A pandemia da Covid-19 revelou a fragilidade da sociedade e de seu sistema econômico e social em fazer frente a eventos complexos e grande escala, os quais podem ocorrer com mais frequência conforme sinalizam os relatórios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e do IPCC (The International Panel on Climate Change) . Apesar dos alertas do IPCC e dos pesquisadores, quanto a ocorrência de eventos climáticos extremos e aos efeitos da degradação da qualidade ambiental, parece que a sociedade e o sistema econômico e social simplesmente se mostram alheios e indiferentes.
A cada novo evento climático ou “desastre ambiental”, a sociedade mais vulnerável tem amargado perdas incomensuráveis, com a perda de milhares de vidas e bilhões de dólares em perdas materiais.
Os surtos de doenças infecciosas transferidas de animais para humanos, por exemplo, revelam outra interface da relação sociedade-meio ambiente-economia, os quais têm chamado a atenção internacional nos últimos tempos. No período recente a sociedade já vivenciou surtos de Ebola , gripe aviária , gripe suína (H1N1) , Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) , Síndrome Respiratória Aguda Súbita (SARS) , vírus do Nilo Ocidental , Zikavírus , entre outras. Contudo, nenhum destes surtos de doenças infecciosas alcançou a magnitude dos impactos sociais e econômicos da epidemia (pandemia) do novo coronavírus, o COVID-19 . Talvez os surtos infecciosos anteriores tenham sido apenas um ensaio para o que estava por vir. Mas parece que a sociedade não aprendeu muita coisa, porque até o momento a pandemia de COVID-19 tem revelado que a sociedade e o sistema econômico e social não estão preparados para enfrentar um evento complexo de grande magnitude.
Neste momento, a pandemia de COVID-19 mostra seus efeitos pelo mundo, com milhões de casos confirmados, milhares de mortes, milhões de pessoas desempregadas e sem renda, sistemas econômicos e sociais ameaçados, resultando em bilhões dólares em perdas econômicas. Este cenário proporcionará uma das maiores crises sociais e econômicas da história do capitalismo e da sociedade moderna. O FMI (Fundo Monetário Internacional) sinaliza que esta crise deve superar o período da crise de 1929 e de longe a de 2007/08. A sociedade como a conhecemos está ameaçada.
Será que a sociedade como a conhecemos não seja a origem destas crises de saúde, sociais, ecológicas e econômicas?
Evidente que neste momento toda a discussão está centrada ao combate do COVID-19, tais como a busca de medicamentos e o desenvolvimento de vacinas. Em segundo plano tem-se a atenção para as medidas que visam reduzir as perdas econômicas e garantir o emprego (e da renda) agora e no pós-pandemia. O que ainda não tem sido incluído na devida medida neste debate são as mudanças sociais e econômicas necessárias para recuperar e proteger os ecossistemas. Está claro que dependemos do meio ambiente, e não o contrário, e que as crises recentes enfrentadas pela sociedade têm uma importante interface ecológica.
Desde o fim da II Guerra Mundial a sociedade devastou o meio ambiente, a tal ponto que agora tem comprometido a qualidade de vida das pessoas e o seu sistema econômico (entendido como o sistema organizado para prover os bens e serviços essenciais). Um estudo realizado por pesquisadores da Stanford University revelou que o desmatamento (perda da cobertura florestal) pode contribuir para a disseminação de doenças contagiosas para humanos. Isso porque o desmatamento abre a possibilidade do contato dos humanos com novos vírus; na medida que os animais perdem seus habitats ocorre uma aproximação com a sociedade e transmissão de novas doenças.
O exemplo mais famoso é a AIDS (HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana) , em que o vírus foi transmitido aos humanos pelo chimpanzé. E mais recentemente tem-se o COVID-19, em que as primeiras investigações indicam que a contaminação humana ocorreu a partir do consumo de carne animal infectada em regiões da China, mas especificamente em Wuhan .
Estudo do PNUMA de 2016 já mostrava que “60% de todas as doenças infecciosas emergentes nos seres humanos são zoonóticas e estão intimamente ligadas à saúde dos ecossistemas”. As perdas florestais na África Ocidental seriam a causa do surto de Ebola, uma vez que as cidades ou assentamentos humanos se aproximam cada vez mais da vida selvagem. As criações intensivas de aves e suínos estariam conectadas a outros surtos, bem como, o comércio de animais selvagens a outros. Além da perda de cobertura florestal e de habitas, tem-se a influência humana sobre o clima, sobre o uso e cobertura da terra e sobre a vida selvagem.
O resultado tem sido uma perda na biodiversidade, favorecendo determinados hospedeiros/vetores e patógenos. Assim, o avanço do desmatamento e a destruição dos habitats da vida selvagem estariam na causa da maioria destes surtos.
Apesar de o Brasil estar em meio a pandemia de COVID-19, os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que março registrou a segunda maior taxa de desmatamento para o mês dos últimos cinco anos! Nem mesmo uma pandemia é capaz de conter o desmatamento no Brasil.
Mesmo com tantas evidências e alertas, a sociedade tem se comportado de maneira indiferente com o fundamental papel exercido por ecossistemas preservados para a qualidade de vida. Desse modo, não faz sentido pensar um mundo pós-pandemia do COVID-19 sem uma mudança na relação sociedade-meio ambiente-economia. Precisamos remodelar nossa sociedade e nossa economia (entendida como sistema econômico) a partir da dimensão ecológica. É preciso adotarmos a dinâmica ambiental como modelo para a nossa organização social e econômica. Uma perspectiva ecológica e social. Sem uma mudança nesta relação, surtos infecciosos e desastres “ambientais” farão parte da rotina das pessoas. O problema é que não temos uma sociedade e um sistema social e econômico preparado para esta realidade! Estudo publicado por cientistas da Universidade de Harvard na Revista Science, por exemplo, alerta para possibilidade de períodos de quarentena alternada até 2022 e de que o coronavírus Sars-Cov-2 teria incidência sazonal como outros vírus semelhantes.
Se permanecermos com a busca incessante ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) a despeito de seus impactos negativos sobre o meio ambiente e a sociedade, nada terá sido aprendido com a crise do COVID-19. A volta a “normalidade” deve ser encarada como uma nova oportunidade que o meio ambiente estaria oferecendo para a humanidade cuidar da sua casa, o Ecossistema Global.
Lembre-se, o Ecossistema Global não precisa dos humanos!
Até quando a sociedade e o nosso sistema social e econômico suportarão as crises ecológicas, sociais, econômicas e saúde? Este é o momento de fazer um pacto social global em prol da melhoria da qualidade ambiental, sem a qual qualquer ação em termos de infraestrutura econômica se mostrará ineficaz, basta ver a tragédia em curso nos Estados Unidos, o país mais rico do mundo! É isto que deixaremos de legado para as futuras gerações?
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O post “Pandemia, Meio Ambiente e a Sociedade” foi publicado em 23rd April 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco