DO OC, EM GLASGOW – A COP26 (26a Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas) começa neste domingo (31/10) em Glasgow, Escócia, com uma missão tripla: por um lado, finalizar o chamado “livro de regras” do Acordo de Paris, o conjunto de regulamentações que tornam o tratado do clima operacional. Por outro, avançar politicamente no grau de ambição das metas de corte de emissões dos grandes países poluidores, num ano em que a ciência fez seu alerta mais contundente sobre a urgência em agir antes que a fresta de oportunidade para estabilizar o clima se feche em definitivo. Por último, mas não menos importante, Glasgow precisa destravar a questão crucial do financiamento climático, que os países desenvolvidos prometeram aos países em desenvolvimento – e ainda não cumpriram.
A conferência é realizada com um ano de atraso e sob a sombra da Covid-19. A decisão do governo britânico de insistir num encontro presencial durante a pandemia – a primeira grande reunião do tipo –, num dos países mais caros do mundo e com regras sanitárias cheias de incertezas até poucas semanas atrás, cobrou um preço em inclusão e segurança. A presença da sociedade civil do Sul global e mesmo de delegações de países em desenvolvimento, vários deles sem vacina para sua população, foi reduzida. E essa assimetria de acesso, que espelha as assimetrias entre ricos e pobres que há 27 anos atormentam a negociação internacional de clima, pode prejudicar as discussões em Glasgow.
Essa também é a primeira COP a ocorrer depois do anúncio da reentrada dos EUA no Acordo de Paris e com Joe Biden na presidência. E poderá ser a última sob a administração negacionista de Jair Bolsonaro isolando o Brasil, já que em 2022, no Egito, o país pode ter um outro governo eleito poucos dias antes de a COP começar.
No debate sobre a finalização do livro de regras, uma das questões-chave é o Artigo 6o do Acordo de Paris, que trata de abordagens cooperativas para facilitar as medidas de corte de emissão. A principal delas é o mercado de carbono, que deverá se tornar global sob o regime de Paris. Ele precisa ser regulamentado de modo a assegurar que a contabilidade do carbono nele transacionado reflita exatamente o que foi emitido e removido da atmosfera – evitando, assim, a “dupla contagem”, na qual o país vendedor do crédito come o bolo e fica com o bolo, por assim dizer: cada tonelada vendida a outrem como direito de poluição precisa obviamente ser descontada da conta do país vendedor, ou este ter sua meta de corte de emissões proporcionalmente elevada.
A posição do Brasil em relação ao Artigo 6 foi um dos principais fatores que impediram que o livro de regras fosse concluído na COP24, na Polônia, e na 25, na Espanha, mas este ano o governo vem anunciando aos quatro ventos que não será um entrave e que terá uma postura “proativa e cooperativa”.
Os debates técnicos entre diplomatas sobre o Artigo 6 e outros temas tão importantes quanto ele cujas regras ainda não foram finalizadas (adaptação, mecanismo de transparência e sincronização dos prazos para o cumprimento das metas nacionais, as NDCs) já serão duros o bastante. Mas Glasgow ainda precisará dar respostas à altura aos dois elefantes que estarão de kilt tocando gaita de foles na sala: o financiamento e a ambição.
O Sexto Relatório (AR6) do IPCC, o painel do clima da ONU, mostrou em agosto que a humanidade tem apenas uma chance de estabilizar o aquecimento global em 1.5oC. Na verdade, em todos os cenários esse limite 1,5oC será ultrapassado antes de 2040. Apenas no cenário de baixíssimas emissões o aquecimento cairá abaixo desse patamar no fim do século. A mensagem é clara: as emissões precisam ser reduzidas à metade até 2030 para limitar o aquecimento global a 1,5oC.
Porém não estamos no caminho para isso. A síntese das NDCs, publicada pela Convenção do Clima (UNFCCC) às vésperas da Assembleia Geral da ONU, em setembro, avaliou as metas atualizadas até 30 de julho. Apenas 113 dos signatários do Acordo de Paris haviam apresentado novas NDCs ou reapresentado seus compromissos até essa data. Quando todas as promessas de mitigação são analisadas conjuntamente, as emissões em 2030 são 16,3% maiores que em 2010[1] e o mundo caminha para um perigoso aumento de temperatura de cerca de 2,7oC até o final do século. O secretariado da UNFCCC deu mais uma chance para os países aumentarem as suas ambições climáticas antes da COP26 e publicou uma atualização do relatório em 25 de outubro, com 143 países submetendo atualizações de suas NDCs. O resultado foi o mesmo: as emissões em 2030, com todos os compromissos novos, são 15,8% maiores que em 2010[2] .
Na semana anterior à COP, o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) fez coro com o secretariado da UNFCCC e analisou todas as promessas de redução de emissões dos países. Concluiu que, somando tudo – até os anúncios que ainda não foram oficializados –, as reduções em 2030 chegam a 7,5% em relação a compromissos previamente anunciados. Para termos 66% de chance de estabilizar em 1,5oC, seria necessária uma redução de 55%[3] . O hiato entre promessas e necessidade em 2030 é estimado em pelo menos 25 bilhões de toneladas de CO2. Ou seja: nos próximos oito anos, precisaremos eliminar da atmosfera o equivalente a cinco vezes as emissões anuais dos EUA.
Leia aqui o que o Observatório do Clima espera que a conferência entregue e quais são nossas expectativas em relação ao Brasil, dentro e fora da negociação na Escócia.
[1] https://unfccc.int/sites/default/files/resource/cma2021_08_adv_1.pdf
[2] https://unfccc.int/sites/default/files/resource/cma2021_08rev01_adv.pdf
[3] https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/36991/EGR21_ESEN.pdf
O post “O que esperamos da COP26” foi publicado em 31st October 2021 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima