DO OC – A principal rede da sociedade civil brasileira sobre mudanças climáticas completa nesta quarta-feira (23) duas décadas de existência. No vigésimo aniversário de lançamento de sua carta de princípios, o Observatório do Clima conta com 70 ONGs e movimentos sociais, quase três vezes mais do que na sua fundação. Apenas nos últimos dois anos, ganhou a adesão de mais 20 organizações, que lidam com temas que vão do monitoramento de políticas públicas a direitos humanos.
A rede também ficou mais diversa: duas organizações indígenas – a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e a União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira – passaram a participar dos debates, aprofundando a pauta de justiça climática. Em processo de adesão estão, entre outras, a Conectas Direitos Humanos e o Instituto de Referência Negra Peregum, primeira organização do movimento negro no observatório.
A atuação do OC se diversificou. Se no início a rede era uma fomentadora de debates sobre clima, voltada essencialmente para a inclusão da questão do desmatamento na agenda das negociações climáticas na ONU, hoje o coletivo atua em frentes que vão da produção de conhecimento técnico à incidência política, passando por capacitação da sociedade civil e pela mobilização do público – em especial no governo Bolsonaro, no qual vem sendo necessária a atuação conjunta da sociedade para parar as “boiadas” do governo e do Congresso Nacional.
O SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), principal produto da rede, completa dez anos calculando o lançamento anual de gases de efeito estufa pelo país. Hoje é uma das maiores bases de dados nacionais do gênero do planeta, contendo informação sobre as emissões brasileiras de 1970 até 2020. Em 2021, o SEEG passou a estimar, bianualmente, as emissões dos 5.570 municípios do Brasil, e criou uma nova metodologia para calcular a pegada de carbono individual dos brasileiros.
A partir de 2020, o OC passou a atuar numa nova fronteira, a do litígio climático e ambiental. Trata-se de uma área que – infelizmente – ganhou relevância na última década no mundo inteiro: frustrada com a inação dos governos e a desfaçatez da indústria fóssil, a sociedade civil em vários países tem ido aos tribunais tentar responsabilizar poluidores e forçar o poder público a agir com a ambição e a urgência que a ciência preconiza.
No Brasil o Judiciário vem se tornando um garantidor fundamental do direito constitucional ao meio ambiente, em especial diante da degradação da democracia que ganhou velocidade no governo Bolsonaro. O OC passou a dar suporte técnico e jurídico a partidos políticos e ONGs dispostos a processar o governo federal no STF e em outras instâncias. No total, a rede entrou como amicus curiae em 12 ações judiciais. Algumas delas são pioneiras, como a ADPF (Arguição de Descumprimento de Princípio Fundamental) 708 e a ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) 59, que tratam, respectivamente, da paralisação pela atual administração do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima e do Fundo Amazônia. Essas ações levaram, em 2020, às primeiras audiências públicas sobre mudança climática da história do Supremo.
A ADO 59 será julgada no próximo dia 30 pela Suprema Corte, juntamente com seis outras ações ambientais. O julgamento, também inédito, é resultado direto do Ato pela Terra, a maior mobilização ambiental já feita no Brasil fora de conferências da ONU. Liderado por Caetano Veloso, o protesto realizado em Brasília em 9 de março foi precedido de uma visita de artistas e ativistas ao STF. O Observatório do Clima foi um dos organizadores da manifestação.
“Produzimos ciência e conhecimento técnico. Ao mesmo tempo, produzimos luta, resistência e denúncias contra crimes e retrocessos ambientais”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do OC. “O OC é a rede mais importante do país na agenda socioambiental e tem feito um papel crucial de resistência e de não permitir a normalização do absurdo”, afirmou Carlos Rittl, que ocupou a secretaria-executiva de 2013 a 2020.
Origens
A rede foi idealizada numa noite de 2001 em Mosqueiro, uma praia no litoral paraense. Durante o intervalo de uma reunião da Usaid, a agência de cooperação internacional do governo americano, quatro ambientalistas se reuniram num bar para jantar e discutir uma questão que incomodava o movimento ambientalista: como inserir a questão do desmatamento na agenda do Protocolo de Kyoto, o primeiro acordo internacional derivado da Convenção do Clima das Nações Unidas.
Miguel Calmon (The Nature Conservacy), Mario Monzoni (Amigos da Terra Amazônia Brasileira), Paulo Moutinho (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e Fernando Veiga (ProNatura) se encontraram para continuar uma conversa que começara naquela manhã no aeroporto de Belém, sobre o rumo que o debate em torno de florestas e clima estava tomando no Brasil. Ali, em guardanapos de papel, os quatro rabiscaram a proposta de uma coalizão de ONGs para tratar do tema.
Alguns meses e muitas trocas de e-mails depois, uma reunião foi organizada na sede da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, para os dias 22 e 23 de março de 2002. O encontro resultou na carta de princípios do OC, aprovada no dia 23 com a presença de 26 organizações, que se tornaram os primeiros membros da rede.
“Nem nos nossos melhores sonhos achávamos que aquele desenho no guardanapo fosse voar tão longe”, recorda-se Fernando Veiga.
O post “OC faz 20 anos com 70 membros e 12 processos contra o governo” foi publicado em 23rd March 2022 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima