Em 1997 publiquei o livro Trilhas do Rio, onde clamava por um Parque Nacional da Tijuca melhor cuidado e mais bem administrado. Em 1999, para minha surpresa Luiz Paulo Conde, então prefeito do Rio, leu o livro e acreditou em minhas ideias. Conversou com Governo federal e obteve a anuência para convidar-me para a direção da Floresta mais bonita do mundo.
Ao assumir o cargo, encontrei uma situação desesperadora: o Corcovado não tinha nenhuma fiscalização ou controle (não vamos nem falar de escadas rolantes); o Hotel das Paineiras, em ruínas, estava abandonado há mais de dez anos; não se recolhia o lixo do Parque há seis meses, havia 38 carcaças de carros abandonadas em suas vias e matas. Não havia dinheiro sequer para colocar gasolina nas viaturas, a estrada das Paineiras era local de desova de cadáveres, não tínhamos funcionários de campo, a Capela Mayrinque estava fechada e apenas se mantinha de pé escorada em algumas toras de madeira. Os mirantes da Vista Chinesa e Mesa do Imperador estavam completamente encobertos pela mata crescida, as estradas do Parque encontravam-se completamente esburacadas, o Açude da Solidão jazia assoreado e sem água. A equipe do Parque não visitava a Pedra da Gávea há mais de oito anos e não havia sequer um quilômetro de trilha sinalizado ou manejado no Parque, em cujas matas cerca de 100 pessoas se perdiam, em média, todos os anos.
Mas o pior de tudo é que o Parque estava sozinho, o Ibama não o considerava relevante para a conservação, o Estado não providenciava policiamento por a área ser federal e a Prefeitura enfrentava barreiras legais para poder investir recursos em sua melhora. O Rio tinha a melhor Floresta do mundo, mas essa Floresta não tinha amigos.
Foi então que, inspirados na experiência do Jardim Botânico, Bruno Marques, Paulo Lynch, Luiz Otávio Langlois, João Alfredo Viegas e eu fundamos a Sociedade de Amigos do Parque Nacional da Tijuca. Bruno e Paulo, primeiros presidente e vice, são os sócios números 1 e 2. Eu, com orgulho, até hoje carrego a carteirinha de sócio número 3. Juntamos mais meia dúzia de gatos pingados. Poucos, mas abnegados. Arregaçamos as mangas e começamos a trabalhar duro pelo Parque todos os dias, inclusive sábados e domingos.
Os resultados, aos poucos, apareceram. Sob a liderança de João Alfredo Viegas, nosso segundo presidente, novos sócios foram arregimentados e a Sociedade, agora rebatizada de Associação, apoiou projetos, viabilizou capacitações, inclusive no exterior a exemplo da visita técnica ao Parque Nacional da Montanha da Mesa, tida então como a Unidade de Conservação urbana mais bem estruturada do mundo, fez intermediações políticas e ajudou a Trilha Transcarioca a nascer, entre outros projetos e ações.
Algumas dessas iniciativas deram tão certo que hoje são exemplos para o país todo. Poucos sabem, mas a Sociedade de Amigos foi fundamental para dar carne, esqueleto e musculatura ao projeto de voluntariado, que então não existia no IBAMA e sequer contava com marco legal para ampará-lo. A Associação de Amigos contratou especialista em gestão de voluntários, estruturou o projeto e lhe deu vida. Hoje o programa de voluntariado da Tijuca é, provavelmente, o mais bem sucedido no país inteiro, sendo motivo de orgulho para todos os cariocas.
Mais tarde, a firme e apaixonada liderança de João Alfredo foi complementada pela direção competente de Roberto Nascimento, contribuindo em muito para que o Parque seja hoje o mais bem gerido do Brasil e exemplo para todo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Em 2019, ao completar 20 anos de existência, para citar apenas alguns poucos avanços, em grande parte graças à Associação de Amigos do Parque, o Corcovado tem iluminação noturna, escadas rolantes e elevadores, o Hotel das Paineiras está revitalizado, a Trilha Transcarioca existe e é exemplo replicado em todo o Brasil, tendo sido a sementinha que gerou a Rede Brasileira de Trilhas e Conectividade, espécimes de fauna estão sendo reintroduzidos, não falta mais gasolina nas viaturas, o lixo é recolhido e há uma equipe de funcionários em número e qualificação compatíveis com as exigências do Parque.
Completou-se um ciclo. A Sociedade, da forma como foi concebida, não é mais uma necessidade imperiosa para a gestão do Parque. Em 2019, o ICMBio, diferentemente do IBAMA de 1999, enxerga o Parque não como um patinho feio, mas como uma das joias de sua coroa. A Prefeitura segue apoiando a gestão, o Estado, por meio do Comando de Policiamento Ambiental, tem ajudado na segurança e ongs do porte e legitimidade da SOS Mata Atlântica apoiam com solidez seu quadro de servidores.
Com o sentimento de dever cumprido, na última reunião do seu Conselho Consultivo, em 27 de novembro, os conselheiros ali presentes tomaram a decisão unânime de dissolver a Associação, terminando definitivamente com suas atividades.
Ao finalizar esse pequeno relato, tenho lágrimas nos olhos. São vários sentimentos embolados, tristeza de ver uma filha encerrar um ciclo de vida, felicidade de ver que essa filha cumpriu o seu dever e, orgulho, muito orgulho, de ser Amigo do Parque e de todos os demais Cidadãos com “C” maiúsculo que deram o sangue e o entusiasmo por essa linda causa nas últimas duas décadas.
Amigos do Parque, meus amigos, Muito obrigado. Vocês cumpriram sua Missão.
Viva a Floresta mais bonita do mundo!
*Fundador e sócio 03 da Associação de Amigos do Parque Nacional da Tijuca (com muito orgulho)
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O post “O triste fim de uma pequena grande ONG” foi publicado em 9th December 2019 e pode ser visto originalmente na fonte ((o))eco