CAETANO SCANNAVINO
Com o pré-sal, o Brasil não resolveu a educação, como prometido, nem o desenvolvimento sustentável do Rio de Janeiro, mas segue batendo recordes de produção de petróleo —e assim será até a próxima década, embora as projeções da Agência Internacional de Energia (AIE) indiquem que a demanda global por combustíveis fósseis deve cair a partir de 2028, assim como o preço do barril diante da transição energética rumo às fontes renováveis .
A questão é se o Brasil vai querer ir na contramão mundial ao projetar na Foz do Amazonas e em toda margem equatorial talvez a maior nova frente de exploração petrolífera do planeta , estimando para depois de 2030 o auge da produção nacional.
Com a perfuração da margem equatorial, estão previstas receitas entre US$ 770 bilhões e US$ 2,3 trilhões. Fica a pergunta: se o Brasil optar por queimar todo esse petróleo, o que deixará de ganhar?
O valor dessas reservas pode ser infinitamente maior se as deixarmos lá, nas profundezas. Há um custo gigante para cada 0,1°C de aumento da temperatura global . O argumento para uma forte ação de curto prazo é, também, econômico. Para cada US$ 1 investido em mitigação, poupa-se de US$ 1,5 a US$ 4 em efeitos das mudanças climáticas (Nature Climate Change). Se mantidos os padrões atuais de emissões, os custos à economia global seriam de US$ 178 trilhões entre 2021 e 2070 (Deloitte). Os custos humanos seriam ainda maiores , com o aumento de insegurança alimentar, falta de água, migrações em massa e piora nas condições de saúde e bem-estar, principalmente para as populações mais pobres.
É aí onde podemos investir o verdadeiro valor do petróleo da Foz do Amazonas : o da “exploração evitada”. Ao abrir mão de queimá-lo, o Brasil de Lula e Marina Silva teria cacife para cobrar das outras nações que façam o mesmo. E liderar um movimento a partir também do Sul mundial por uma governança global do clima mais justa, que equacione as devida
Na Amazônia , não faltam alertas para um ponto de não retorno da floresta, que entraria em processo de desertificação. Sem a força do bioma, simulações apontam que a temperatura média do planeta subiria 0,25ºC. Quem mais perde nesse cenário são os brasileiros, que sentiriam um aumento de 2ºC e redução de 25% das chuvas. Sem floresta, não tem água. Sem água, não tem agricultura nem geração hidrelétrica.
Proteger a Amazônia, portanto, não é coisa de gringo; é interesse nacional. O cerne do debate sobre o petróleo na foz do Amazonas não é sobre licenciamento ambiental, um procedimento técnico. É sobre visão de futuro.
Nos próximos dois anos, o mundo precisa decidir o que fará com o que pactuamos em 2015, em Paris: a meta quase perdida de 1,5ºC de aumento da temperatura global em relação à era pré-industrial. Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima da ONU), será preciso reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% até 2030 , e 60% até 2035, para zerar as emissões líquidas em 2050. E, para isso, nenhuma nova grande frente de exploração de combustíveis fósseis deve ser aberta.
Nem precisa encontrar mais petróleo . As reservas recuperáveis atingiram 1,624 trilhão de barris em 2022, mas apenas metade deverá ser consumido, se levarmos a sério o compromisso do 1,5ºC (Rystad Energy).
São dois anos para decidir o século. E uma janela de oportunidade única para o Brasil, como país-sede da Cúpula da Amazônia, da reunião do G20, em 2024, e da COP30, em 2025, em Belém. Será decisiva porque fará o balanço de dez anos do Acordo de Paris . Aí vamos saber se queremos chegar em 2030 discutindo um aumento da temperatura de 1,5ºC a 2ºC ou de 2ºC a 2,5ºC.
Até porque se a escolha for para perpetuarmos numa festa em que deixamos acabar o gelo, pode queimar tudo, até o filme. Depois do nosso triste papel como a última nação a abolir a escravidão, queremos ser uma das últimas a abolir a queima de combustíveis fósseis?
ESTE ARTIGO FOI PUBLICADO ORIGINALMENTE NA FOLHA DE S.PAULO E É REPRODUZIDO AQUI COM AUTORIZAÇÃO DO AUTOR.
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O post “O verdadeiro valor do petróleo na Foz do Amazonas” foi publicado em 14/08/2023 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima