temporadas de Friends. E confidenciou que Jennifer Aniston foi ao seu trailer para carinhosamente lhe dizer “podemos sentir o cheiro do álcool”.
Foi uma vida difícil, apesar de todo seu sucesso (nas últimas temporadas ele estava recebendo um milhão de dólares por episódio, e seu patrimônio está estimado em US$ 120 milhões). Ele namorou lindas atrizes como Julia Roberts, Heather Graham, Gwyneth Paltrow, entre outras, mas nunca casou.
O que todo mundo que trabalhou e conviveu com ele está dizendo é que ele era genuinamente um cara legal, um grande amigo. Claro que é normal que digam isso quando uma celebridade morre, mas dá pra ver pelas declarações quando é mais verdadeiro e unânime (vi isso recentemente, em julho, na morte do Treat Williams — todos gostavam dele).
E, pro resto do mundo, que só o conhecia por seu trabalho, principalmente pelo seu papel em Friends (ao ler o roteiro da série pela primeira vez, ele decidiu: “Não é que eu pensava que poderia interpretar o Chandler. Eu era o Chandler”), a sensação é de ter perdido um amigo. Não é por acaso que a frase mais repetida é “Aquele [episódio] em que todos perdemos um amigo”. Matthew Perry fará falta.
O post “PERDEMOS UM AMIGO: MATTHEW PERRY” foi publicado em 30/10/2023 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva