Apesar de ter visto a competição de skate que deu a medalha de prata aos fantásticos Kelvin Hoefler e Rayssa Leal e estar encantada com a segurança de Rebeca Andrade (e amar ginástica olímpica), confesso que esta Olimpíada não me cativa, pelo menos por enquanto.
Talvez tenha a ver com o horário, talvez seja pela situação catastrófica do Brasil (não consigo parar de pensar em política), talvez seja pela pandemia. Talvez seja solidariedade com os japoneses, que não acham que a Olimpíada deveria estar sendo realizada agora. Assim como os brasileiros foram contra a Copa América. Pandemia não combina com grandes eventos esportivos (ou melhor, grandes eventos, ponto. Ou eventos, simplesmente).
Eu já fui uma que dizia que prefere anos pares aos ímpares, já que são anos de Olimpíadas e Copa do Mundo. Fui daquelas que vibrou quando o Brasil foi escolhido pra sediar a Copa do Mundo em 2014 e as Olímpiadas no Rio em 2016. Era um outro Brasil. Estávamos ainda em 2007, e a gente formava um país que decolava, não um que se parece mais com as sobras espatifadas no chão de um desastre aéreo, como agora.
Tenho que admitir que nem sediar a Copa nem a Olimpíada foi bom pra gente. Muito, muito dinheiro jogado fora. Não sobrou nada pra contar a história (e engana-se quem pensa que só aqui foi assim. Essa é a regra. Os países que sediam sempre perdem grana).
Reproduzo aqui parte do artigo do jornalista Sérgio Augusto , publicado ontem no Aliás, suplemento do Estadão. Quem quiser ler o artigo inteiro, veja aqui .
Desde os tempos de Platão, os Jogos Olímpicos servem aos interesses da política e do comércio
Japão não dá sorte com a Olimpíada. Os Jogos de 1964 tiveram de ser empurrados para o outono por causa da canícula que escaldou a ilha naquele verão. Desta vez foi uma pandemia. Estamos assistindo com um ano de atraso à Tóquio 2020. Com os mesmos problemas que justificaram seus adiamentos anteriores. Não só a pandemia persiste, com variantes indomáveis, como o calor deste verão na terra do sol nascente promete ser o mais inclemente dos últimos tempos.
Vários casos de covid-19 foram registrados antes mesmo do início da competição e não será surpresa se superarem os doping. Nessa especialidade, aliás, o Brasil foi um dos primeiros destaques, com o levantador de peso Fernando Reis, pego há dias no exame antidoping. O atleta é um admirador do clã Bolsonaro, mas, infelizmente para ele, Augusto Aras não faz parte do COI (Comitê Olímpico Internacional).
A imensa maioria dos japoneses (83%) não queria a Olimpíada em casa. Sentem-se inseguros, receiam que a afluência em massa de atletas e torcedores do mundo inteiro descontrole e revitalize a circulação do vírus. Sem contar os problemas inerentes ao certame, com ou sem pandemia e maçarico no céu.
Jules Boykoff, que escreveu extensamente sobre a política da Olimpíada, reiterou faz pouco tempo, no Washington Post, que os Jogos são um desastre financeiro para as cidades que os hospedam. Todos os jogos olímpicos desde 1960 estouraram seus orçamentos, com perdas determinadas pelo influxo de turismo, publicidade e consumo.
Recente estudo revelou que, desde 2007, os Jogos custam em média US$ 12 bilhões, incluindo a de estádios e vilas olímpicas, que, invariável sina, ficam entregues às baratas depois do megaevento, melancólicas ruínas construção sem valor arqueológico. Estima-se que Tóquio 2020 irá custar quatro vezes mais que a estimativa original de US$ 7,5 bi.
Festim para as elites cosmopolitas, os Jogos sacrificam primeiro as comunidades mais carentes. Para abrir espaço para suas arenas, os de Atlanta, em 1996, derrubaram habitações que abrigavam 4 mil pessoas. Os de Los Angeles, em 1984, investiram uma fortuna em segurança militarizada cuja consequência mais visível foi o recrudescimento da violência contra pretos e pobres da periferia.
E nem tocamos nos escândalos de corrupção — antes, durante e depois dos Jogos. É tanta grana rolando que aquelas cinco argolas do logo olímpico já podiam ter sido substituídas por cifrões entrelaçados.
Carlos Arthur Nuzman, nosso mais perene cartola olímpico, comprou votos para que o Rio sediasse os Jogos de 2016, perdeu o trono, mofou alguns dias no xadrez e voltou à sua banca advocatícia. O novo presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, o ex-judoca Paulo Wanderley Teixeira, já foi denunciado por fraudes numa licitação. Se maracutaias fossem reconhecidas como modalidade olímpica, nosso estoque de medalhas não caberia numa arca de bom tamanho. […]
Como todo fenômeno social, o esporte tem bases materiais, econômicas e políticas bastante claras. Não é uma ideia, nem um valor, uma abstração qualquer, boa ou má, e sim uma que prática, para se viabilizar, requer administradores, regras, tempo, educação, dinheiro e publicidade — cada vez mais dinheiro e publicidade, diga-se. […]
Não se iludam: desde os tempos em que Aquiles media frames perto das muralhas de Troia que os jogos olímpicos têm servido aos interesses da política e do comércio. Nos idos de Píndaro e Platão, uma diligente malta de camelôs e relações-públicas de atletas dominava o sopé do monte Olimpo. Os comerciantes de azeite disputavam a tapa a preferência dos melhores participantes, pois era com azeite que os atletas daquele tempo lubrificavam seus corpos. Ontem, azeite; hoje, Coca-Cola, Asics, Nike, Toyota, Samsung e marcas que tais.