DO OC – Cientistas de destaque em diversas áreas lançaram, nesta semana, um alerta urgente sobre as múltiplas crises causadas pela exploração, produção e queima de combustíveis fósseis. Publicado na revista Oxford Open Climate Change, o artigo traz uma revisão ampla de evidências científicas sobre os impactos nocivos dos fósseis.
Entre elas, o descontrole do aquecimento do planeta, as perdas irreparáveis à biodiversidade, as milhões de mortes prematuras por ano causadas pela poluição do ar resultante da queima de fósseis, a acidificação dos oceanos, a insegurança alimentar e o deslocamento de pessoas em razão de eventos extremos – que causam mortes e danos à saúde física e mental.
“Revisamos um vasto conjunto de evidências científicas que mostram que os combustíveis fósseis e a indústria de combustíveis fósseis são a causa raiz da crise climática, prejudicam a saúde pública, agravam a injustiça ambiental, aceleram a extinção da biodiversidade e alimentam a crise de poluição petroquímica”, diz a publicação.
Foram analisados impactos em cinco categorias: crise climática, saúde pública, injustiça ambiental, perda de biodiversidade e poluição petroquímica. A publicação aborda ainda a campanha de desinformação sobre a crise do clima patrocinada por décadas pela indústria fóssil, apontada como um dos principais obstáculos para a ação climática no mundo.
“A ciência não poderia ser mais clara ao afirmar que os fósseis estão nos matando”, disse Shaye Wolf, diretora de ciência climática da organização Center for Biological Diversity e autora principal do estudo. “Petróleo, gás e carvão continuarão a nos condenar a mais mortes, extinções de espécies e eventos climáticos extremos a menos que deixemos os fósseis no passado. A energia limpa e renovável está aqui, é acessível e salvará milhões de vidas e trilhões de dólares quando a tornarmos a peça central de nossa economia”, completou.
Além de Wolf, especialista nos impactos das mudanças climáticas na biodiversidade, estão entre os 11 autores do artigo Naomi Oreskes (professora de Harvard e historiadora da ciência especializada em desinformação climática), Robert Bullard (conhecido como o “pai” da justiça climática e pesquisador das relações entre raça, justiça social e mudança do clima) e Jonathan Buonocore (pesquisador da universidade de Boston e especialista em impactos das mudanças climáticas e da exploração de fósseis à saúde).
A revisão científica apresentou também soluções já disponíveis para a eliminação gradual dos fósseis e transição justa para fontes de energia limpas e renováveis, listando ações concretas a serem tomadas nos Estados Unidos – escolhido por ser o maior produtor de fósseis do mundo e “o principal contribuinte para a crise dos fósseis”.
Os cientistas destacaram a rejeição das “soluções falsas”, como a captura e armazenamento de carbono (CCS), que não têm comprovação para a redução de emissões na escala necessária para enfrentar a crise do clima e são usadas como passe-livre para que a indústria fóssil possa seguir sua expansão.
“A eliminação gradual dos combustíveis fósseis também deve evitar ‘soluções falsas’ que perpetuam — e muitas vezes subsidiam — a extração e a infraestrutura de combustíveis fósseis, como a captura e armazenamento de carbono e o hidrogênio feito de combustíveis fósseis. E a eliminação gradual dos combustíveis fósseis deve ser baseada na equidade. Os países ricos mais responsáveis pelas emissões de combustíveis fósseis e com maior capacidade de agir têm a maior responsabilidade por ações climáticas ambiciosas, incluindo financiamento climático significativo e apoio aos países mais pobres”, diz o artigo.
Destaques
Em relação à saúde pública, o artigo aponta as 8,7 milhões de mortes prematuras (aquelas que acontecem antes da média de idade para mortes em uma certa população) causadas pela poluição do ar resultante da queima de fósseis no mundo por ano. Isso significa, segundo o artigo, que uma em cada cinco mortes prematuras no mundo é causada pela poluição do ar por combustão de fósseis.
Os cientistas destacam ainda que essas mortes são distribuídas desproporcionalmente entre grupos sociais vulneráveis e populações mais suscetíveis, como crianças pequenas, mulheres grávidas, pessoas com deficiências e outros.
“A poluição por combustíveis fósseis impacta a saúde em todas as fases da vida, com riscos elevados para casos que vão de nascimentos prematuros a leucemia infantil e depressão grave”, disse David González, professor de ciências da saúde ambiental da UC Berkeley e também coautor da pesquisa. “Temos que trabalhar rápido para acabar com as operações de combustíveis fósseis perto de nossas casas, escolas e hospitais e trocar a infraestrutura de combustíveis fósseis por energia saudável e limpa”, apontou.
Quanto à biodiversidade, a pesquisa destaca que, em todo o mundo, estima-se que um milhão de espécies animais e vegetais estejam ameaçadas de extinção motivada principalmente pelas mudanças climáticas – considerando os níveis atuais de aquecimento – e agravada pela destruição e exploração de habitats. Os pesquisadores compilaram ainda estudos que projetam a extinção de 14% a 32% das espécies animais e vegetais — representando a perda potencial de 3 milhões a 6 milhões de espécies — nos próximos 50 anos por conta da mudança do clima, mesmo em cenários intermediários de emissões de combustíveis fósseis.
O artigo explica ainda que a perda de biodiversidade causada por fósseis tem impactos “diretos e terríveis” para a segurança alimentar, a qualidade e disponibilidade da água, o armazenamento e sequestro de carbono (com a perda de florestas, por exemplo) e outras contribuições vitais da natureza.
Como exemplo, lembra que o aumento de 1,5ºC de temperatura no ano passado em relação aos níveis pré-industriais fez as epidemias de branqueamento de corais (que sustentam um quarto da vida oceânica e os meios de subsistência de meio bilhão de pessoas) se intensificarem no mundo. “Metade dos recifes do mundo já foi perdida e o colapso global quase total dos recifes é projetado com um aumento de temperatura de 2ºC”, diz o artigo.
Greenwashing
Na parte dedicada à desinformação, o artigo destaca a “campanha multibiolionária e multi-décadas” movida pela indústria e seus aliados desde os anos 1970 para minimizar ou negar os riscos de seus produtos e retardar as políticas para a eliminação gradual dos fósseis. Os pesquisadores pontuam ainda a mudança de tom da indústria nas últimas décadas em direção a um negacionismo mais sutil, motivado pelo crescente consenso na opinião pública sobre a crise do clima.
As campanhas sobre o suposto comprometimento da indústria com “tecnologias de baixo carbono” – ao mesmo tempo em que expandem suas produções – são identificadas como táticas desinformativas atuais. “As indústrias usam ‘greenwashing’ em suas propagandas para aparecer como ambientalmente responsáveis e se comprometem com tecnologias de baixo carbono quando, na verdade, de 2008 a 2022 não empregaram mais de 1% de seus orçamentos anuais em projetos de baixo carbono”, aponta o texto, citando levantamento da Agência Internacional de Energia (IEA) com dados globais.
Na conclusão, os cientistas cobram a eliminação justa dos combustíveis fósseis e a transição rápida para sistemas energéticos de fontes renováveis, destacando a necessidade de responsabilização daqueles que mais lucraram com esse modelo até hoje. “Embora os enormes danos atribuíveis à indústria dos combustíveis fósseis sejam difíceis de quantificar totalmente, as estimativas dos danos causados pelos ‘carbon majors’ — as maiores empresas emissoras de combustíveis fósseis — são da ordem de muitos trilhões de dólares”, dizem.
E defendem: “A ação para acelerar a transição de combustíveis fósseis para energia limpa e renovável não poderia ser mais urgente. Felizmente, alternativas equitativas, acessíveis e limpas já existem em todos os setores que podem substituir combustíveis fósseis enquanto protegem as pessoas e o planeta”. (LEILA SALIM)
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O post ““Os fósseis estão nos matando”, alertam cientistas em levantamento interdisciplinar” foi publicado em 08/04/2025 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima