O homo sapiens tem por hábito criticar e condenar tudo aquilo que ele não entende ou simplesmente é novo para ele, enquanto todas as outras espécies primeiramente olham, observam com curiosidade e somente depois tentam uma aproximação – ou simplesmente se afastam no caso de julgarem que aquilo não é benéfico para elas. Dessa forma peço a você leitor das próximas linhas seja bicho do mato em relação ao trail running, a corrida em trilhas, e esqueça um pouco sua mente de ser humano.
Bem antes do esporte ter esse nome de “trail running”, posso dizer que já o praticava de uma forma livre e na sua essência. Sou uma legítima cria da Serra “Mãetiqueira”, praticamente aprendi a andar e dei meus primeiros passos ainda bebê sobre as rochas magmáticas do mais antigo parque do Brasil, o Parque Nacional do Itatiaia – o PNI. Por vezes, na minha infância, o almoço de domingo em família era com a paisagem do lago azul na parte baixa do PNI. Nessa época, corria por diversão. Afinal, correr ali era muito mais legal, havia árvores, pedras, cachoeiras e, o principal, não tinha carro! Mas qual era o impacto ambiental dessas brincadeiras? Nessa época isso nem me passava pela cabeça. Deixando esse saudosismo de lado, vamos falar dos tempos atuais.
Minha traquinagem agora é um esporte quase olímpico e praticado no mundo todo. No país que batizou minhas correrias de criança como “trail running”, estima-se que há 6 milhões de praticantes, entre profissionais e amadores, segundo a ATRA – American Trail Running Association. No Brasil, ainda não temos essa estimativa, pois somente agora foi criada a ATRB – Associação de Trail Running do Brasil, da qual faço parte e estou como presidente. E uma questão que sempre chega até mim é: qual seria o impacto ambiental do trail running em trilhas já abertas? Para responder, deixo de lado meu cargo, minha paixão pelo esporte, e respondo como Pós Graduado em Gestão Ambiental que sou: a prática do trail running por atletas experientes na modalidade e em trilhas já abertas causa impacto mínimo ou nenhum.
Praticantes experientes de trail running normalmente fazem seus treinos ou provas em modo autossuficiente, ou seja, levam nas costas seu alimento e hidratação. Em grande parte são solitários, correm sozinhos em provas, com distâncias de 1, 3, 5 ou até 10km para o atleta da frente, e provas ou treinos são executados em trilhas já abertas e sinalizadas. Nunca vi ou ouvi falar de um atleta correndo com um facão ou foice, para abrir uma nova trilha, muito pelo contrário, sempre estão cuidando das trilhas já consolidadas e recolhem o lixo que porventura encontram. Você agora talvez já esteja deixando seu lado humano aflorar para lançar aquela frase bem clichê: “mas há o pisoteamento do solo com o impacto da corrida”.
Sim, mas note que lá no começo eu mencionei que a análise é para a prática em trilhas já abertas. Neste caso, esse impacto físico causado pela ação dos pés do corredor em contato com o chão, ainda é positivo para consolidação do traçado original da trilha, evitando o seu alargamento e possíveis traçados secundários (os famosos atalhos). Assim como um passarinho que come o fruto e caga a semente, ajudando na recomposição da mata, o praticante deste esporte ao correr está ajudando na consolidação daquela trilha quase que sem saber.
Então devemos preservar os atletas de trail running com um mico-leão-dourado? Não, não precisa tanto, até porque eles não estão em extinção, muito pelo contrário, estão em forte reprodução. Há várias teses ainda que acreditam que após essa sacolejada histórica que a Mãe Natureza nos deu e que nós, bicho homem, chamamos de pandemia, nós iremos tentar nos conectar a ela, a natureza, de forma mais ampla. Assim, os esportes ao ar livre, como o trail running, devem ter um forte crescimento de praticantes e de oferta de novos eventos. O que acredito que devemos fazer é tentar educar os “bichos da cidade” que irão entrar nesse novo velho mundo. Uma maneira bem simples são as 3 regras de ouro do esporte ao ar livre:
1. Não deixe nada além de pegadas.
2. Não tire nada além de fotos.
3. Não saia da trilha!
Essas três regras são as básicas. Lógico que ações mais complexas deverão ser aplicadas na ordenação de eventos e do trail running, como a padronização de percursos e sinalização de trilhas compartilhadas, visando manter os possíveis impactos dentro desse cálculo de baixo ou nenhum. E posso dizer que essas ações já estão sendo feitas pela Associação de Trail Running do Brasil juntamente com a Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso , visando além de democratizar, informar e levar mais praticantes conscientes para as trilhas do Brasil.
Agora fica com você se ainda continuará vendo o trail running como homo sapiens ou bicho do mato.
Meu primeiro contato com o trail running foi em 2010, quando me inscrevi para uma maratona em Búzios. Frequento Búzios desde pequena, mas naquele final de semana tive uma experiência única. Foram 42km de completo contato com a natureza, margeando praias e subindo montanhas, tudo perfeitamente bem marcado e com paradisíacos postos de abastecimento ao longo do percurso. Nem preciso dizer que me apaixonei pelo trail running e a partir daquele dia minha vida mudou.
Aqui no Brasil temos um calendário de provas bem variado, com corridas de todos os tipos. Ao longo do tempo, fui notando a complexidade e a diversidade do trail run, que nos obriga a estudar mapas, gráficos de altimetria e a logística de prova.
Hoje, onze anos depois, eu faço em média 8 provas ao longo do ano. Planejo sempre competições que vão me levar a lugares novos e alterno provas curtas e longas. Muita gente me pergunta se eu não canso de correr, mas com um sorriso no rosto eu respondo: já fez uma prova de trail run?
*Marco Campos é presidente da Associação de Trail Running do Brasil
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O post “O impacto ambiental das corridas em trilhas” foi publicado em 7th February 2021 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco