Ontem o pior presidente da história do país usou uma data cívica, o 7 de Setembro, para fazer campanha, mentir, atacar a esquerda, pedir votos (tudo
isso é proibido , mas obviamente, mais uma vez, nada vai acontecer). Usando dinheiro público, Bolso foi capaz de marcar seu discurso com um coro de “imbrochável”.
Mais uma vergonha internacional. Mas até parece que, depois de quase quatro anos desse circo, não estamos acostumados.
A âncora do Jornal da Globo, Renata Lo Prete,
foi precisa ontem ao mencionar três pontos sobre o “7 de Setembro sequestrado”: “Primeiro: tinha muita gente, especialmente no Rio, mas também em SP e em Brasília. Bolsonaro queria demonstrar força e conseguiu. […] Segundo: foi tudo ilegal, e de maneira flagrante, porque atropelou as duas regras básicas do jogo, que são: garantir igualdade de condições entre os candidatos e manter o dinheiro público protegido de quem disputa sentado na cadeira de presidente. A aposta de Bolsonaro é que, a menos de um mês do primeiro turno, não dará nem tempo de haver consequência, mas foi tudo ilegal. Por fim, convém a gente não se iludir com a ausência de ataques abertos a ministros do Supremo desta vez. É só porque o objetivo era diferente do 7 de setembro do ano passado. Agora é mais pra tentar conseguir algum benefício eleitoral imediato, mas aquela boçalidade machista foi pra distrair a plateia. Ao falar das famosas ‘quatro linhas’, que ele jamais respeitou, Bolsonaro deu a senha de que vai pra cima do Supremo se for reeleito”.
Ainda que Broxonaro (como já estava escrito na Paulista ontem) tenha juntado um bom público, suponho que muita gente foi embora decepcionada. Eles não esperavam um golpe? Uma invasão ao STF?
Tudo bem que
dois vídeos formidáveis do
Porta dos Fundos avisaram que não haveria golpe, ou que, se houvesse, não teríamos muito a temer (é bom porque ajuda a desmoralizar os milicos mais ainda). Mas não dá vergonha apoiar um presidente tão covarde?
Um que analisou bem o discurso de Bolso foi o psicanalista
Christian Dunker : “A ideia do ‘imbrochável’ é aquele que suscita a intromissão no discurso público de um aspecto da vida privada, que é aquele que está permanentemente ‘ereto’, que nunca fraqueja, que está oferecendo assim, tal como uma arma cheia de bala, sempre pronta para ser empregada, a sua masculinidade como exemplo para garantir proteção para aqueles que estão se sentindo inseguros. Uma retórica mais ou menos conhecida: você primeiro incita um tema, um lado da fantasia, e pra isso usa o discurso libidinal, libidinoso, e em seguida você oferece a proteção, você oferece a identificação com o líder, você oferece o ‘pai protetor’. Essa é uma síntese do bolsonarismo: masculinidade frágil, apelo a uma insegurança genérica, criação de inimigos que são vistos como o quê? Como fracos, como brocháveis, como não suficientemente violentos, como não possuidores dos meios, esses que são já na esfera dos brocháveis.
Brocháveis são os outros”.
Nas redes sociais, muita gente aproveitou para lembrar uma famosa fala de Simone de Beauvoir: “Ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso, do que o homem que duvida de sua virilidade”. E pra mais uma vez provar a marca registrada da direita, a misoginia, também houve oportunidade para os manifestantes continuarem atacando jornalistas (quase sempre mulheres), como Vera Magalhães. Quem paga esses ataques? Os empresários golpistas? A gente sabe quem manda.
A jornalista Paula Guimarães, do
Portal Catarinas , escreveu
um artigo exemplar em que destaca que “Bolsonaro tem uma capacidade infinita de estender o limite do que consideramos suportável” e cita a antropóloga argentina Rita Segato, que alertou para o “fanatismo patriarcal militante que parecia estar enterrado para todo sempre” e para o processo da “mafialização da política” que vive o Brasil. Diz Paula: “o que era para ser a comemoração de 200 anos de Independência do Brasil mostrou-se o oposto disso, a afirmação do colonialismo mais primitivo, aquele que faz do corpo das mulheres seu território primeiro, aquele que afirma as violências históricas de um país que dizimou parte de sua população originária e estuprou a outra parte”.
Ao comparar Michele com Janja, ao recomendar que os solteiros escolham uma “princesa”, Bolso mais uma vez deu seu
show de misoginia que o torna tão detestável para a maior parte das mulheres. Segundo Paula, “O governo de Bolsonaro, aliado às milícias, aos discursos de ódio exacerbados, à releitura da colonização dos corpos femininos e não brancos, promove uma frente poderosa e perversa: uma guerra contra as mulheres, mas também mira seu armamento contra a democracia e toda a sociedade brasileira”.
Paula lembra que o bolsonarismo levará tempo para ser amplamente enterrado: “Mesmo que perca as eleições – sendo as mulheres as grandes responsáveis por esse feito – Bolsonaro solidifica o legado do fanatismo patriarcal militante como estratégia de continuidade do poder da extrema direita, latifundiária, fascista, fundamentalista, armamentista, militarista e paramilitar”.
E Paula interpreta o termo mais famoso do triste dia de ontem como um chamado para outros misóginos: “O chamado ao coro de ‘imbrochável’, mais do que uma chacota jocosa desproporcional ao cargo, é o apito de cachorro que convoca ao exercício da violência sem precedentes e sem limites”. Não há dúvida alguma que muitos eleitores de Bolso entenderam o recado, como este senhor segurando seus testículos e gritando “Aqui ó” para um grupo de mulheres negras que passava de ônibus durante a manifestação dos velhinhos de amarelo no Rio. Soubemos depois que o ônibus foi parado e os jovens que gritaram “É Lula!” foram revistados pela polícia.
Só espero que este 7 de Setembro deplorável tenha sido o último sob o comando da extrema-direita. País nenhum merece isso.