Empenhado desde o primeiro dia de mandato em abrir terras indígenas para a mineração , Bolsonaro entregou esta semana o projeto que representa fielmente a visão da cúpula do governo federal e dos financiadores da sua campanha. Afinal, é preciso cumprir as promessas e pagar as dívidas adquiridas.
Além de liberar a mineração e o
garimpo em terras indígenas, retirando o poder de veto dos povos originários – a
Constituição e acordos internacionais são meros detalhes – Bolsonaro vai ainda
além do que desejava o projeto base de 1996 de Romero Jucá, o genocida dos
povos Yanomami de acordo com a Comissão da Verdade.
O PL 191/2020 autoriza também o plantio de sementes transgênicas , a construção de hidrelétricas, a pecuária, projetos de petróleo, de gás e também o turismo. É o genocídio e o ecocídio institucionalizado.
Rodrigo Maia, alçado a pessoa razoável por boa parte dos comentaristas de plantão – afinal é muito fácil ser razoável quando se está cercado de fascistas adoradores de torturadores – resolveu mudar de ideia. A promessa de arquivar imediatamente o projeto de lei se transformou em uma comissão especial para analisar o PL .
Não custa nada dar uma olhadinha,
garante o presidente da Câmara. Mais do que isso: o encaminhamento foi instantâneo,
demonstrando o “prestígio” de que o PL goza. Outros projetos de interesse do
governo que também demandam análise de uma comissão especial – como a
privatização da Eletrobras, por exemplo – aguardam meses na fila.
O PL concretiza o sonho de grandes
mineradoras, de garimpeiros, do agronegócio predatório e exportador de
commodities, da indústria extrativa, todos apoiadores de primeira e última hora
do candidato e do governo de Jair Bolsonaro. A missão entregue aos ministros
Bento Albuquerque (Minas e Energia) e Sérgio Moro (Justiça) – que assinam o PL
– Tereza Cristina (Agricultura) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) conclui a
primeira etapa com sucesso.
Albuquerque, em especial, se dedicou pessoalmente ao projeto, comandando um “road show” mundo afora para convidar empresas estrangeiras a explorar minérios na Amazônia. O PDAC em Toronto no Canadá, um dos maiores eventos do setor, realizado em março de 2019, foi a primeira parada. O Brasil entrou como patrocinador pela primeira vez na história.
O lema da comitiva brasileira no
PDAC 2019 foi “World Class Exploration Opportunities”, representando um país
com oportunidades de exploração em ‘classe mundial’, termo do setor para
jazidas de grande porte e alto teor mineral. Um convite oficial, deliberado e
patrocinado para a abertura de novas frentes de exploração em solo brasileiro
por grandes multinacionais.
O interesse do agronegócio nas terras indígenas, também contemplado, já havia sido há muito anunciado por Bolsonaro ao cooptar os parecis do Mato Grosso. Ricardo Salles foi o garoto propaganda da vez . De acordo com pesquisa, quase 90% dos brasileiros são contra mineração em terras indígenas . Bolsonaro recebeu 57,8 milhões de votos.
Para um governo francamente anti-indígena que repete os mantras genocidas da ditadura militar – “muita terra para pouco índio” – e que vem atuando sistematicamente para favorecer a invasão dos territórios, o ataque de garimpeiros e o desmonte completo da FUNAI , tomada – surpresa! – por militares, o PL 191/2020 é bem coerente.
Se pudesse, declarou o presidente, confinaria ambientalistas na Amazônia, como se castigo fosse. Onyx Lorenzoni, o corrupto anistiado pelo também criminoso ministro da Justiça, Sergio Moro, foi além : “Será possível minerar, gerar energia, transmitir energia, exploração de petróleo e gás e cultivo das terras indígenas. Ou seja, será a Lei Áurea”, comemorou e debochou Lorenzoni.
Contra o fascismo genocida, não há “extrema-imprensa” que baste.
Sem veto, sem direitos, sem
nada
Ignorando a Constituição, esse incômodo permanente aos planos bolsonaristas, o projeto deixa claro que, a partir de agora, vale t udo . E os povos indígenas terão que engolir – ou assim eles acreditam – a exploração contra a sua vontade.
