O objetivo das discussões para reformar o Código de Mineração atualmente em vigor no Brasil, que é de 1967, tem um objetivo claro: fazer o setor extrativo alcançar até 10% do PIB brasileiro, assume em entrevista o deputado Evandro Roman (Patriota-PR), coordenador do Grupo de Trabalho responsável pela proposta.
Hoje, incluindo petróleo e gás, o setor extrativo alcança cerca de 4% do PIB. A mineração, no entanto, responde por menos de 2% desse montante. Um crescimento tão significativo demanda uma mudança importante de regras e incentivos legislativos e financeiros.
Roman faz parte da Frente Parlamentar da Mineração (FPM), grupo que representa os interesses do setor mineral e que foi detalhado na primeira matéria da série. A FPM controlou do início ao fim as discussões para mudança da lei.
Na Frente constam ainda a deputada Greyce Elias (Avante-MG), relatora do Novo Código de Mineração e quase todos os deputados que ocuparam a sub-relatoria de temas específicos.
É o caso de Ricardo Izar (PP-SP), presidente da FPM, que abordou minerais não-metálicos; Joaquim Passarinho (PSD-PA), que tratou de minerais metálicos; Evair Vieira de Melo (PP-ES), em rochas ornamentais, que recebeu R$ 50 mil em doações da ArcelorMittal em 2014; Da Vitória (Cidadania-ES), sobre leilões de áreas; Zé Silva (Solidariedade/MG) em barragens; e Jonathan de Jesus (Republicanos/RR), de lavra garimpeira, que recebeu R$ 100 mil da Cavalca Mineração em 2014. A exceção formal é o ruralista Nereu Crispim (PSL-RS), sub-relator de agregados da construção civil.
Não por acaso existe um alinhamento “ideológico, político e legislativo” entre os deputados, afirmou o coordenador.
O novo Código, no entanto, supostamente deixou de fora a discussão sobre mineração em terra indígena para não “atrapalhar” o trâmite do PL 191/2020, enviado por Jair Bolsonaro ao Congresso.
“Não discutimos mineração em terra indígena, senão isso contaminaria as discussões”, diz Roman. Para o deputado do Paraná, seria preciso regulamentar primeiro o que já existe e está posto para só depois entrar o que ainda não está na lei.
Em sua visão, se o PL que autoriza mineração em terra indígena for aprovado “sem atravessadores, como ONG’s”, respeitando “a vontade do índio e questões ambientais”, terá “um futuro grande”. E cita como exemplo positivo a discussão sobre cassino em terras indígenas nos Estados Unidos. Há controvérsias, como mostramos em uma série de matérias especiais.
A versão apresentada por Greyce Elias , porém, mantém os títulos que foram adquiridos antes das demarcações de terras indígenas e unidades de conservação e diz no artigo 42-A que “em caso de criação de áreas que restringem as atividades minerárias, os requerimentos minerários anteriores à criação dessas áreas não serão indeferidos, mas sim, permanecerão bloqueados, no sistema da ANM, suspendendo todas as responsabilidades relacionadas ao referido processo minerário”.
Na sequência, o artigo 42-C prevê que caberá ao ministro de Minas e Energia dar a palavra final para resolver “conflitos de interesse”. No caso de não haver conflito de interesse entre a atividade de mineração e a atividade que determinou o bloqueio da área, diz o texto, “ambas poderão ser autorizadas”. Entra nessa previsão redes de energia elétrica, gasodutos, oleodutos, ferrovias, rodovias, termoelétricas, hidrelétricas e outros projetos.
O texto do novo Código mantém o caos de requerimentos na Agência Nacional de Mineração e coloca o interesse econômico de vários projetos acima do interesse socioambiental, com a decisão cabendo unicamente ao ministro de MME.
Criação de novas áreas de proteção obedecerá ao interesse minerário
Nota do Comitê em Defesa dos Territórios Frente à Mineração , rede de uma série de ONGs e universidades, avalia que propostas antigas foram resgatadas no texto atual, incluindo o caso de criação de novas unidades de conservação.
O artigo 42-G diz que “é vedada a criação de unidades de conservação, áreas de proteção ambiental, tombamentos e outras demarcações que restrinjam a atividade minerária sem que ocorra ampla discussão e participação da sociedade, da ANM e dos titulares de direitos minerários abrangidos por estas unidades, bem como análise de impacto econômico de que trata o art. 5º da Lei nº13.874, de 20 de setembro de 2019”.
Já o 58-A afirma que “cabe à ANM declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão de mina, das áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários ou autorizados”.
Para o Comitê, “esse conjunto de propostas dificulta a criação de novas áreas de proteção ambiental, as demarcações de terras indígenas e quilombolas, bem como a criação de assentamentos de reforma agrária ou mesmo o planejamento urbano dos municípios”.
Os especialistas também são críticos sobre a simplificação excessiva de processos minerários, a falta de reajuste na cobrança dos royalties da mineração (a CFEM), que deixa o Brasil entre os países com as taxas mais baixas do mundo, os incentivos financeiros, a autorização automática da ANM para lavra garimpeira caso o prazo previsto expire e a retirada da autonomia de estados e municípios em situações centrais.
“Ao retirar a obrigatoriedade de anuência de Estados e Municípios para instalação de empreendimentos de mineração, a proposta concentra poder demasiado na esfera federal, restringindo a decisão de entes federados aos seus territórios e fechando os principais canais atuais de interlocução e luta das comunidades atingidas e ameaçadas pela mineração”, afirmam.
A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) também se manifestou. Em nota, a ABA afirma que a reformulação do Código representa uma série de ameaças aos direitos dos povos e comunidades tradicionais e ao meio ambiente.
“Há uma inversão da lógica, pois a mineração deixa de figurar como atividade passível de ser regulada dentro do ordenamento urbano; ao contrário, é o ordenamento urbano que se submete à localização das jazidas e suas possíveis explorações futuras”, diz o texto.
Há o risco de se subordinar os direitos constitucionais de povos e comunidades tradicionais e sobrepor interesses comerciais minerários ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, acredita a ABA.
Ausência de participação da sociedade civil e prevalência de lideranças da mineração
O novo Código de Mineração realizou mesas redondas nos estados e o coordenador do GT, que fez mais de 20 reuniões , alega ter ouvido dezenas de pessoas de diferentes segmentos, incluindo acadêmicos, especialistas em mineração, organizações não governamentais, pequenos mineradores, além de representantes do governo federal e da Agência Nacional de Mineração.
Quando se olha para a lista de presentes em cada audiência, porém, a predominância de representantes do setor mineral é ampla. Questionado sobre essa disparidade, Evandro Roman negou que houvesse preferência.
“Ninguém que nos procurou foi negado a audiência pública. Quero que alguém que tenha nos procurado e não foi atendido (se manifeste). Questão da oferta e da procura. Nós ouvimos todo mundo. Não cerceamos o direito de ninguém”, afirma.
A Nota do Comitê afirma ainda que a tramitação foi acelerada e que, diferente do que aconteceu em 2013 e 2015, “quando ainda houve alguma participação das organizações da sociedade civil que atuam na defesa dos povos e territórios em conflito com a mineração e de grupos ambientais, a atual não os contemplou nos debates e tampouco aderiu às proposições advindas desse segmento da sociedade”.
Influência da OCDE e aposta reiterada no carvão
Perguntado se o GT recebeu a contribuição da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que está mudando regras para o setor mineral – uma “guilhotina regulatória” – em parceria com a ANM , Evandro Roman confirmou que sim.
“Tudo isso foi encaminhado, tivemos a oportunidade de conversar. A harmonia entre governo, agência reguladora e a OCDE é a melhor possível”, avalia Roman.
O deputado também está alinhado com o governo Bolsonaro na defesa do carvão, que é forte na região Sul, domicílio eleitoral do deputado e de boa parte dos parlamentares da Frente em defesa da mineração.
Principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa da mineração, que chegam a 7% das emissões globais, o carvão conseguiu sair vencedor na COP 26. Os principais países dependentes do carvão, como a China, não se comprometeram a abandonar o combustível poluidor.
No Brasil, o Ministério de Minas e Energia lançou um programa para incentivar o carvão e prevê R$ 20 bilhões de investimento para os próximos anos.
“É o combustível que nós temos, quando (a situação) aperta é ele que nos salva nas termelétricas. Enquanto tivermos a necessidade de uma energia mais barata, o carvão será muito bem-vindo. Quem critica que sugira uma situação que não seja essa e que venha baratear a geração de energia. Sou muito favorável à manutenção do carvão enquanto não tiver outra”, disse Roman.
O texto de Greyce Elias foi apresentado em 10 de novembro e a votação na Comissão está marcada para 01 de dezembro. O Código seguirá para o plenário da Câmara. A previsão é que a votação ocorra ainda em dezembro.
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O post “Novo Código de Mineração mira 10% do PIB e atende a pedidos de Arthur Lira e Jair Bolsonaro, assume deputado” foi publicado em 26th novembro 2021 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração