DO OC – “Provavelmente é justo dizer que nenhum documento produzido nos 12 anos do pontificado de Francisco teve tanto impacto quanto a encíclica Laudato si’, reconheceu o Vaticano nesta segunda-feira (21/4), após a morte de Jorge Mario Bergoglio, aos 88 anos, o papa que mais fez pelo clima.
Publicada em 2015, a encíclica foi a primeira sobre meio ambiente. O Vaticano destaca o papel relevante do documento nos processos que permitiram a criação do Acordo de Paris , assinado no fim daquele ano. “A Laudato si’ também teve impacto em políticas públicas. É frequentemente creditada por ajudar a construir consenso na preparação para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2015, em Paris, na qual 196 países assinaram um tratado comprometendo-se a manter o aquecimento global abaixo de 2°C.”
A Laudato si ’ marcou a história da Igreja Católica ao apresentar de forma clara e objetiva as causas do maior problema coletivo da humanidade, e apontar a necessidade de soluções urgentes com base na ciência, como o fim do uso de combustíveis fósseis.
O documento critica padrões insustentáveis de produção e consumo, mostrando a Terra como ela é, finita. Parte do melhor conhecimento científico disponível para construir um alerta abrangente sobre a situação ambiental do planeta, em especial sobre a mudança do clima. E aponta a atividade humana como causa principal do aquecimento da Terra, que atinge sobretudo os mais pobres.
A carta alerta para migrações devido à escassez de recursos e eventos climáticos extremos, além da indiferença geral em relação a essas tragédias. O princípio moral do documento é que a humanidade é parte da natureza, e deve compreender que não deve subjugá-la para atender aos seus objetivos, pois também sofrerá as consequências da degradação.
“Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental”, alertou Francisco, que defendia “abordagem integral para combater a pobreza, devolver dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza”.
O texto combina reflexões teológicas com apelos à ação política. Nele, o papa condena “uma política preocupada com resultados imediatos, apoiada por setores consumistas da população” e “impulsionada a produzir crescimento a curto prazo”. Para Francisco, o que precisamos é de “uma nova maneira de pensar sobre os seres humanos, a vida, a sociedade e a nossa relação com a natureza”.
O documento é marcado pelo conceito de “ecologia integral” — a noção de que a crise climática está intrinsecamente ligada aos problemas sociais, políticos e econômicos.
Como apontou o OC à época , uma frase é repetida três vezes ao longo das mais de 190 páginas do texto: “tudo está interligado”.
O ser humano não está dissociado da Terra ou da natureza. Portanto, destruir a natureza equivale a destruir o homem. Da mesma forma, não é possível falar em proteção ambiental sem que esta envolva também a proteção ao ser humano, em especial os mais pobres e vulneráveis.
Esse raciocínio da chamada “ecologia integral” permeia toda a construção da encíclica, tanto do ponto de vista da argumentação religiosa quanto das prescrições políticas – como quando critica a incapacidade das conferências internacionais de responder à crise climática, sugere uma saída gradual dos combustíveis fósseis e até mesmo propõe mudanças no modelo de licenciamento ambiental.
O papa defende um desenvolvimento que não priorize o crescimento econômico e o progresso tecnológico acima de tudo, garantindo harmonia com a natureza, a cultura humana e a vida animal.
Na contramão da expansão da extrema direita e do negacionismo climático, Francisco deixa um legado. O argentino jesuíta foi o primeiro papa do Hemisfério Sul.
Em 2019, realizou o Sínodo da Amazônia, com bispos dos países que abrigam a floresta tropical. Naquele ano, em encontro com ministros da Fazenda de vários países, cobrou decisões urgentes para conter a crise do clima: “Os investimentos em combustíveis fósseis continuam a aumentar, apesar de os cientistas dizerem que eles deveriam permanecer enterrados. Continuamos trilhando velhos caminhos porque estamos presos em nossa contabilidade falha e na corrupção de interesses escusos. Continuamos considerando lucrativo aquilo que ameaça nossa própria sobrevivência.”
Em 2022 Francisco nomeou o arcebispo de Manaus, dom Leonardo Steiner, como primeiro cardeal da Amazônia brasileira.
Em 2023, pouco antes da COP28 e após uma série de eventos extremos, o papa publicou a Laudate Deum , uma continuação da encíclica ambiental de 2015. Na ocasião, alertou que “não temos reações suficientes enquanto o mundo que nos acolhe está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura”.
“Apesar das numerosas negociações e acordos, as emissões globais continuaram a subir. É verdade que se pode argumentar que, sem tais acordos, teriam aumentado ainda mais. Mas sobre outras questões ambientais, onde houve vontade, foram alcançados resultados muito significativos, como no caso da proteção da camada de ozônio. Já quanto à necessária transição para energias limpas, como a eólica, a solar e outras, abandonando os combustíveis fósseis, não se avança de forma suficientemente rápida e, por consequência, o que está a ser feito corre o risco de ser interpretado como mero jogo para entreter”, escreveu Francisco.
“Corremos o risco de ficar presos na lógica de consertar, remendar e retocar, enquanto no fundo avança um processo de deterioração que continuamos a alimentar. Supor que qualquer problema futuro possa ser resolvido com novas intervenções técnicas é pragmatismo homicida, como chutar uma bola de neve.”
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O post “O legado ambientalista de Francisco” foi publicado em 21/04/2025 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima