Os anos finais do século XIX e os que deram início ao século XX viram eclodir as ondas mais fortes do movimento sufragista. Da Nova Zelândia aos Estados Unidos, da Inglaterra ao Brasil, as mulheres passaram a ter seu direito de voto incluído nas Constituições de seus respectivos países.
Vale pontuar que a causa foi conduzida, inicialmente, por componentes das classes mais altas da época, restringindo o campo de atuação dentro do sistema judicial. Em seguida, o escopo da luta foi ampliado com a adesão de vultosos números de pessoas das classes populares e amplas manifestações nas ruas, principalmente nos grandes centros urbanos ingleses. A partir daí, a ampla frente constituída pelo movimento sufragista se tornou uma força a ser temida pela ordem patriarcal, por séculos acostumada a reconhecer a atividade política como um espaço feito por e para homens. O temor criado pela possibilidade de acesso das mulheres à política só se transformou em reconhecimento institucional após ostensiva repressão policial, cerceamento de direitos e morte de ativistas
sufragistas em decorrência de conflitos violentos.
O voto feminino chegou ao Brasil somente em 1932, previsto pelo novo código de leis eleitorais, promulgado por Getúlio Vargas em seu governo provisório. Entretanto, mesmo que apontasse para uma abertura da participação democrática, a legislação salientava que as eleitoras precisavam ser alfabetizadas para votar – perfil que pouco refletia a significativa parcela de mulheres analfabetas, relegadas aos papéis do lar, para que assim permanecessem condicionadas à esfera particular do viver. Dessa maneira, um ato que deveria tornar o Brasil algo mais parecido com uma verdadeira democracia tornava-se, na realidade, uma medida paliativa e pouco efetiva frente a uma defasagem crônica de oportunidades socioeducativas. O analfabetismo enquanto condição proibitiva do voto caiu em
1985, ou seja, apenas 35 anos atrás.
De lá para cá, contudo, novas questões que representam entraves ao exercício do voto feminino têm surgido no horizonte do Brasil. Dentre elas, chama atenção a escalada do encarceramento feminino , como indicam múltiplos levantamentos divulgados nos últimos anos. O fato é que a maior parte da população carcerária é constituída por presas provisórias, isto é, cidadãs que ainda não tiveram contra si sentença condenatória final. O artigo 15 da Constituição Federal de 1988 determina que:
- é vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: iii) condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Portanto, há uma fração significativa de mulheres situadas nos presídios que são elegíveis ao voto, mas que acabam, na prática, não tendo os meios, ou condições oferecidas – informações sobre o direito de voto, falta de planos para a instauração de estruturas eleitorais nos presídios, etc. – para fazer uso desse instrumento nos ciclos eleitorais, não obstante se tratar de um direito garantido. Trata-se, pois, de um movimento de supressão, que envereda em direção à exclusão da voz de centenas de milhares de pessoas e traz por consequência novas dúvidas e debates, não apenas sobre o legado da secular luta sufragista, mas também sobre os rumos da participação democrática no país.
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O post “O movimento sufragista e o cárcere.” foi publicado em 2nd April 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC