É de caráter urgentíssimo a construção e implementação de um plano de transição ecológica para a Amazônia
Duas nuvens negras pairam sobre a Amazônia. A primeira é visível a olho nu: o céu tomado pela fumaça das queimadas em cima dos rios secos. A outra é invisível: o futuro sombrio que se desenha para a região. É necessário e urgente encontrar caminhos para enfrentá-las.
Começando pela fumaça, é difícil descrever a sensação para quem não mora na região. Estávamos acostumados ao céu limpo e carregado de nuvens de chuva. A chuva era quase sempre diária e, não raro, várias vezes ao dia, praticamente o ano todo. Essas chuvas limpavam a atmosfera e apagavam eventuais incêndios pontuais. Entretanto, a cada ano, as nuvens de fumaça se tornaram cada vez mais densas e duradouras. No começo era um dia ou outro e, agora, passaram a durar semanas e até meses.
Os impactos das nuvens de fumaça afetam tanto a saúde física quanto mental. As internações hospitalares se intensificam com o aumento da poluição do ar. A poluição não se limita a problemas do sistema respiratório: afetam a incidência de problemas cardiovasculares, diabetes etc. O uso de máscara já precisa ser massificado. Quanto à saúde mental, aumentam os casos de depressão e ansiedade – dentre outros. Serviços de atendimento psicológico precisam ser ampliados.
As nuvens de fumaça vieram acompanhadas de secas extremas. Recordes foram batidos em 2023 e agora, de novo, em 2024. Cidades, comunidades e aldeias inteiras ficaram totalmente isoladas, muitas vezes sem água potável e energia. Serviços de saúde e educação entraram em colapso, assim como a produção de peixes e a agropecuária. A economia das cidades, com a dificuldade de navegação, experimenta enormes aumentos de preços de todos os produtos. O Polo Industrial de Manaus, motor econômico da cidade e da região, amarga gigantescos prejuízos: apenas em 2023 foram superiores a R$ 1,5 bilhão. É urgente investir em adaptação e resiliência.
Secas e Queimadas
As secas e queimadas frequentes na Amazônia estão diretamente impactando os rios voadores, reduzindo significativamente o transporte de umidade para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. Consequentemente, as queimadas, ao matarem árvores e enfraquecerem as florestas, combinadas com os efeitos da seca, diminuem drasticamente a evapotranspiração da floresta. Dessa forma, a floresta perde sua capacidade de funcionar como uma bomba biológica de água, comprometendo o equilíbrio hídrico de vastas regiões do país. Como resultado, o setor agrícola brasileiro está sofrendo perdas bilionárias neste ano, demonstrando a interconexão entre a saúde da floresta e a economia nacional.
Tragicamente, os rios voadores, que antes transportavam umidade vital para o continente, agora atuam como condutores de fumaça, contaminando vastas áreas do país. Essa mudança drástica tem consequências diretas para a saúde pública, afetando a qualidade de vida de milhões de brasileiros e gerando custos exorbitantes para o sistema de saúde, estimados em bilhões de reais anualmente. Além disso, o aumento da poluição atmosférica ocasionado pela fumaça contribui para o aumento no custo da energia e do custo de vida da população. É importante ressaltar que os impactos da inação climática já eram previstos há décadas. Conforme alertava o Relatório Stern em 2006, os custos da inação climática são exponencialmente maiores do que os investimentos em medidas de prevenção e mitigação.
Desafios Climáticos
Resta analisar a nuvem negra invisível que paira sobre o futuro da região. É preciso ressaltar que estamos vivenciando uma nova fase das mudanças climáticas, caracterizada por eventos extremos e impactos cada vez mais severos. Os cenários mais pessimistas projetados pelo IPCC estão sendo superados, superando as expectativas mais alarmantes da comunidade científica. De fato, as novas projeções climáticas são extremamente preocupantes. Segundo dados do observatório europeu Copernicus de monitoramento climático, os recordes de temperatura foram quebrados em 13 dos últimos 14 meses, indicando uma tendência alarmante de aquecimento global. Pela primeira vez, tivemos uma sequência de 12 meses com temperaturas superiores ao limite de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, ultrapassando, assim, um marco crucial estabelecido pelos acordos climáticos internacionais.
As novas projeções científicas apontam para cenários acima de 3 e até 4 graus, com previsões catastróficas para o Brasil feitas pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Vale notar que os governos, empresas e sociedade em geral têm fracassado em dar a devida atenção aos alertas dos cientistas, que vem sendo feitos desde antes da Convenção do Clima, na Rio-92.
O Crime Organizado Alimenta as Chamas: A Devastação da Amazônia
Num cenário de temperaturas cada vez mais altas e secas cada vez mais prolongadas, a frequência e a intensidade dos incêndios florestais tendem a aumentar significativamente. Dessa forma, os incêndios aumentam a quantidade de combustível de madeira morta, enquanto a seca intensifica a flamabilidade da vegetação, criando um ciclo vicioso. Quanto mais incêndios ocorrem, menor é a evapotranspiração e, consequentemente, menor a quantidade de chuva, agravando ainda mais a situação. Além disso, o avanço do crime organizado na região exacerba esse problema. De acordo com um estudo do Instituto Igarapé, os crimes ambientais estão crescendo exponencialmente e se espalhando por todo o Brasil, comprometendo ainda mais a conservação dos nossos ecossistemas.
O narcotráfico, em aliança com o crime organizado, tem se fortalecido na Amazônia, estabelecendo conexões com atividades ilegais como o garimpo, a extração ilegal de madeira e a grilagem de terras públicas. Esse avanço criminoso fragiliza ainda mais o poder público, que já possui uma presença precária na região. Consequentemente, a economia do crime financia e impulsiona atividades destrutivas como o desmatamento, as queimadas criminosas e a pecuária extensiva, agravando a crise ambiental na Amazônia.
A Urgência de Proteger a Amazônia e Construir um Futuro Sustentável
Desde os anos 90 venho escrevendo que a destruição da Amazônia é contra o interesse nacional. Quem sai ganhando são apenas os grileiros de terras públicas, madeireiros ilegais e garimpeiros. Menos de 1% da população brasileira causa prejuízos gigantescos para os 99% restantes. Entretanto, essa minoria conseguiu construir uma narrativa que ganhou apoio de parcela expressiva do Congresso Nacional.
A tese, equivocada, é de que interessa apenas aos países ricos evitar a destruição da Amazônia. Isso estaria embasado na premissa de que eles se desenvolveram desmatando e que nós brasileiros devemos também ter o direito de desmatar para nos desenvolver. Muitos ainda acreditam nessa tese, por mais absurda que seja no atual contexto climático. Essa visão equivocada nos leva ao risco de aprovação de vários projetos de lei que tramitam em Brasília. É urgente uma mobilização da sociedade nacional contra isso. Não se pode permitir que se abram mais porteiras para passar a boiada da destruição da Amazônia. Além disso, devemos construir um Plano de Transição Ecológica para a Amazônia.
Devemos mobilizar dezenas de bilhões de reais por ano para mudar a trajetória de desenvolvimento da região na direção da sustentabilidade. Seria um plano para os próximos 10 anos, combinando ações de: prevenção e combate ao desmatamento e incêndios florestais; combate ao crime organizado; incentivo à sociobioeconomia da floresta em pé; recuperação produtiva de áreas desmatadas; restauração de áreas ecologicamente importantes; modernização da agropecuária com sistemas de baixo carbono; valorização dos povos indígenas e populações tradicionais como guardiões da floresta; e melhoria da qualidade de vida das áreas urbanas, com despoluição das águas e melhoria do conforto térmico – entre outras. A construção e implementação de tal plano é de caráter urgentíssimo.
Fonte: Valor
- LEIA TAMBÉM: PRIMEIRO SERVIÇO DE ARMAZENAMENTO DE CO2 DO MUNDO EM BREVE ESTARÁ DISPONÍVEL NA NORUEGA
O post Nuvens carregadas sobre a Amazônia apareceu primeiro em Tratamento de Água .
Fonte
O post “Nuvens carregadas sobre a Amazônia” foi publicado em 06/10/2024 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Tratamento de Água