Ontem ficamos sabendo de um caso que assombrou o Brasil. Nem deveríamos ficar tão espantadas. No Brasil de Bolsonaro todo dia acontece uma barbaridade inimaginável.
O jovem médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra, 32 anos, estuprou uma mulher durante a cesárea num hospital na Baixada Fluminense, no Rio. A menos de um metro de distância dos outros médicos, separados por um lençol, Giovanni levou cerca de dez minutos até ejacular na boca da paciente desacordada. Em seguida, limpou a boca dela, para não deixar vestígios. Parece que o marido da parturiente havia acabado de sair da sala, com o bebê no colo.
Giovanni continuaria fazendo suas vítimas (depois que este caso veio à tona, outra mulher denunciou o estupro, que ocorreu na semana passada, no mesmo hospital, nas mesmas condições; o médico pediu que o marido da parturiente saísse ) se não fosse a desconfiança e a união das enfermeiras. Elas achavam estranho que o médico deixasse as pacientes tão dopadas que elas nem podiam segurar o bebê recém-nascido. Uma técnica de enfermagem, inclusive, questionou o motivo de uma dosagem tão alta. Ele respondeu rispidamente: “Por quê? Você também quer?”
Elas conseguiram mudar a sala de parto para poder acomodar um celular escondido e, assim, gravar a cena. Se não tivessem gravado, poucos acreditariam nelas. Quando viram aquele ato grotesco e covarde, chamaram a polícia. Uma delegada foi ao hospital, explicou os direitos a Giovanni, explicou do que ele estava sendo acusado (uma diferença gritante de tratamento com outros procedimentos policiais que estamos acostumados a ver), e ele foi preso em flagrante e indiciado por estupro de vulnerável. Sua pena pode ser de 8 a 15 anos de prisão.
Formado na UniFOA (Centro Universitário de Volta Redonda), no Rio, em 2017 (uma particular com mensalidades de R$ 9 mil), Giovanni conseguiu o título da especialização em anestesiologia em março de 2022. Mas ele não era servidor público. Dava plantão na rede estadual do Rio. Trabalhou em dez hospitais . Tinha o hábito de colocar nas suas redes sociais fotos de pacientes e bebês. Oito meses atrás ele legendou uma das fotos: “Vocês ainda vão ouvir falar de mim. Esperem! ” Já havia trabalhado em dez hospitais. Só no dia em que o estupro foi gravado, aquele já era seu terceiro procedimento. Imaginem quantas outras vítimas ele pode ter feito.
Como escreveu a professora Valéria Fernandes , “não pensem que ele é um doente, ainda que tenha um nível de covardia e perversão realmente alto. Estuprar é um ato de poder e afirmação de uma masculinidade violenta. Nada tem a ver com sexo, que sempre é consensual e uma troca entre os envolvidos, a culpa nunca é da vítima, das roupas que usa, do lugar onde está, da forma como fala”.
O estuprador Giovanni causa asco e revolta, mas infelizmente casos de estupro em hospitais não são nada raros . Só o Rio de Janeiro registra um estupro em hospital a cada duas semanas! Entre 2015 e 2021, foram 177 abusos sexuais em unidades de saúde (só no Rio!). A metade é estupro de vulnerável, mas não se sabe se o “vulnerável” se aplica a menores de 14 anos ou a pacientes (ou seus familiares) que não possam se defender por estarem sedados (ou em coma). Em 86% desses casos, as vítimas eram mulheres ou meninas.
Minutos depois de eu tuitar sobre o caso, uma seguidora escreveu que aquilo aconteceu com ela no seu primeiro parto. Ela também fazia uma cesárea e sentiu o médico anestesista esfregar seu pênis na mão dela. Depois ela contou a seus familiares e o pessoal não acreditou, afinal, ela não estava muito consciente. Talvez, se tivessem lido esta reportagem estarrecedora do Intercept de abril de 2019, acreditariam. O site levantou 1.734 casos em nove estados entre 2014 e 2019. E isso que provavelmente menos de 10% dos abusos foram denunciados.
Será que os misóginos de plantão, esses que se organizam para atacar mulheres e feministas, que juram que toda denúncia de estupro ou violência doméstica é falsa, já saíram em defesa de Giovanni? Acredite, esses grupos antifeministas de “direitos dos homens” existem. E, pra eles, não importa o número de vítimas ou o tipo de crime. Por exemplo, eles afirmam que Roger Abdelmassih, condenado por 52 violações, é inocente, assim como João de Deus, preso pelo estupro de centenas de mulheres, assim como o ex-marido de Maria da Penha (que a deixou paraplégica). São eles as verdadeiras vítimas de mulheres malévolas que se uniram para destruir suas vidas, tadinhos.
Certeza que os misóginos também culparão as enfermeiras pela destruição da vida de Giovanni. Pra quem defende as mulheres, elas são heroínas .
O post “O ESTUPRADOR DE PLANTÃO” foi publicado em 26th julho 2022 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva