Habitantes de áreas úmidas temporárias, como brejos e poças, os peixes das nuvens são animais fascinantes, resilientes e muito ameaçados. Recentemente, pesquisadores tiveram mais uma prova disso ao encontrar uma espécie criticamente ameaçada de extinção de rivulídeo – o nome formal e menos poético dado aos peixes das nuvens – no meio de uma área industrial, situada no município de Seropédica, no estado do Rio de Janeiro.
O Leptopanchax opalescens foi resgatado por pesquisadores do Laboratório de Ecologia de Peixes (LEP) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). O último registro da espécie havia sido feito há mais de oito anos, na cidade do Rio de Janeiro.
A iniciativa faz parte de um projeto de monitoramento de rivulídeos feito pelo Laboratório em parceria com a empresa do ramo alimentício BRF S.A., através de um convênio com a Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica da UFRRJ (Fapur).
“O objetivo principal do monitoramento é a detecção de áreas de ocorrência de peixes da família Rivulidae no interior da unidade de Seropédica da BRF. Quando os peixes são detectados, essas áreas são georreferenciadas e demarcadas para serem protegidas de intervenções humanas. Logo após o registro dos peixes, é iniciado o processo de monitoramento da qualidade da água e do habitat, além da análise de parâmetros populacionais dos peixes. Essas informações abastecem bancos de dados de órgãos ambientais, como o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), e são a base para ações de manejo e conservação das espécies”, explica o biólogo Gustavo Henrique Soares, que integra a equipe de coletas da pesquisa.
Os principais resultados da coleta do Leptopanchax opalescens foram divulgados em artigo publicado na revista científica Zoologia, da Sociedade Brasileira de Zoologia . Além do histórico de registros de ocorrência da espécie, informações sobre o habitat, parâmetros físico-químicos da água dos brejos, também foram descritos – pela primeira vez para o L. opalescens – dados populacionais, como relação peso-comprimento, proporção sexual e tamanho.
Existem 350 espécies conhecidas de peixes das nuvens no Brasil, distribuídas por todos os biomas. Dessas, 125 aparecem na última Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente, em 2014. Ou seja, mais de um terço de todos os rivulídeos conhecidos estão sob algum risco de extinção.
A principal ameaça para esses peixes é a perda de habitats pela ação humana. Para sobreviver aos períodos de seca, os rivulídeos passam longos períodos enterrados no fundo dos brejos, o que faz com que sua presença muitas vezes passe despercebida.
“Quando os gestores de uma empresa são informados da ocorrência de uma espécie ameaçada no interior de um empreendimento, são necessárias adequações no projeto, de modo a amortizar ou mesmo interromper o impacto. Isso faz com que uma área antes prevista para ser edificada converta-se em uma área de proteção ambiental. A recuperação de habitats degradados, um plano de manejo de longo prazo, demarcação de reserva legal e programas de educação ambiental são medidas futuras cabíveis que podem contribuir para a conservação dessa espécie”, completa o biólogo.
O município de Seropédica possui outra espécie de peixes das nuvens listada no Livro Vermelho da Flora Brasileira Ameaçada de Extinção: a Notholebias minimus, com distribuição conhecida na Floresta Nacional Mário Xavier. Em dezembro, os pesquisadores obtiveram a permissão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para dar início a um plano de coletas dessa espécie no local. O último registro oficial da Notholebias minimus no município ocorreu no ano de 1983.
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