Diz o artigo 14 do texto:
“O pedido de autorização
poderá ser encaminhado com manifestação contrária das comunidades indígenas
afetadas, desde que motivado”
No caso de terras indígenas com a presença de povos isolados – já cercados por mais de 4 mil requerimentos minerários, como revelamos aqui no Observatório – “a Funai estabelecerá os limites necessários à proteção destas comunidades”. Hoje, eles circulam livres.
Em caso de TI’s com a presença
mista, em que convivem os isolados com as demais comunidades, caso da Yanomami,
isso no mínimo causaria um conflito inédito. Cercar indígenas isolados é o que quer
o governo. Um texto “velado” para impor a exploração de qualquer jeito mesmo
nesses casos.
Outras premissas que violam totalmente
o direito das comunidades afetadas presentes no projeto:
- Caso a interlocução com as comunidades indígenas
afetadas seja frustrada ou não seja obtida a concordância quanto ao ingresso na
terra indígena, poderão ser utilizados dados e elementos disponíveis para a elaboração
do estudo técnico prévio. - O estudo técnico prévio poderá ser realizado
ainda que haja processo de demarcação de terras indígenas em curso. - Artigo 18: Os indígenas receberão 0,7% do valor
da energia, 0,5% a 1% do valor do petróleo e gás natural e 50% da compensação
financeira em exploração de recursos minerais. - Nas áreas em que a ocorrência de minerais
garimpáveis for notória, as zonas de garimpagem poderão ser definidas pela ANM independentemente
de estudo técnico prévio. - As atividades de que trata esta Lei serão
consideradas autorizadas na hipótese de o Congresso Nacional não se manifestar
sobre o pedido de autorização no prazo previsto de 4 anos.
Traduzindo: vale o que o governo
quiser no início e no fim de quase todas as hipóteses, por trás da maquiagem de
“consulta” aos povos indígenas, meramente simbólica. É para isso que essa lei
foi feita, afinal: agora é tudo oficial, com o aval do Executivo e do
Legislativo para o garimpo e a exploração mineral em larga escala.
A hipótese levantada pela BBC de que grandes mineradoras “relutarão” em explorar terras indígenas é, no mínimo, leviana. Vale, Belo Sun, Anglo American, Rio Tinto e dezenas de grandes mineradoras tem milhares de requerimentos registrados na Agência Nacional de Mineração, praticam lobby fortíssimo há décadas, financiam centenas de políticos e apostam justamente na regulamentação oficial para explorar essas terras. Algumas, como a Belo Sun, aliás, sequer esperam.
O PL é a concretização do lobby
minerário.
Repúdio
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou nota de repúdio ao PL 191/2020.
“O anúncio, encoberto de falsas
boas intenções e retóricas que induzem à cooptação e divisão dos povos e
esquiva-se do real sentido da autonomia, para autorizar a invasão dos
territórios indígenas”, afirma a Apib.
Continua o texto:
O “sonho” do governo Bolsonaro é, na verdade, a vontade de atender os interesses econômicos que impulsionaram a sua candidatura e sustentam o seu governo, mesmo que isso implique em total desrespeito à legislação nacional e internacional que assegura os nossos direitos fundamentais, o nosso direito originário, direito congênito, de ocupação tradicional das nossas terras e territórios, o nosso direito de posse e usufruto exclusivo, e o nosso direito à consulta, ao consentimento livre, prévio e informado sobre quaisquer medidas administrativas e legislativas que nos afetem.
É preciso que se diga que a maioria dos povos e comunidades indígenas do Brasil não comunga com os anseios de uma minoria de indivíduos indígenas que se iludem e se dobram às camufladas más intenções deste governo.
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB também manifestou a sua indignação .
Ao longo dos mais de 500 anos de invasão, continuaremos sendo resistência às diversas formas de massacre e extermínio. Ao propor tal PL, que além de INCONSTITUCIONAL é IMORAL, pois vai contra o respeito às salvaguardas sociais e ambientais necessárias ao fiel cumprimento de nossos direitos constitucionais, permite uma exploração que beneficiará apenas aos interesses do poder econômico hegemônico nacional e internacional, entregando o nosso patrimônio ao invés de protegê-lo e nos deixando na pobreza.
A Rede de Advogados Indígenas do Brasil, por fim, lançou nota em que considera o PL inconstitucional. “É certo que a medida gera incertezas na concretização dos direitos indígenas, e gerará grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e ao modo tradicional de utilização dos territórios tradicionalmente ocupados por nossos povos”, diz o texto.
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